Decisão de José Jerí marca escalada autoritária e reacende temores de retrocesso democrático no país andino
O novo presidente do Peru, José Jerí, decretou nesta terça-feira (21) estado de emergência na capital Lima e na região portuária de Callao, numa medida que evidencia o avanço do autoritarismo e o fortalecimento do poder militar sob o pretexto de combater o crime organizado.
A decisão, que vale por 30 dias, autoriza as Forças Armadas a patrulharem as ruas e suspende direitos constitucionais básicos, como o de reunião e a inviolabilidade do domicílio. É a primeira grande ação do governo interino, que assumiu há menos de duas semanas e já enfrenta forte contestação popular.
“Passamos da defensiva para a ofensiva na luta contra o crime”, declarou Jerí, em pronunciamento transmitido pela TV estatal. Segundo o presidente, a criminalidade “cresceu de forma desmedida” e é hora de “recuperar a paz e a confiança dos peruanos”. Mas, para setores progressistas e movimentos sociais, o discurso é apenas o revestimento institucional de uma política de força — e o estado de emergência, um mecanismo de controle social disfarçado de medida de segurança pública.
Protestos e repressão
A decisão ocorre após uma semana de protestos massivos em Lima e em outras cidades, liderados por estudantes e trabalhadores que exigem mudanças estruturais e novas eleições. As manifestações, marcadas pela forte presença juvenil, foram duramente reprimidas pela polícia, deixando pelo menos um morto e mais de cem feridos.
Desde então, o governo vem ampliando o discurso de “guerra ao crime” para justificar a presença de tropas nas ruas — o que, segundo analistas, serve mais à consolidação política de Jerí do que à segurança pública.
O Peru vive uma crise política contínua desde a destituição de Pedro Castillo, em 2022. De lá para cá, o país passou por sucessivas trocas de governo, denúncias de corrupção e repressão a movimentos sociais. A queda de Dina Boluarte, há duas semanas, abriu espaço para a ascensão de Jerí — um político com perfil conservador e apoio de setores empresariais e militares.
O uso político da insegurança
De acordo com dados oficiais, as denúncias de extorsão no Peru aumentaram 540% entre 2023 e 2024, especialmente em Lima e Callao. O crime organizado se fortaleceu nas periferias urbanas, explorando a precarização do trabalho e a ausência do Estado.
Mesmo assim, especialistas apontam que o governo tem usado o tema como cortina de fumaça para justificar medidas de exceção e o enfraquecimento das liberdades civis. “Estamos vendo uma repetição do que ocorreu em El Salvador, com a militarização da vida cotidiana apresentada como solução mágica para o crime”, avalia a socióloga peruana María Luque, da Universidade Nacional Mayor de San Marcos.
Ela lembra que, em contextos de instabilidade, “a retórica da segurança serve como instrumento de poder, não como política pública eficaz”.
Risco de retrocesso democrático
Com a decretação do estado de emergência, cresce o temor de que o Peru caminhe para um modelo de democracia formal e autoritarismo prático. Organizações de direitos humanos denunciam a erosão do Estado de Direito e alertam que a medida amplia o risco de abusos das forças de segurança.
“O que eles chamam de segurança, nós chamamos de silêncio forçado”, disse à imprensa local a estudante Valeria Quispe, ferida nos protestos da última semana.
Enquanto o governo tenta conter as ruas com tanques e soldados, o país segue dividido, com uma população exausta e desconfiada das instituições. A promessa de “ordem” parece, mais uma vez, servir como pretexto para calar vozes dissidentes e reforçar privilégios.
O que é o estado de emergência no Peru
No sistema peruano, o estado de emergência é uma medida excepcional que pode ser decretada pelo Executivo em situações de grave perturbação da ordem pública. Ele autoriza o uso das Forças Armadas em apoio à polícia e suspende direitos fundamentais garantidos pela Constituição, como:
- o direito de reunião;
- a inviolabilidade do domicílio;
- e a liberdade de trânsito.
A medida costuma ser adotada em áreas afetadas por conflitos sociais ou operações de combate ao narcotráfico, mas vem sendo usada cada vez mais como ferramenta política diante de protestos e crises institucionais.
Quem é José Jerí
José Jerí assumiu a Presidência do Peru após a destituição de Dina Boluarte, que enfrentava acusações de abuso de poder. De perfil liberal-conservador, Jerí foi ministro do Interior e tem apoio de setores militares e empresariais.
Seu discurso de “mão firme” contra o crime tem ecoado em uma sociedade marcada pela insegurança, mas críticos afirmam que o presidente utiliza a retórica da ordem para consolidar poder e reduzir o espaço democrático.
Imagem destacada: Freepik




