Por LÉA MARIA AARÃO REIS*
Docs de Silvio Tendler (2)
Texto publicado em F21 em 2023 e atualizado em 2025.
Conhecido por alguns como “o cineasta dos sonhos interrompidos”, e por outros como “o cineasta das utopias”, Tendler era de uma generosidade exemplar e mais: de uma significativa atualidade em muitos dos seus 70 filmes, curtas, médias e longas metragens que produziu e dirigiu. Gratuitos, são exibidos para plateias específicas, em escolas, universidades, movimentos estudantis, sindicatos, grupos de ação política, ONGs, cooperativas e organizações de bairros e de periferias das cidades que hoje, mais uma vez, se encontram em ebulição.
O Futuro é Nosso, de 2022, último doc realizado por Tendler, durante a pandemia, e finalizado no momento imediato da posse do presidente Lula, é o “retrato de uma transição”, como ele o define. Uma “homenagem àqueles que perderam suas vidas lutando contra a opressão, e dedicado aos trabalhadores que movem o mundo”. As vinhetas do filme são ilustrações de telas de Portinari cedidas por seu filho João Cândido, nos lembram dessa sofrida realidade.
Ken Loach, presente nesse trabalho, compartilha com o diretor brasileiro a expectativa de dias melhores para os que vivem e sobrevivem do trabalho no ‘chão das fábricas’. Eles apostam que o futuro é nosso, como afirma o título do doc realizado em parceria com o Sindicato dos Professores do Rio de Janeiro, o Sinpro-Rio.
“Estamos vivendo um período que antecipa o tempo dos grandes movimentos de trabalhadores pelos seus direitos”; é um dos principais recados do filme que aborda a reforma trabalhista que aprofundou a informalidade; vai até o futuro, com a consolidação do império das máquinas e dos robôs; e relembra o saudoso geógrafo Milton Santos, nas suas falas em off: “As grandes empresas não têm responsabilidade social, e, sobretudo, não têm responsabilidade moral.”
O filme perpassa pelas inusitadas greves de entregadores por aplicativo e constata a proliferação de sindicatos de funcionários de big techs, “um setor de classe média que encontrava saídas totalmente individuais até porque são, muitas vezes, trabalhadores freelancer sem contato com colegas, e que agora passa a se organizar”, observa o professor Rafael Grohman, da Unisinos, em sua entrevista.
Grohman lembra: “Há uma crescente dependência de plataformas digitais para o trabalhador conseguir trabalho ou se manter nele”, diz o professor, “e campanhas sindicais são importantes e necessárias”.
“Para nós, antes era bem mais sofrido”, afirma Lora Matoso, catadora de papelão, na sua entrevista. “Os criadores do aplicativo Cataki fizeram, sim, uma transformação na vida dos trabalhadores”.
E Paulo Galo Lima, ativo líder do Movimento dos Entregadores Antifascistas, reforça: “Rasgar a CLT é jogar a luta dos meus irmãos no lixo; eu não abro mão. E não abro mão de lutar por mais conquistas pros irmãos que vão vir depois de mim”.
Oswaldo Teles, ex-presidente do Sinpro-Rio, diz: ‘’Quem constrói essa sociedade, quem trabalha e quem produz as riquezas, somos nós, trabalhadores”.
“Quando você vive num nível intenso de exploração, começa a buscar formas de resistir. E, por pior ou por melhor que os sindicatos sejam, é uma das raras ferramentas que a classe trabalhadora possui”, alerta o professor Ricardo Antunes, da Unicamp..
Maria Lucia Fattorelli, auditora fiscal aposentada, e fundadora da Auditoria Cidadã da Dívida, aponta: “Ninguém consegue mudar nada sozinho, com voluntarismos. O sindicato é aquele fundo protetor que dá capacidade à intervenção junto à empresa em nome de todos os trabalhadores”.
Quem também comparece em O Futuro é Nosso é o economista Varoufákis, ex-ministro das Finanças da Grécia no governo Tsipras, em 2015. Ele lembra: “Esta é a hora da solidariedade. Não existe derrota final nem vitória final. Temos que lutar a mesma luta, geração após geração”.
E o cientista político Roberto Amaral, na sua mais que justa indignação: “Nós vimos o que foi feito neste país nos últimos seis anos com a Previdência Social, com os direitos dos trabalhadores, com a consolidação das leis do trabalho…”.
O professor Ricardo Antunes arremata: “O trabalho foi profundamente precarizado e o trabalho intermitente foi formalizado”. José de Ribamar Barroso, diretor do Sindpro do Pará, sublinha: “E a Lei diz o que a vida real mostra? O negociado vale mais do que a legislação”.
Conclusão: “A reforma trabalhista com Temer foi uma devastação completa”, relembra Marcus Vinícius Cordeiro, diretor de comunicação da OAB-RJ.
“O progresso não deveria beneficiar a todos?”, indaga Silvio Tendler. Ele responde: “não. Sessenta por cento da população brasileira vive sem acesso decente à alimentação. A empregada doméstica não viajou mais para a Disney e os empregados, em 2022, tiveram seus benefícios flexibilizados. O relacionamento entre capital e trabalho será sempre uma relação de opressão”.
Apesar dos atentados às salvaguardas que existiam no Brasil, no mundo dos que operam o trabalho, um quadro promissor se desenha no horizonte. A imagem do próprio diretor votando, no segundo turno das mais recentes eleições presidenciais, reforçando a sua confiança no nosso futuro que começa a se tornar novamente presente: “O Brasil vai voltar a ser o país dos nossos sonhos”.
Sobre os seus filmes serem considerados autênticos manifestos, Tendler ressaltou, em entrevista ao site Brasil de Fato, o objetivo da sua filmografia de modo geral: “Fazer as pessoas despertarem para realidade e acordarem para o mundo que estamos vivendo”.
“Greves de entregadores por aplicativo, proliferação de cooperativas e dos sindicatos de categorias que rejeitavam qualquer forma de organização mostram que o fio invisível que une os trabalhadores continua a tecer novas formas de luta”, arrisca Tendler. “Em diálogo com outras formas de organização já consolidadas, elas movem o pêndulo da História”.
No mais, os destaques dessa “aula de edição, em um filme que mais parece uma pós-graduação”, como escreveu o crítico de cinema Rodrigo Fonseca, são aexcelente trilha sonora original de Eduardo Camenietzki e as entrevistas, entre outras, de Boaventura de Sousa Santos, Roberto Amaral, Marcio Pochman e, naturalmente, de Ken Loach.
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*Léa Maria Aarão Reis é jornalista.
Foto de capa: Divulgação




