Pela primeira vez na história do país, as uniões consensuais — aquelas sem registro civil ou religioso — superaram os casamentos formais no Brasil. O dado, divulgado pelo Censo 2022 do IBGE, mostra uma mudança profunda nas formas de constituição familiar e também revela contradições preocupantes: mais de 34 mil crianças e adolescentes de até 14 anos vivem em algum tipo de união conjugal no país.
De acordo com o levantamento, 36,7% das pessoas com 15 anos ou mais que vivem com cônjuge ou companheiro estão em união consensual, enquanto 36,3% têm casamento civil e religioso. O restante se divide entre apenas o civil ou apenas o religioso. Em 2010, os casamentos formais ainda representavam a maioria.
Especialistas apontam que o avanço das uniões informais reflete transformações culturais, econômicas e sociais. O aumento da escolarização feminina, a maior autonomia financeira das mulheres e o alto custo de cerimônias e registros formais estão entre as causas mais citadas. Além disso, há um movimento de valorização da convivência e da afetividade, em detrimento de formalidades legais.
Por outro lado, os dados sobre casamentos precoces acendem um alerta. O IBGE identificou 26 mil meninas e 8 mil meninos de até 14 anos vivendo em união conjugal — algo que, embora não seja formalizado em cartório, é considerado trabalho infantil e violação de direitos humanos, segundo o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA).
Organizações da sociedade civil e organismos internacionais alertam que o chamado “casamento infantil” aprofunda desigualdades de gênero, interrompe a educação e aumenta os riscos de violência doméstica e sexual.
A coordenadora do movimento Plan International Brasil, Ana Paula Brandão, afirma que o número é “um retrato de uma prática ainda naturalizada, sobretudo em regiões mais pobres e rurais do país”. Ela destaca que o Brasil é o quarto país do mundo com mais uniões infantis, atrás apenas de Índia, Bangladesh e Nigéria.
Apesar de o Código Civil proibir o casamento de menores de 16 anos, a legislação ainda permite exceções em casos de gravidez, o que, segundo organizações de defesa dos direitos das meninas, contribui para perpetuar a prática. “É uma violação que se esconde sob a roupagem da tradição ou da necessidade, mas é fruto direto de desigualdades estruturais”, diz Brandão.
O levantamento do Censo também mostra que o Brasil segue majoritariamente formado por famílias chefiadas por mulheres, tendência que cresce a cada edição da pesquisa. Segundo o IBGE, chegou a 52% o número de lares em que as mulheres são as principais responsáveis — o que reforça a transformação do modelo familiar tradicional e evidencia novos arranjos de convivência e cuidado.
A combinação dos dois dados — o crescimento das uniões informais e a persistência dos casamentos precoces — desenha um retrato complexo da sociedade brasileira: mais plural e diversa nas formas de amar e conviver, mas ainda marcada por fortes desigualdades de gênero, renda e acesso a direitos básicos.
Imagem destacada gerada por IA.




