Massacre no Rio: Trump, Terrorismo e STF

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Rio de Janeiro (RJ), 29/10/2025 - Dezenas de corpos são trazidos por moradores para a Praça São Lucas, na Penha, zona norte do Rio de Janeiro, após ação policial da Operação Contenção. Foto: Eusébio Gomes/TV Brasil

Por SORAIA MENDES*

Tudo o que ocorreu ontem na cidade do Rio de Janeiro pode ser definido de muitas maneiras, menos como uma “megaoperação” policial no intuito de reprimir o narcotráfico. E, menos ainda, como uma política de intervenção destinada a efetivar o direito fundamental que todo cidadão e toda cidadã carioca tem à segurança pública.

Até o momento do fechamento dessa minha coluna já eram 119 as pessoas executadas em uma ação que já é pior do que o massacre do Carandirú. Uma barbárie sem precedentes. Assim como também não tem precedente a articulação entre a força repressiva e o poder político da qual ônibus queimados, vias interditas, tiroteios são somente a camada exterior visível.

Criar o medo e o pânico e, também, alimentar o gosto de morte que impulsiona o discurso do “nós contra eles” tem objetivo certo: desestabilizar o país. E o Rio, infelizmente, é somente o começo.
Não foi à toa que, na imediata sequência das execuções autorizadas pelo governador Cláudio Castro, ele próprio veio a público para construir a narrativa de que havia solicitado apoio federal mediante o envio de tanques, que teriam sido negados.

Felizmente, o Ministro da Justiça foi célere em desmentir a suposta ausência de cooperação do governo central e em esclarecer que esse pedido nunca existiu. Ao menos não da forma como Castro havia dado a entender.

Não há como enviar armamento de tamanho poderio bélico ao Rio, sem que seja editado um decreto de garantia da lei e da ordem, a famosa GLO. Mas isso Castro não queria. Para ele, ao custo de muitas vidas, bradar aos quatro cantos sua inconformidade política com o governo federal soou mais adequado. Afinal, o que são uma centena ou mais de pretos, pobres, favelados em uma cova coletiva?

Somadas à narrativa de um Rio de Janeiro abandonado por Lula, de um lado, também voltou à superfície a pregação pelo reconhecimento de que no Brasil há terrorismo. E, lado outro, ressurgiram os ataques ao Supremo Tribunal Federal, acusado de, pelas decisões tomadas na chamada ADPF das Favelas, ter possibilitado um irreal crescimento da criminalidade organizada.

O caldo que tudo isso forma já seria o suficiente para lastrear minha hipótese de que o resultado final de tudo o que vimos ontem é somente uma amostra do que ainda está por vir. Vem por aí (ou já está em curso) mais uma tentativa de abalar o Estado Democrático de Direito. Contudo, há um outro elemento extremamente importante e que torna tudo tanto mais sórdido, quanto perigoso: Donald Trump.

Segundo apurado pela imprensa, há oito meses, o governo do estado carioca entregou nas mãos do presidente estadunidense um relatório no qual supostamente se comprovaria que o Comando Vermelho se converteu em um grupo terrorista com atuação também nos Estados Unidos. Nada é por acaso.
Mas, diferente do que o “candidato a prêmio Nobel da Paz” faz no mar do Caribe; no Brasil não é assim tão fácil acusar o presidente de narcotraficante, explodir embarcações de pescadores, em execuções ilegais e inaceitáveis em qualquer condição. Aqui a farsa é necessária.

Se em 64 o medo e pânico era do comunismo, agora o inimigo é outro: o terrorismo. Aqui é preciso montar um cenário. Mostrar ao mundo uma suposta perda de comando do poder político para o narcotráfico. Eis o cerne da questão. ¡Ojo!, como se diz na América hispanohablante. ¡Ojo!

Castro, tem de responder criminalmente pelos corpos enfileirados no Complexo da Penha. Por todos os corpos! Pois “morador” ou “traficante” nenhuma, nenhuma, da mais de centena de mortes é justificável. Cidadãos e cidadãs não podem ser executados. Assim como também não podem ser indivíduos supostamente criminosos. Estes últimos precisam ser presos, julgados e condenados conforme o devido processo legal instituído em um Estado de Direito.

Por outro lado, a se confirmarem as tratativas do governador – e pré-candidato ao Senado pelo PL de Jair Bolsonaro – de buscar “apoio” de estado estrangeiro como forma de alegadamente combater o terrorismo dentro das fronteiras brasileiras, a discussão passa a ser outra. Pois as mortes que já devem pesar sobre as costas do chefe de governo do RJ precisarão serem lidas no contexto da alta traição de parte dele ao extrapolar os limites de conversação de um mero representante de estado da federação com uma potência bélica estrangeira.

O momento exige atenção e medidas fortes do executivo federal. Mas, ouso dizer, também exigirá, mais uma vez, da Suprema Corte, vigilância e, quiçá, atuação em defesa de nossa democracia. ¡Ojo!

*Soraia Mendes é jurista. Advogada e professora com atuação e obras reconhecidas pelo Supremo Tribunal Federal e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. Pós-doutora em Teorias Jurídicas Contemporâneas, doutora em Direito, Estado e Constituição e mestra em Ciência Política.

Foto da capa: Rio de Janeiro (RJ), 29/10/2025 – Dezenas de corpos são trazidos por moradores para a Praça São Lucas, na Penha, zona norte do Rio de Janeiro, após ação policial da Operação Contenção. Foto: Eusébio Gomes/TV Brasil


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