Por MARCOS ALMEIDA PFEIFER*
A criança irradia um brilho quando tudo parece opaco. Minha filha me faz sentir uma confiança e alegria, as quais sentia quando menino. E o adulto, feito uma canção de Milton Nascimento, quer pegar a estrada com a mão – lembra a capa do disco Anima, do cantor e compositor nos anos 1980 – com a coragem juvenil de mesmo desnudo e desprovido, ir para a estrada e caminhar. Não há o que titubear, o que temer. As perdas, retrocessos e sofrimentos que tivemos na última década no país foram tantos, que nos levaram ao fim da estrada. Então a vida necessita brotar, e o caminho da criança pode chegar até o homem, a mulher, com a força inovadora de uma alvorada que nos leve inevitavelmente pelo dia da liberdade, da diversidade, da integração humana, da natureza, do brincar e da festa.
As crianças que atendo em meu serviço fazendo suas carteiras de identidade, me surpreendem conversando e querendo saber “o que faz esse ou aquele equipamento”, sinto a novidade que é para elas estarem ali coletando os “dedinhos” para seus documentos. E a novidade desmancha minha casmurrice ao pensar em atender mais uma criança, e de forma corajosa meu ranzinza é acolhido pela minha criança interior. A criança que fui irradia e abraça as crianças que atendo, e recebo delas o sorriso que suaviza e consagra qualquer trabalho. Então, me torno alegria, fé e amor, encontrando o que a criança é: presença.
A criança encontra outra criança na praça e nos dá uma lição de humanidade, relacionamento e diplomacia: brincam sem querer saber suas origens, raça ou território. Minha filha aproveita a tarde fazendo espontaneamente mais amizades. Eu, me surpreendo sendo surpreendido caindo o ego para viver, não sou mais trabalho e engrenagem da sociedade, me torno presença na inventividade da minha filha e liberdade no “vamos brincar”.
A novidade do dia que nasce, o consistente choro de quem pede, a confiança exemplar. A criança nos ensina, melhor do que ninguém, sobre a fé! Ela confia no melhor, sempre! Nos proporciona a coragem de olhar e imaginar coisas, que o adulto muitas vezes se envergonharia. Olhar para o instante em que a formiga carrega a folha, ou a lua crescente aparece “distraída” no céu da tarde. Então, me sinto mais Manoel de Barros sorrindo realizado pela maluquice de contrariar o tempo dos humanos e do sistema, subvertendo a lógica dominante, como ato de amor à vida. Torno-me poeta na sua poesia, e na de tantos outros, na de Cecília, Caetano, Carolina e Vinícius. Sou a atitude sonora de uma obra de Villa-Lobos, a realização musical na harmonia de Jobim e, irresponsavelmente, sou a bola nos pés da garotada, sem tempo de voltar para a casa.
A humilde fé, sendo “Bola de Meia, Bola de Gude” na singela e verdadeira mensagem de Milton Nascimento, que com suas obras põe o adulto na estrada, a correr feito criança na certeza que de que “o caminho vai dar no sol!”.
Na criança – criação – canção, encontro o aconchegante colo que emana da voz de Clementina de Jesus, nos mostrando a necessária presença da irreverência para viver.
A criança me desafiou com alegria certeira, confiante doideira, a ser poesia em natureza de Maria Bethania, musical beleza em Luar do Sertão, um sol de Caetano, Veloso poeta, revelando a canção.
Quem sabe num café passando, casinha ao pé de uma serra, histórias de uma avó preta, um avô camponês, pescador das ribeiras, num sarau da floresta da gente Kaiapó, na oficina de alguma cidade, todas as idades, a fala do povo, nos ensinem a humilde partitura, linda música para uma nova nação.
*Marcos Almeida Pfeifer é jornalista, poeta e Servidor Público.
Foto da capa: Divulgação





Uma resposta
O texto é lindo . Mto bem escrito . Parabéns!