Por BENEDITO TADEU CÉSAR*
A eleição de 4 de novembro de 2025 marcou uma noite de vitórias significativas para o Partido Democrata nos Estados Unidos, com ganhos relevantes nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário em diversas regiões do país. Trata-se de um sinal claro de desgaste do governo de Donald Trump, que enfrenta a pior avaliação de seu mandato e se prepara para as eleições de meio de mandato em 2026. Em contraste com o avanço democrata, os republicanos não conquistaram vitórias expressivas, reforçando a leitura de um momento de inflexão no cenário político norte-americano.
Vitórias democratas em série
Em Nova York, Zohran Mamdani, muçulmano e identificado como socialista, foi eleito prefeito, tornando-se o primeiro político de origem sul-asiática e muçulmana a comandar a maior cidade do país. Ele obteve cerca de 50,4% dos votos no pleito geral. A eleição de Mamdani tem peso simbólico e político que vai além da disputa local. Nascido em Uganda, filho de imigrantes indianos, e educado no Bronx, Mamdani representa a convergência de múltiplas identidades históricas que foram sistematicamente marginalizadas nos Estados Unidos. Ao conquistar a prefeitura de Nova York, ele rompe com as estruturas tradicionais do poder urbano, dominado historicamente por elites brancas e aliadas ao setor financeiro e imobiliário.
Sua campanha, pautada por um programa progressista, mobilizou jovens, imigrantes, trabalhadores precarizados e movimentos sociais que atuam na cidade. Defendeu o controle do aluguel, o fortalecimento de habitação pública, a desmilitarização da polícia e o investimento massivo em serviços públicos, especialmente saúde e transporte. A vitória de Mamdani inscreve-se numa tendência de renovação da esquerda institucional nos Estados Unidos, que tem em nomes como Alexandria Ocasio-Cortez e Bernie Sanders alguns de seus principais expoentes.
Além disso, sua eleição desafia diretamente a retórica islamofóbica e xenófoba promovida por Donald Trump desde 2016. Em seu discurso de vitória, Mamdani foi direto: “Hoje Nova York escolheu a esperança em vez do medo, a solidariedade em vez do ódio”. Sua presença no cargo de prefeito terá repercussões nacionais e, possivelmente, globais, como símbolo de resistência às políticas de exclusão e de rearticulação de uma agenda urbana comprometida com justiça social e equidade.
Na Virgínia, Abigail Spanberger venceu a disputa e tornou-se a primeira mulher eleita governadora do estado, consolidando uma trajetória política moderada e de defesa de políticas sociais. Em Nova Jersey, a também democrata Mikie Sherrill foi eleita governadora, ampliando o domínio do partido em estados-chave.
No plano municipal, o atual prefeito de Minneapolis, Jacob Frey, foi reeleito com folga. Já na Pensilvânia, três juízes democratas foram reconduzidos à Suprema Corte estadual, reforçando o controle do partido sobre instâncias decisivas na defesa do direito ao voto, dos direitos civis e de políticas públicas progressistas.
Na Califórnia, a Proposição 50 — apoiada pelo governador Gavin Newsom e por lideranças democratas — foi aprovada, permitindo que o estado redesenhe seus distritos eleitorais de forma a beneficiar o partido nas eleições de 2026 e nas duas legislaturas seguintes.
Ausência de vitórias republicanas
Não há registro de vitórias expressivas para os republicanos nos pleitos estaduais ou municipais realizados nesta rodada. Essa ausência é sintomática: mesmo em estados tradicionalmente conservadores ou disputados, o partido não conseguiu conter o avanço democrata. O cenário eleitoral revela um movimento de repúdio ao projeto político e ao estilo autoritário e conflitivo de Trump.
O insucesso republicano compromete a narrativa de força e coesão do partido e reforça divisões internas sobre os rumos da legenda. Analistas apontam que os resultados refletem a insatisfação crescente de segmentos do eleitorado com a condução do governo federal, especialmente em áreas como saúde, meio ambiente, direitos civis e governança institucional.
Sinais de reorganização do poder
As vitórias democratas vão além da conquista de mandatos. Elas sinalizam uma reorganização das condições políticas em estados decisivos e em instituições estratégicas. A manutenção do controle sobre a Suprema Corte da Pensilvânia, por exemplo, garante aos democratas um papel central em disputas futuras sobre o processo eleitoral, a legislação estadual e os direitos civis.
A aprovação da Proposição 50 na Califórnia é outro exemplo dessa reorganização. Ao redesenhar os distritos eleitorais para o Congresso com base em critérios que favorecem a representatividade populacional, os democratas criam uma estrutura duradoura de vantagem eleitoral, revertendo estratégias anteriores de gerrymandering conduzidas por setores conservadores — técnica de manipulação de limites distritais para favorecer um partido, descrita como “caso em que os eleitos escolhem seus eleitores e não o inverso”.
Além disso, a vitória de candidaturas com perfis diversos — como Mamdani em Nova York — amplia o campo político da esquerda e do progressismo institucional, colocando temas como justiça racial, acesso à moradia e combate à pobreza no centro do debate público.
O conjunto desses resultados revela um movimento político coordenado, que retoma bandeiras históricas do Partido Democrata e atualiza suas estratégias diante de um cenário nacional polarizado. Para o governo Trump, o recado é claro: há uma mudança em curso, impulsionada por urnas, instituições e demandas sociais.
*Benedito Tadeu César é cientista político e professor aposentado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Especialista em democracia, poder e soberania, integra a Coordenação do Comitê em Defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito e é diretor da RED.
Ilustração da capa: Zohran Mamdani e Bernei Sanders comemoram vitória eleitoral em Nova York – Imagem gerada por IA ChatGPT
Veja, abaixo, o discurso de comemoração da vitória de Zohran Mamdani, com tradução simultânea em espanhol, transmitido pela Telemundo 47.




