Por BENEDITO TADEU CÉSAR*
As recentes pesquisas divulgadas pela AtlasIntel e pelo Datafolha revelam um dado importante sobre o sentimento da população do Rio de Janeiro em relação à megaoperação policial realizada no Complexo do Alemão: há ampla aprovação da ação, especialmente entre moradores de favelas. Segundo a AtlasIntel, 87,6% desse público consideram positiva a intervenção realizada pela polícia fluminense. Já o Datafolha indica que 57% dos entrevistados classificaram a ação como um “sucesso”, apesar de o saldo ser de mais de 120 mortos.
Apoio popular nas favelas surpreende
O apoio expressivo entre moradores das favelas contraria, em parte, o discurso dominante de que a violência policial é amplamente repudiada nesses territórios. Esse apoio pode estar ligado à presença constante de facções armadas e à sensação de abandono estatal em áreas dominadas por grupos criminosos. Moradores, mesmo sob risco de serem vitimados pelas operações, acabam enxergando nas ações policiais uma forma de restabelecimento da ordem, ainda que momentâneo.
O levantamento também expõe uma contradição significativa: embora 77% dos entrevistados pelo Datafolha afirmem que preferem “investigar crimes” a “matar criminosos”, a maioria segue apoiando operações letais. O dado indica que o apoio à polícia não necessariamente significa aprovação à letalidade, mas sim à ideia de presença estatal em regiões onde o crime organizado atua de forma ostensiva.
Não obstante a aprovação popular e apesar da intensidade das operações policiais, elas não têm sido eficazes para desarticular as facções criminosas. Isso porque, após o confronto, não há permanência das forças policiais ou de serviços do Estado nos territórios. Sem ocupação permanente e presença institucional, é comum que as facções retomem o controle das áreas poucos dias depois. Além disso, moradores apontam que as milícias, que atuam em diversas comunidades do Rio, seguem fora do foco das operações, mesmo sendo igualmente violentas e organizadas. A ausência de enfrentamento sistemático às milícias levanta suspeitas sobre seletividade nas ações de segurança.
Instrumentalização política pela direita
O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), tem usado o resultado das pesquisas como base para sustentar seu discurso de endurecimento da segurança pública. Em entrevistas, ele tem reafirmado que não vai recuar nas operações, mesmo sob críticas de abusos e violação de direitos humanos. Castro tem buscado se projetar nacionalmente como defensor de uma linha dura no combate ao crime, numa estratégia que agrada eleitores conservadores e pode fortalecê-lo como opção da direita para 2026.
Segundo a Datafolha, Cláudio Castro alcançou agora a melhor avaliação de seu governo desde o início do mandato, impulsionado pela operação no Complexo do Alemão. O governador, que já cogitava se retirar da vida política ao fim da gestão, passou a avaliar seriamente uma candidatura ao Senado em 2026. O novo cenário de popularidade pode alterar os planos da direita fluminense e nacional.
A instrumentalização da violência policial como capital político não é nova, mas ganha fôlego com a aprovação popular em alta. O risco é consolidar um modelo de segurança baseado em confrontos de alta letalidade e em intervenções midiáticas, sem redução estrutural da violência.
Governo Lula entre a pressão popular e a crítica da esquerda
O governo federal tem enfrentado dificuldades para se posicionar diante do caso. De um lado, parte significativa da base aliada — movimentos sociais, organizações de direitos humanos e parlamentares de esquerda — condena a operação, apontando ilegalidades e uso excessivo da força. De outro, os altos índices de aprovação popular colocam o governo em situação delicada.
O presidente Lula chegou a se reunir com Cláudio Castro após a chacina, mas evitou declarações públicas mais incisivas. Como resposta institucional, o governo federal encaminhou ao Congresso duas propostas ligadas à segurança: uma para regulamentar a atuação integrada entre forças estaduais e federais, e outra para criar mecanismos de controle externo sobre a polícia. Além disso, a PEC da Segurança Pública, patrocinada pelo governo, tem encontrado forte resistência por parte dos governadores bolsonaristas, inclusive do próprio Cláudio Castro.
Dilemas e caminhos
O impasse revela o desafio de conciliar uma agenda de direitos humanos com a pressão popular por respostas imediatas ao crime. A aprovação das operações sugere que, para boa parte da população, a violência policial parece mais aceitável do que a violência do crime organizado. O risco é que esse apoio seja usado para legitimar políticas de exceção e para enfraquecer o debate sobre segurança cidadã.
*Benedito Tadeu César é cientista político e professor aposentado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Especialista em democracia, poder e soberania, integra a Coordenação do Comitê em Defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito e é diretor da RED.
Ilustração da capa: Imagem gerada por IA ChatGPT
Acesse aqui a íntegra da pesquisa Atlas/Intel – Megaoperação contra o crime organizado no Rio de Janeiro – Pesquisa Nacional – Outubro 2025
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Complexo do Alemão, operação policial, Cláudio Castro, governo Lula, segurança pública, AtlasIntel, Datafolha, favelas RJ, violência policial, PEC segurança.





Uma resposta
Manter o Estado nas comunidades é undamental depois desse choque de ordem!!!pq enfraqueceu a bandidagem.e necessario continuidade, Para a população se sentir mais segura.senao é enxugar gelo!!!.polícia permanente nessas localidades..corações preventivas e isso em todos os bairros.