Relação Entre Algoritmos e Criptomoedas

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Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA*

Algoritmos são uma sequência de etapas bem definidas com instruções lógicas e finitas, para realizar uma tarefa ou resolver um problema, como fosse uma receita. Eles são usados em computação para processar dados e tomar decisões, de forma automática, sendo essenciais em serviços como motores de busca, redes sociais, recomendações de streaming e navegação GPS.

A tecnologia blockchain é um banco de dados distribuído e descentralizado. Armazena informações em blocos conectados em uma cadeia, de forma segura e criptografada.

Cada novo bloco contém um conjunto de transações e um registro do bloco anterior, criando uma cadeia imutável e resistente a fraudes. Isto porque todos os participantes da rede possuem uma cópia dos dados e qualquer alteração requer o consenso da maioria. 

A relação entre algoritmos e criptomoedas é fundamental, pois os algoritmos são a espinha dorsal capaz de garantir a segurança, a integridade e o funcionamento descentralizado de toda a tecnologia blockchain. São usados em diversas etapas.

Algoritmos criptográficos transformam informações confidenciais em códigos ilegíveis e previnem fraudes. 

Funções de Hash como o SHA-256 (usado pelo Bitcoin) criam uma “impressão digital” única e irreversível dos dados de cada bloco. Isso garante a integridade dos dados, pois qualquer alteração em uma transação mudaria completamente o hash do bloco, alertando a rede sobre uma possível fraude.

Há espécies de “assinaturas digitais”. Algoritmos como o ECDSA (Elliptic Curve Digital Signature Algorithm), baseado em criptografia de curva elíptica, são usados para gerar pares de chaves pública e privada. A chave privada assina as transações, provando a propriedade dos fundos sem revelar a chave privada, e a chave pública verifica a assinatura, garantindo a autenticidade do remetente. 

Esses algoritmos permitem uma rede distribuída de computadores concordar sobre o estado atual do registro de transações (a blockchain) sem a necessidade de uma autoridade central. Eles incentivam a colaboração e desencorajam comportamentos maliciosos. 

Proof-of-Work (PoW), utilizado pelo Bitcoin e, anteriormente, pelo Ethereum, exige os participantes (“mineradores”) usarem poder computacional para resolver quebra-cabeças matemáticos complexos. O primeiro a encontrar a solução válida adiciona o próximo bloco à cadeia e é recompensado. A dificuldade do algoritmo é ajustada para manter um tempo médio constante de criação de blocos.

Proof-of-Stake (PoS) é um mecanismo mais recente, adotado pelo Ethereum, após a “Fusão”, onde os participantes (“validadores”) apostam suas próprias criptomoedas como garantia para validar transações. A probabilidade de um validador ser escolhido para criar o próximo bloco é proporcional à quantidade de moedas possuída por ele e disposta na aposta. 

A mineração de criptomoedas é, em essência, a execução de um algoritmo (como o SHA-256) repetidamente, testando diferentes valores (chamados “nonces“) até encontrar um hash capaz de atender a um critério de dificuldade específico, por exemplo, começar com um determinado número de zeros. 

Em suma, os algoritmos são os blocos de construção lógicos e matemáticos. Garantem as criptomoedas operarem de forma segura, descentralizada e confiável. 

Daí surge a pergunta-chave: trabalhadores devem investir seu dinheiro, ganho com esforço de trabalho, em aplicações naquilo desconhecido por eles? Essa relação entre algoritmos, criptomoedas, blockchain e stablecoins, não se resume a uma especulação desenfreada, simplesmente, por excesso de demanda diante uma oferta dada? Não é mais uma “tulipomania” ou bolha de ativo?

A resposta, em perspectiva histórico-estrutural, é sim, há claros elementos de tulipomania contemporânea, embora o contexto sistêmico seja mais sofisticado. Necessitamos articular a ética do trabalho, a forma monetária e a dinâmica de bolhas financeiras.

Os trabalhadores, ao acumularem alguma poupança ou reserva financeira, buscam preservar ou ampliar seu poder de compra futuro. No entanto, sob o regime de financeirização digital, essa poupança é pressionada a converter-se em ativo financeiro volátil — ações, criptomoedas, fundos, derivativos, “tokens” —, principalmente na época de afrouxamento monetário, para não ser corroída por juros reais negativos e consequente inflação de ativos.

O capital fictício, alimentado por expectativas, empurra o pequeno poupador para o mesmo cassino no qual jogam bancos, fundos e algoritmos de alta frequência. Detalhe crucial: estes detêm informação e poder assimétricos.

É necessário entender a lógica da bolha digital. Como na tulipomania, na Holanda do século XVII, há um excesso de liquidez e uma expectativa irracional de valorização futura. A diferença é, hoje, o meio de especulação ser digital, global e descentralizado.

O processo é algoritmicamente amplificado via bots, IA preditiva, plataformas de trading automatizadas. A legitimação se dá por narrativas tecnológicas e libertárias, tipo “moeda do futuro”, “fim dos bancos”, “autonomia financeira” etc.

Os preços dos ativos deixam de expressar custo de produção ou valor de uso. Expressam o entusiasmo coletivo de uma rede em “comportamento de manada”.

O risco moral da “democratização do investimento” é a retórica neoliberal e as fintechs transformarem a especulação em “cidadania financeira”. Mas o apresentado como inclusão financeira é, na verdade, transferência de risco sistêmico aos indivíduos. Os trabalhadores passam a se responsabilizar pela própria aposentadoria, saúde e renda futura, em um sistema não compreendido por cada um deles – e sem poderem influenciar individualmente.

A transição do papel-moeda estatal para o dinheiro digital privado (stablecoins, criptoativos, moedas de plataforma) fragmenta a soberania monetária e reconfigura a confiança social. Antes, essa confiança era institucional e pública (Estado, Banco Central), agora, torna-se tecnológica e privada (algoritmo, big tech, rede). Alguns analistas já denunciam “a financeirização da confiança”.

Nesse contexto, a moeda deixa de ser expressão da comunidade nacional e passa a ser produto de corporações globais, submetendo o trabalhador a uma nova forma de dominação. Trata-se da confiança algorítmica imposta pelo capital digital.

Sim, há uma bolha, mas não apenas inflada por preços de ativos. Há bolha ideológica, transformadora da promessa de autonomia financeira em instrumento de captura de poupança popular. A “tulipomania digital” é o espelho do nosso tempo: a ansiedade de valorização sem produção e a fé cega em sistemas computacionais sem ninguém individualmente os controlar.


*Fernando Nogueira da Costa é Professor Titular do IE-UNICAMP. Baixe seus livros digitais em “Obras (Quase) Completas”: http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: fernandonogueiracosta@gmail.com

Foto de capa:  Reprodução

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