Taiwan no Centro da Rivalidade Entre EUA e China

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Por WAGNER SOUSA*

Após a vitória sobre o Japão, na Segunda Guerra Sino-Japonesa (conflito parte da Segunda Guerra Mundial), em 1945, a China retoma o controle sobre Taiwan, ilha que havia entregado aos nipônicos após perderem a Primeira Guerra Sino-Japonesa, em 1895. Entre 1945 e 1949 o país vive uma guerra civil, vencida pelos comunistas comandados por Mao Tsé-Tung. Com sua derrota, os nacionalistas do Kuomintang, liderados por Chiang-Kai-shek, fugiram para Taiwan, onde governaram pelas décadas seguintes.

Também conhecida pelo nome dado pelos portugueses no século XVI, Formosa, a ilha tornou-se uma democracia semipresidencialista e um “tigre asiático” capitalista, que se destaca especialmente como líder mundial na fabricação de semicondutores. Sua economia é muito importante para o mundo, a Taiwan Semiconductor Manufacturing Company Limited domina perto de 65% do mercado global de semicondutores, os chips lá fabricados estão presentes em telefones, laptops, relógios, automóveis, dentre outros. Todavia, tem relações diplomáticas com apenas 13 países, além do Vaticano.

Os Estados Unidos mantém a política de “uma só China”, no que é definido como “ambiguidade estratégica”: não reconhecem Taiwan como país independente (e nem qualquer pleito para tal reconhecimento) e apoiam a ideia de uma China unificada, porém sem uma “reunificação forçada” por parte de Pequim. A “ambiguidade” visa manter um compromisso tácito de apoiar Taipé militarmente no caso de uma invasão chinesa. Para a China, Taiwan é uma “província rebelde”, que se deve se reunificar ao país.

 Estrategista ligado ao Partido Republicano, membro do recém renomeado “Departamento da Guerra”, Elbridge Colby, lançou, em 2018, a obra “The Strategy of Denial: American Defense in an Age of Great Power Conflict”, a qual propõe uma visão específica e focada sobre como os Estados Unidos devem lidar com a ascensão da China, com a questão de Taiwan no centro dessa estratégia.

Colby, portanto, foi o principal arquiteto da Estratégia de Defesa Nacional de 2018, durante o primeiro governo de Donald Trump. Nesta argumenta que a prioridade número um da política de defesa dos EUA deve ser impedir que a China alcance a hegemonia regional no Indo-Pacífico. Para ele, a anexação de Taiwan seria o primeiro e mais crucial passo da China nesse objetivo.

A previsão e a estratégia de Colby se baseiam no conceito de “dissuasão por negação” (deterrence by denial), que funciona da seguinte forma: a mais importante meta não é punir, mas impedir. Em vez de ameaçar a China com ataques punitivos em seu território em caso de invasão a Taiwan (o que seria uma “dissuasão por punição” e, segundo Colby, não é crível), a estratégia deve focar em negar à China a capacidade de invadir e ocupar a ilha com sucesso.

Para tanto, o foco militar em Taiwan. Isso exige que os EUA e seus aliados (Japão, Coreia do Sul, Austrália, etc.) concentrem seus recursos militares para tornar uma invasão a Taiwan extremamente difícil e custosa. A ideia é construir uma defesa tão robusta que Pequim conclua que uma tentativa de “reunificação” militar resultaria em um fracasso garantido, ou a um custo insustentável.

A formulação de Colby defende a formação de uma coalizão na Ásia, com Taiwan no centro, para resistir a uma possível invasão chinesa. Essa aliança não se baseia tão somente em laços ideológicos, mas em um objetivo compartilhado: impedir o domínio chinês na região.

Em resumo, Colby argumenta que a estratégia americana deve ser a de se preparar para uma guerra com a China por Taiwan, não para lutar, mas para evitar que ela aconteça. Ele vê a inação dos EUA como o principal risco, pois a falta de preparo para um conflito militar com a China sobre Taiwan torna o conflito mais provável. Para ele, Taiwan não é apenas uma questão de valor democrático, mas o “eixo estratégico” que define o futuro da segurança e da prosperidade dos EUA e de seus aliados. É a visão realista, até aqui preponderante na administração republicana. É preciso ter em conta, no entanto, que a distância relativa entre China e EUA se estreitou entre a primeira e a atual segunda gestão Trump, que os chineses vem fazendo maciços investimentos em sua capacidade bélica, com atenção especial à região próxima do Estreito de Taiwan. Uma nova versão da doutrina estratégica dos EUA está para ser lançada e há especulações acerca da possibilidade dos norte-americanos expressarem claramente um comprometimento menor com a defesa dos aliados (incluindo Taiwan) e se concentrarem mais na defesa do seu território, o que significaria uma preocupação menor com a contenção da China e da Rússia, dentro da ideia de “zonas de influência” das Grandes Potências.

Nesta questão, da perspectiva chinesa existe um princípio fundamental: o princípio de uma só China. O país defende que só existe uma China no mundo, e Taiwan é uma parte inalienável da China desde os tempos antigos. O governo da República Popular da China é o único governo legítimo representante de toda a China. A partir dessa ideia, a China se opõe firmemente a qualquer movimento ou ação que busque a independência formal de Taiwan. Pequim vê essas atividades como uma violação grave de sua soberania e integridade territorial.

Os chineses costumam argumentar que almejam alcançar a reunificação com Taiwan através de meios pacíficos. A fórmula “um país, dois sistemas” – aplicada em Hong Kong e Macau – é frequentemente mencionada como um modelo potencial para Taiwan, onde a ilha manteria seu próprio sistema social e econômico. A China considera a questão de Taiwan como um assunto central para seus interesses nacionais fundamentais. Qualquer tentativa de separação ou interferência externa é vista como uma ameaça direta à sua segurança nacional e interesses vitais. Os intercâmbios econômicos e culturais entre os dois lados do Estreito de Taiwan, são vistos e apresentados como pontes para melhor compreensão e aproximação. Pequim insiste que outros países respeitem o princípio de uma só China e não estabeleçam relações diplomáticas formais com Taiwan, nem apoiem sua participação em organizações internacionais como estado soberano. Esta perspectiva baseia-se na visão histórica e jurídica chinesa sobre Taiwan, que é fundamental para entender a abordagem chinesa em relação a esta questão.

A reivindicação de um território que entende como legítima e sua crescente capacidade econômica, tecnológica e bélica vai tornando, contudo, cada vez maior a probabilidade de um conflito com vistas à reunificação. Este cenário não é iminente, mas cada vez mais aparece nos cálculos estratégicos dos atores envolvidos na questão. A nova Estratégia de Segurança Nacional dos EUA, quando divulgada, elucidará se a visão da obra de Colby seguirá como “linha mestra” da política estadunidense para Taiwan ou se haverá mudanças, o que definirá a dinâmica da disputa geopolítica em torno da ilha, definida na chamada de capa de edição de 2021 da revista britânica The Economist como “The most dangerous place on Earth”.


Publicado originalmente em Observatório Internacional do Século XXI.

*Wagner Souza é Doutor em Economia Política Internacional pela UFRJ. Pós-Doutorado em Relações Internacionais pela Unesp. Atualmente é pós-doutorando em Economia Política Internacional na UFRJ com pesquisa sobre a política externa alemã e suas relações com grandes potências (EUA, Rússia e China).

Foto da capa: Reprodução

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