Por WAGNER SOUSA*
Após quase dois anos de guerra, a maior parte dos israelenses apoia o objetivo declarado (e irrealista) do governo de “aniquilar” o Hamas e remover a ameaça à segurança de Israel. Para esta maioria, a guerra é vista como uma questão de sobrevivência nacional. O gabinete de Benjamin Netanyahu, no entanto, enfrenta crescente pressão, incluindo aqueles que o acusam de falhar em proteger o país perante os ataques de 7 de outubro de 2023.
Há insatisfação com a forma como a guerra está sendo conduzida. Setores da sociedade, especialmente familiares dos reféns, questionam a estratégia militar e a ausência de um plano claro para o “dia seguinte” em Gaza. Eles argumentam que a prioridade deveria ser o resgate dos reféns, mesmo que isso signifique fazer concessões ao Hamas.
Os protestos na sociedade israelense contra o massacre (genocídio) em Gaza são minoritários. A questão mais relevante é a dos reféns. Grupos de israelenses, especialmente parentes de reféns, têm organizado grandes protestos para exigir o fim da guerra e a libertação dos sequestrados. Suas faixas e slogans muitas vezes questionam a estratégia do governo, afirmando que a continuação da guerra em Gaza coloca em risco a vida de seus parentes e dos soldados israelenses.
A respeito das percepções da sociedade israelense sobre o tema, texto de Jeremy Bowen (14.08.25) no site da BBC, traz dados que indicam forte perda de apoio à forma como a guerra vem sendo conduzida, porém com pouca consideração sobre as mortes e sofrimento dos palestinos: “Pesquisas de opinião realizadas desde que as Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês) retornaram à guerra em Gaza em março, rompendo o último cessar-fogo, sugerem que a grande maioria dos judeus israelenses não se preocupa com o sofrimento palestino em Gaza. Uma amostra registrada nos últimos três dias de julho, pelo Instituto Israelense de Democracia, afirma que 78% dos judeus israelenses, que representam quatro quintos da população, acreditam que, dadas as restrições aos combates, Israel ‘está fazendo esforços substanciais para evitar causar sofrimento desnecessário aos palestinos em Gaza’. Os pesquisadores também escolheram uma pergunta mais pessoal, perguntando se os indivíduos estavam ‘preocupados ou não com os relatos de fome e sofrimento entre a população palestina em Gaza’. Cerca de 79% dos judeus israelenses entrevistados disseram não estar preocupados. Enquanto isso, 86% da minoria árabe palestina de Israel que responderam à mesma pergunta disseram estar muito ou um pouco preocupados.
O apoio majoritário da população israelense a estas ações brutais de suas Forças Armadas não é recente e nem novidade do conflito atual, espelha a progressiva radicalização da sociedade e crescimento político da extrema-direita e dos setores religiosos. No artigo de 2009 “A visão sagrada de Israel” o Professor José Luis Fiori destacou sobre o tema, em situação com muita semelhança com a atual: “Durante vinte e um dias de bombardeio contínuo, Israel lançou 2500 bombas sobre a Faixa de Gaza – um território de 380 km2 e 1,5 milhão de habitantes – deixando 1300 mortos e 5500 feridos, do lado palestino, e 15 mortos, do lado militar israelita. A infraestrutura do território foi destruída completamente, junto com milhares de casas e centenas de construções civis. E é provável que Israel tenha utilizado bombas de ‘fósforo branco’ – proibidas pela legislação internacional com consequências imprevisíveis, no longo prazo, sobre a população civil, em particular a população infantil.(…) Richard Falk, relator especial da ONU sobre a situação dos Direitos Humanos em Gaza, também declarou que, ‘depois de 18 meses de bloqueio ilegal de alimentos, remédios e combustível, Israel cometeu crimes de guerra, e contra a humanidade, na sua última ofensiva contra os territórios palestinos. Crimes ainda mais graves porque 70% da população de Gaza tem menos de 18 anos’. Dentro de Israel, entretanto – com raras exceções – a população apoiou a operação militar do governo israelita. Mais do que isto, as pesquisas de opinião constataram que o apoio da população foi aumentando, na medida em que avançavam os bombardeios, até chegar a índices de 90%. E no final, na hora do cessar-fogo, metade desta população era favorável à continuação da ofensiva, até a reocupação de Gaza e a destruição do Hamas. (FSP, 24/01/09).”
Benjamin Netanyahu declarou que “nunca haverá um Estado Palestino”. Mesmo durante os “Acordos de Oslo”, na década de 1990, quando palestinos e israelenses negociaram a “solução de dois Estados”, Israel não considerou de fato conceder soberania plena sobre os territórios da Faixa de Gaza e da Cisjordânia e o resultado foi a criação de um ente bem mais limitado, a “Autoridade Palestina”, uma espécie de governo local “sob procuração” de Israel, despossuído dos instrumentos legais, do aparato técnico e recursos financeiros para comandar um Estado. A ação dos dias atuais na Faixa de Gaza é a continuidade de um projeto contínuo de anexação dos territórios, de uma terra que originalmente era compartilhada entre judeus e árabes.
Algumas vozes na esquerda israelense denunciam a tragédia humana desta guerra e sua instrumentalização por Netanyahu, que a mantém por seu propósito de sobrevivência política e escape de responsabilização judicial por acusações de corrupção ou incompetência frente aos ataques do Hamas. Tem visão diversa sobre a sociedade israelense, enxergando esta como mais dividida e com problemas sócios-econômicos. À semelhança do que ocorreu nos EUA e Europa nas últimas décadas, a polarização social, a desigualdade também aumentou muito em Israel. A respeito, também no texto de Bowen: “Avrum Burg, escritor e forte crítico de Netanyahu, foi um dos mais proeminentes políticos de centro-esquerda de Israel.(…) Os israelenses, reflete o Sr. Burg, estão ‘em algum lugar entre a excitação religiosa e o desespero psicológico’ Não há meio-termo, argumenta ele. ‘Alguns israelenses, a maioria do governo, acreditam que estamos vivendo em uma época milagrosa. É uma oportunidade. É uma dádiva divina. É uma oportunidade única na vida para realinhar, reorganizar, refazer algo com a história. E tantos israelenses sentem e percebem – para quê? O que isso significa? Por que eu tenho que pagar o preço? É uma guerra sem sentido. No meio, não há Israel. Israel é um tecido social fragmentado, quebrado e dilacerado.”
E, do ponto de vista geopolítico, Israel é uma criação dos ingleses e norte-americanos. Seu papel de defensor dos interesses da maior potência do mundo na região vem garantindo apoio praticamente incondicional, sem limitação a recursos financeiros ou militares. E tragédia deverá seguir por bom tempo, talvez finalizada pela execução do projeto de limpeza étnica e retirada total da população palestina da Faixa de Gaza, uma infâmia que Donald Trump já repetiu publicamente estar disposto a patrocinar.
Publicado originalmente em Observatório Internacional do Século XXI.
*Wagner Souza é Doutor em Economia Política Internacional pela UFRJ. Pós-Doutorado em Relações Internacionais pela Unesp. Atualmente é pós-doutorando em Economia Política Internacional na UFRJ com pesquisa sobre a política externa alemã e suas relações com grandes potências (EUA, Rússia e China).
Foto da capa: EPA-EFE/REX/Shutterstock




