Dez anos de Educação Fiscal e Cidadania e os novos desafios

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ROSA ANGELA CHIEZA[1]
JOÃO CARLOS LOEBENS [2]
MARIA REGINA DUARTE[3]
CLAIR HICKMANN[4]
ARTHUR MARQUES PITELLA[5]

Em setembro de 2025, o Projeto de Extensão “Curso de Educação Fiscal e Cidadania” completou dez anos. O projeto conta com a parceria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Receita Estadual do RS, Instituto Justiça Fiscal, Receita Federal do Brasil e o Programa de Educação Fiscal do Município de Porto Alegre. Nesse período, foram realizadas 14 edições do curso, sendo nove presenciais e cinco, online. Entre as edições presenciais, cinco foram desenvolvidas em conjunto com comunidades do município de Porto Alegre, fortalecendo a extensão universitária, elemento integrante da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, conforme artigo 207 da Carta Magna de 1988.

No  eixo articulador com a pesquisa, o Projeto resultou na publicação do livro Educação Fiscal e Cidadania: reflexões da Prática educativa, em 2018, premiado em 2020 pela Associação Brasileira de Editoras Universitárias-ABEU, bem como no artigo Educação Fiscal ao alcance de todos.  Destacam-se ainda participações em relevantes  eventos acadêmicos, como o 35 º Seminário de Extensão Universitária da Região Sul do Brasil-SEURS, realizado em 2017 na UNILA, Foz do Iguaçu/PR, e o 1º Congresso Latino-Americano de Educação Fiscal, ocorrido em 2023, em Porto Alegre/RS.

Além da grande capilaridade que o curso alcançou com cidadãos-alunos de 22 estados brasileiros, formou aproximadamente 1.500 cidadãos multiplicadores da educação fiscal, e os capacitou para o exercício da cidadania de forma mais qualificada.

Desde o início deste Projeto, em 2015, e da criação do Instituto Justiça Fiscal, em 2011, o tema da justiça tributária, antes ausente das agendas midiática, política e social, passou a ganhar destaque nacional. A justiça fiscal materializada apenas pelo lado do gasto público, apesar de necessária, é insuficiente para mitigar a extrema concentração de renda e riqueza no Brasil. Diante disso, é fundamental que este tema seja levado à sociedade para que o Estado possa cumprir o princípio da Constituição Federal, que é o da capacidade contributiva, segundo o qual, quem ganha mais deve pagar proporcionalmente mais tributos.

Felizmente, nos dias de hoje o conceito de justiça fiscal e de educação fiscal já se substancializa em legislação e propostas, como o PL nº 3.465/2019, já aprovado na comissão de educação do Senado federal, que inclui no currículo da educação básica o ensino obrigatório de temas de cidadania. Cabe citar também a inclusão da educação fiscal entre os “Temas Contemporâneos Transversais” na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) de 2017, além de ações concretas de política pública, como o Programa Educação para a Cidadania e Sustentabilidade do Ministério da Educação (Portaria nº 642/2025).

Nestes últimos dez anos buscou-se difundir o papel social do tributo e a importância dos impostos como instrumento para o convívio social harmônico e a redução das desigualdades, demonstrando a atual regressividade do sistema tributário brasileiro: quem ganha menos está pagando proporcionalmente mais tributos. Ainda há muito a ser feito, pois a desigualdade no Brasil é crescente, conforme demonstra Palomo et al (2025), “o 1% mais rico concentra 27,4% da renda total em 2019, um dos níveis mais elevados registrados no mundo”. O sistema tributário brasileiro é regressivo, com uma alíquota média de 42%, mas essa alíquota cai para 20% para o 0,01% dos mais ricos, que possuem renda mensal aproximada superior a R$ 400.000,00 (renda anual acima de R$ 5 milhões), em torno de 20.000 pessoas.

Segundo Dutra et al ( 2025, p.1)  e Gobetti (2025, p.1), entre 2017 e 2023, a renda  do 0,1% mais rico no Brasil cresceu 48,8% acima da inflação, cinco vezes mais que a média nacional. E, apontam que 90% desse aumento é explicado pelas rendas de capital, sendo 66% atribuídos a lucros e dividendos distribuídos.

Merece destaque a aprovação unânime do Projeto de Lei nº 1.087, em 01/10/25, que prevê isenção de IRPF para rendas de até R$ 5 mil mensais e tributação de 10% sobre as rendas mensais acima de R$ 50 mil, incluindo lucros e dividendos, isentos desde 1996. Esta renúncia fiscal, decorrente da isenção de lucros e dividendos vigente desde 1996, em favor dos mais ricos, o “Bolsa Empresário”, foi da ordem de R$ 140 bilhões em 2022, valor superior aos R$ 95 bilhões pagos pelo Bolsa Família/Auxílio Brasil aos mais pobres no mesmo ano.

A aprovação do PL nº 1.087/2025 representa um avanço relevante para a sociedade, embora ainda insuficiente. Apesar de os contribuintes de maior renda passarem a pagar uma alíquota de 10%, este percentual permanece inferior às alíquotas de até 27,5% a que são submetidos os trabalhadores. Dessa forma, persistem desafios no âmbito da educação fiscal e cidadania. Embora a legislação aprovada represente um avanço, observa-se que os princípios constitucionais da progressividade, capacidade contributiva e igualdade ainda não foram atendidos, o que permite apontar indícios de inconstitucionalidade.

O orçamento público também se insere na agenda da educação fiscal, sendo uma peça técnica e fundamentalmente política, pois é o espelho da vida política de uma sociedade. Um dos desafios neste campo é desmistificar a ideia amplamente difundida   que o “orçamento público deve ser gestado como o orçamento de uma dona de casa”.  Esta é uma ideia incorreta, pois o Estado possui poderes e responsabilidades macroeconômicas distintas da dona de casa, que não emite moeda nem títulos, não é dona de um Banco Central, tampouco tem o poder de definir a taxa de juros que incidirá sobre seus empréstimos. A difusão desta ideia falaciosa reforça a desinformação e prejudica a confiança nas políticas públicas que devem atender o previsto no inciso III do artigo 3º da Carta Magna de 1988: “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”.

A educação fiscal para a cidadania é pilar fundamental para uma sociedade justa e democrática. Nos próximos anos, diante das transformações tecnológicas, sociais e econômicas, ampliam-se os desafios, como o combate à desinformação e Fake News, comuns no meio tributário e fiscal, o individualismo, a disputa de espaço no currículo escolar e a regressividade do sistema tributário brasileiro, que amplia a desigualdade e, por consequência, dificulta a retomada do crescimento econômico e fragiliza a democracia.

Por fim, conforme aponta Meloni (2025), o verdadeiro inimigo é a ignorância fiscal, ou seja, a questão central está relacionada à falta de conhecimento sobre assuntos fiscais. E Alexis de Tocqueville (1805 – 1859), ressalta que há uma distinção relevante entre indivíduo e cidadão ao viver em sociedade, ao afirmar que “o indivíduo é o pior inimigo do cidadão”.


Referências

CHIEZA, Rosa A; DUARTE, Maria Regina Paiva e DE CESARE, Cláudia MonteiroEducação Fiscal e Cidadania: reflexões da Prática educativa.  Editora UFRGS, 2018, Porto Alegre, RS. Disponível em: https://lume.ufrgs.br/handle/10183/197178

CHIEZA, Rosa A; DOS SANTOS,Dão Real Pereira; MEYER, Loiva B. da Rosa. E MENGHETTI, Luis, E. Educação Fiscal ao alcance de todos.  Revista da Extensão UFRGS, edição 21, dezembro de 2021. Disponível em:

DUTRA, et al. Nota Técnica. Concentração de renda no Brasil: o que os dados do IRPF revelam, 2025. Disponível em: Microsoft Word – NT_ConcentraçãoRenda.docx

GOBETTI, Sérgio W, Concentração de Renda e Reforma do IRPF: novas evidências. 19/05/2025.Disp. em : Concentração de renda e reforma do IRPF: novas evidências | Observatório de Política Fiscal

MELONI, Maria A. Lacerda. A Ilusão do “dia sem Impostos” e a Urgência da Educação Fiscal. Folha de São Paulo, Dia 29/05/2025. Disp. em: https://www1.folha.uol.com.br/blogs/que-imposto-e-esse/2025/05/a-ilusao-do-dia-sem-impostos-e-a-urgencia-da-educacao-fiscal.shtml

PALOMO, Theo et alProgressividade Tributária e Desigualdade no Brasil: Evidências a partir de Dados Administrativos Integrados.  2025. Disp. em: https://www.taxobservatory.eu/www-site/uploads/2025/08/Progressividade-Tributaria-e-Desigualdade-no-Brasil_Evidencias-a-partir-de-Dados-Administrativos-Integrados.pdf


[1] Professora na Faculdade de Ciências Econômicas e coordenadora, pela UFRGS, do Projeto de Extensão “Curso de Educação Fiscal e Cidadania”.
[2] Auditor Fiscal da Receita Estadual do RS, mestre em Administração e Gerência Pública, doutorando em Economia e Gestão Empresarial e integrante do Instituto Justiça Fiscal.
[3] Auditora aposentada da Receita Federal do Brasil, Segunda Vice-presidente do Instituto Justiça Fiscal
[4] Presidenta do Instituto Justiça Fiscal e Auditora aposentada da Receita Federal do Brasil.
[5] Graduando em economia da FCE/UFRGS e bolsista do Curso de Extensão Educação Fiscal e Cidadania.


Imagem destacada: Freepik

Publicado em Instituto de Justiça Fiscal

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