Por CASTIGAT RIDENS*
Na madrugada de um sábado qualquer — para este ex-presidente convertido em réu famoso —, o senhor Jair Bolsonaro resolveu fazer uma “brincadeira caseira”: pegar um ferro de soldar quente e aplicar no que se convencionou chamar de tornozeleira eletrônica. Sim, o objeto que deveria monitorá-lo virou alvo da criatividade fora de hora. “Meti um ferro quente aqui”, confessou ele ao agente — “por curiosidade”, completou. Seus aliados, sempre prontos para transformar calamidade em narrativa, alegam agora que o ex-presidente “estava em surto” no momento da operação artesanal, “ouvindo vozes vindas do aparelho” — como se um ferro de soldar em plena madrugada fosse sintoma clínico e não projeto político.
A peça publicada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), por meio do ministro Alexandre de Moraes, não deixou margem para dúvidas: marcas de queimadura ao redor do case, câmeras de monitoramento registrando o alerta de violação à 0h07 e sinais de que algo mais grave se tramava.
E agora, cavaleiros da moral conservadora, imagino sua cara de espanto: “Mas o nosso mito, o viril, o machão, o dono da ‘saúde de atleta’, o qual jurou que ia fuzilar petista, que humilhou vítimas da Covid-19, que idolatrou torturadores e proclamou a invencibilidade de seu futebol de botas de chumbo… estaria rendido à eletrônica, à tornozeleira e a um ferro de soldar?” Pois é.
A prisão preventiva decretada hoje, após aceitação da solicitação da Procuradoria-Geral da República (PGR) — evidenciando risco de fuga, obstrução da Justiça e tumulto — não é só sobre a violação do dispositivo. Está envolvida uma vigília convocada pelo filho mais velho, Flávio Bolsonaro (PL-RJ), para “orar” na porta do condomínio paterno, mobilizando simpatizantes, talvez preparando terreno para fuga ou embate nas ruas.
É então que a comparação se impõe, não por gosto, mas por contraste histórico. Porque enquanto Bolsonaro brinca de fugitivo de madrugada, esquentando tornozeleira como quem taca maçarico numa gambiarra doméstica, Lula, momentos antes de ser preso por ordem de Moro acatada pelo STF sem condenação definitiva, fez exatamente o oposto da caricatura de coragem que Bolsonaro tenta simular. Lula poderia ter insuflado a multidão. Poderia ter convocado enfrentamento, resistência, tumulto — e não faltavam braços dispostos entre os milhares que se encontravam concentrados no pátio e nas ruas que circundam o Sindicato dos Metalúrgicos em São Bernardo. Mas escolheu evitar um banho de sangue. Pediu serenidade, pediu que ninguém impedisse o cumprimento da ordem. Caminhou rumo à PF porque sabia — e sabe — que sua existência política ultrapassa sua própria biografia: as ideias não morrem, disse ele. Lula se entregou; Bolsonaro tentou fritar a tornozeleira. Um foi preso como líder; o outro, como fujão improvisado.
E seguimos: qual é o grau de insanidade de quem decide, sob monitoramento eletrônico, arrancar (ou tentar) arrancar a vigilância com um ferro de soldar — como quem conserta o fogão? Achou que o equipamento não estava sendo monitorado? Que os câmeras iam tirar férias? Que alguém na central, movido por súbita simpatia, iria acobertar sua fuga? Ou foi simplesmente o desespero de quem sabia que a cela se aproxima?
A resposta parece se compor de todos esses elementos: arrogância + delírio + desespero. O machão que comandava multidões, vangloriava-se de ser “imbrochável, imorrível e incomível”, gritava “quem manda aqui” e empunhava bandeiras de “ordem e progresso” em tom de fúria agora se rende à fragilidade. Ele que expôs vítimas da pandemia ao escárnio agora se vê escarnecido pela própria tornozeleira. No mesmo pacote de bravatas, vale lembrar o 7 de Setembro de 2021, no Rio de Janeiro, quando bradou que Alexandre de Moraes era um “canalha” e proclamou diante da multidão: “qualquer decisão do sr. Alexandre de Moraes, este presidente não mais cumprirá!” — discurso inflamado que hoje contrasta de forma quase cômica com sua rendição silenciosa diante do bip da tornozeleira. Ele que pregou “rigor”, “força”, “resistência”, está preso — e o objeto que o monitorava virou símbolo de humilhação.
É impossível não ver a ironia fina (e cruel) dessa cena: o ex-chefe de Estado, com bilhões em contas, em egos e em imóveis comprados com dinheiro cash, recusando resignar-se ao apertar digital de algemas tecnológicas, sendo pego no flagrante, admitindo em vídeo que “meti um ferro quente aqui”. A Justiça agiu com firmeza exatamente onde precisava agir — e encontrou, do outro lado, um ex-chefe de Estado mais acostumado a driblar regras do que a enfrentá-las.
E no fim das contas, a prisão preventiva de Jair Bolsonaro não é só uma medida exemplar. É um alerta claro: quem acha que está acima da lei, quem desafia cortes e instituições e se acha dono do tempo, acaba descobrindo que até um ferro de soldar vira testemunha. E que a vaidade de macho indestrutível murcha frente a um case de tornozeleira, o que pode se transformar numa das maiores tragicomédias políticas da Nova República.
Que fique o registro de que a democracia não se sustenta em blindagens de ego nem em soldas de fuga. E que a “ordem e progresso” que pregou, uma vez degenerada em tentativa de escape, apenas revela o fracasso moral de quem nunca esteve à altura do cargo que ocupou.
*Castigat Ridens é um pseudônimo criado a partir da expressão latina “Castigat ridendo mores”, que significa “corrige os costumes rindo” ou “critica a sociedade pelo riso”, muito usada no contexto da comédia como instrumento de crítica social.
Imagem da capa: Imbrochável derretedor – Imagem gerada por IA ChatGPT




