Entre o Visto e a Dignidade

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Por J. CARLOS DE ASSIS*

Com ou sem visto de entrada, meu conselho seria que a comitiva brasileira não fosse aos EUA para a Assembleia Geral da ONU. O risco é muito grande. Em obediência a Eduardo Bolsonaro, Donald Trump poderia mandar sequestrá-la e só liberá-la de volta ao Brasil se Lula e o Supremo Tribunal Federal mandassem tirar Bolsonaro pai da cadeia, permitindo que se refugie nos Estados Unidos com honras de chefe de Estado.

Seria humilhante demais para nós. Com o famoso jeitinho brasileiro certamente  poderíamos pedir à Rússia e à China, grandes potências nucleares como os próprios Estados Unidos, e que são nossas parceiras no BRICS, que mandassem um comando militar a Washington a fim de resgatar nossa comitiva sem ter que passar pelo vexame de vê-la prisioneira de uma potência estrangeira, sem fundamento legal.

É que os Estados Unidos, sob Trump, tornaram-se um Estado sem lei. Ou, como o Rei Luís XIV, da França, o Estado é ele, e como tal ele pode fazer qualquer coisa, independentemente de restrições legais formais, internas ou externas. Na estrita letra da lei, os Estados Unidos, como sede da ONU, são obrigados a deixar entrar no País as delegações de todos os países membros para as assembleias anuais, sem quaisquer restrições.

Isso não acontece. Delegações de países como Irã e representantes do futuro Estado palestino, assim como de outras nações classificadas por Washington como indesejáveis sob pretextos políticos, não podem participar de assembleias gerais anuais, que deveriam incluir todo o mundo. Já houve casos em que, para escapar das restrições americanas, a Assembleia foi transferida para a sede alternativa em Genebra, na Suíça.

Portanto, a fim de evitar a humilhação de se ver barrada nas portas da ONU, ou de ter de recorrer às forças nucleares da Rússia e da China para arrombar essas portas, seria de bom alvitre para a comitiva brasileira ficar em casa, cuidando de Bolsonaro. Além disso, o recurso aos dois parceiros do BRICS não teria efeito, pois os dirigentes desses países não seriam loucos para desencadear uma guerra nuclear para proteger o presidiário.

De qualquer forma, deveríamos evitar a humilhação em face da arrogância do supremo mandatário americano. Para isso, a diplomacia brasileira, que é reconhecidamente de grande competência, deveria iniciar logo negociações com suas congêneres no mundo, não submetidas aos caprichos de Trump, como a Europa, para transferirem temporariamente para Genebra a sede da ONU, enquanto durar o mandato dele.

Nossos amigos do Sul Global, que estão enfurecidos com o presidente americano por causa das tarifas comerciais arbitrárias, poderiam preparar para ele uma surpresa no dia da Assembleia. Como Lula vai comparecer – e, como disse, acho que isso é um risco -, pelo protocolo ele será o primeiro a falar. Trump, o segundo. Aí, a parte do mundo humilhada de forma recorrente por ele poderia simplesmente deixar a sala.

Lula confirmou que vai, porém o ministro Padilha, que o acompanhará, terá sua circulação em Nova Iorque restrita a cinco quarteirões. É um capricho odioso. Nunca se viu nada parecido no mundo em reuniões da ONU, exceto quando a restrição americana recaía sobre estados ou grupos considerados terroristas. Dar a Padilha o mesmo tratamento de um terrorista é uma ignomínia. Uma provocação à nação inteira.

Nas fricções atuais com os Estados Unidos, não é apenas a soberania nacional que está em jogo, mas nossa dignidade. É preciso dar um basta nas provocações de Trump, inclusive com o rebaixamento das nossas relações diplomáticas a um nível secundário, como aconteceu com Israel. Afinal, o mandato de Trump não é eterno. Dois séculos de aproximação de nossos países criaram raízes, e elas permanecerão lá, quando ele sair.

Comercialmente, com a ajuda sobretudo de países asiáticos, como a China, nossos empresários estão superando com grande eficácia as restrições impostas pelas tarifas políticas americanas. Isso atesta um nível razoável de soberania econômica brasileira sob o guarda chuva da interdependência e do multilateralismo. Em breve, ancorados numa nova moeda proposta pelos chineses, escaparemos da hegemonia do dólar.

Ao contrário do que acontecia no passado, quando governos entreguistas nos punham de joelhos diante de Washington, já não dependemos tanto dos americanos. Foi o próprio Trump que nos despertou para nossas reais potencialidades. A virada histórica que ele propiciou representou uma profunda ruptura com preconceitos ideológicos que nos afastavam de potenciais parceiros econômicos que nos estão abrindo novos horizontes.


*J. Carlos de Assis é jornalista, economista, doutor em Engenharia de Produção, professor aposentado de Economia Política da UEPB, e atualmente economista chefe do Grupo Videirainvest-Agroviva e editor chefe do jornal online “Tribuna da Imprensa”, a ser relançado brevemente.

Foto de capa:  Reprodução X

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