(Série “A Guerra às Drogas: o preço da proibição” — Artigo 3 de 5)
Da REDAÇÃO – texto produzido com o auxílio da IA ChatGPT
A “guerra às drogas”, ao longo das últimas cinco décadas, transformou-se na principal engrenagem de encarceramento em massa no mundo contemporâneo.
O discurso moral e a retórica da segurança pública ocultam o fato de que a maior parte dos presos por drogas não são grandes traficantes, mas sim usuários, pequenos vendedores ou pessoas empobrecidas que ocupam a base da cadeia de distribuição.
As leis criadas para punir o crime organizado acabaram punindo a miséria.
Os “mínimos obrigatórios”: quando a lei retira do juiz o poder de julgar
Em 1986, os Estados Unidos aprovaram o Anti-Drug Abuse Act, marco central da política punitiva.
Ele introduziu os mandatory minimum sentences — as “penas mínimas obrigatórias” — que fixam sanções automáticas para determinados delitos, impedindo que o juiz leve em conta o contexto ou a quantidade de droga.
Exemplo clássico: possuir 5 gramas de crack ou 500 gramas de cocaína em pó implicava a mesma pena mínima de cinco anos de prisão.
Essa diferença de cem vezes entre as duas substâncias ficou conhecida como a “razão 100:1”.
Na prática, significou criminalizar a pobreza e a cor da pele — o crack era consumido majoritariamente em bairros negros e pobres; a cocaína, em ambientes brancos e de classe média.
Entre 1980 e 2000, a população carcerária dos EUA saltou de 500 mil para mais de 2 milhões de pessoas, sendo dois terços negros ou latinos.
Estudos da U.S. Sentencing Commission mostram que as mulheres negras foram o grupo que mais cresceu nas prisões por delitos de drogas.
O modelo importado: o encarceramento no Brasil
O Brasil seguiu a mesma trilha.
A Lei 11.343/2006, chamada de “Lei de Drogas”, prometia distinguir usuário de traficante.
Na prática, ampliou as penas e eliminou a possibilidade de penas alternativas, transferindo à polícia e ao Judiciário o poder discricionário de classificar quem é o quê.
O resultado é conhecido:
- A população prisional brasileira ultrapassou 830 mil pessoas (2024).
- Cerca de 30 % dos presos estão por delitos ligados a drogas.
- Dois em cada três são negros e mais da metade têm menos de 30 anos.
- A maioria foi condenada sem violência envolvida.
As penitenciárias estão lotadas de réus primários e jovens pobres presos com pequenas quantidades.
Enquanto isso, traficantes de grande porte seguem negociando nas fronteiras, protegidos por redes de corrupção e lavagem de dinheiro.
A máquina punitiva e o lucro do fracasso
A guerra às drogas gerou um complexo industrial da punição:
- Polícias recebem verbas e equipamentos;
- Empresas privadas lucram com a construção e gestão de presídios;
- Bancos e doleiros lavam o dinheiro do tráfico;
- Governos capitalizam politicamente o medo.
O sistema se retroalimenta: quanto mais prisões, mais demanda por repressão; quanto mais repressão, mais lucros ilegais; e quanto mais lucro, mais corrupção.
O custo, humano e fiscal, recai sobre o contribuinte e sobre os corpos encarcerados.
Entre a lei e o racismo estrutural
A aplicação seletiva das leis antidrogas revela o que diversos juristas e sociólogos denominam “racismo estrutural penal”.
Não são as substâncias que determinam quem vai preso, mas o território, a cor e a renda de quem é pego com elas.
Nos bairros ricos, o usuário é “dependente químico”; na favela, é “traficante”.
A jurista norte-americana Michelle Alexander, no clássico The New Jim Crow: Mass Incarceration in the Age of Colorblindness (publicado em 2010), definiu a guerra às drogas como “um sistema de segregação racial travestido de política criminal”.
No Brasil, o mesmo padrão se reproduz, adaptado à lógica da desigualdade social e da violência institucional.
As consequências sociais
O encarceramento em massa provoca efeitos colaterais devastadores:
- destruição de vínculos familiares e comunitários;
- reprodução de redes criminosas dentro das prisões;
- sobrecarga do sistema judicial e penitenciário;
- e perpetuação da pobreza entre famílias de presos.
Segundo o CNJ, cada pessoa presa custa, em média, R$ 2 a 3 mil mensais aos cofres públicos.
O país gasta mais para manter jovens negros presos do que para educá-los.
Experiências de reversão e reforma
Nos EUA, o Fair Sentencing Act (2010) reduziu a razão 100:1 para 18:1 e aboliu a pena mínima para posse simples de crack.
A partir de 2022, o Departamento de Justiça orientou promotores a não replicar disparidades raciais nas acusações.
Em outros países, políticas de descriminalização e redução de danos (como em Portugal e na Suíça) mostraram que é possível reduzir consumo e reincidência sem encarceramento.
O Brasil, porém, ainda resiste.
O Supremo Tribunal Federal discute, desde 2015, a constitucionalidade da criminalização do porte para uso pessoal — um julgamento que pode redefinir o futuro da política de drogas no país.
A prisão como sintoma
O encarceramento em massa é o efeito mais visível e brutal da guerra às drogas.
Mas, mais do que resultado, ele é um instrumento de poder: serve para disciplinar os pobres, reafirmar hierarquias raciais e legitimar o Estado punitivo.
Reformar a política de drogas significa recolocar o sistema penal em seu devido lugar: o de proteger direitos, e não o de sacrificar vidas.
No próximo artigo:
“Saúde e redução de danos: quando o cuidado substitui a punição”
Como a ciência e as experiências internacionais mostram que tratar o uso de drogas como questão de saúde pública — e não de polícia — salva vidas e reduz custos sociais.
Ilustração da capa: Encarceramento em massa – Imagem gerada por IA ChatGPT
Leia também os textos anteriores:
0. Série Especial: A Guerra às Drogas — o Preço da Proibição
1. Introdução: A guerra às drogas e o preço da proibição
2. O império da proibição: a gênese política da guerra às drogas





Uma resposta
Parabéns! Excelente esta série especial sobre o tema da criminalidade. Está mais que na hora do brasileiro elevar a consciência para as implicações tão profundas que este tema nos trás. E o momento atual é extremamente oportuno.