Por MARIA LUIZA FALCÃO SILVA*
Lobby como programa de governo
Dizem que o governador Tarcísio de Freitas tem uma agenda cheia. É verdade — cheia de viagens a Brasília, almoços com deputados e conversas ao pé do ouvido com senadores. Mas, se alguém procura por agenda de inauguração de escolas, investimentos em transporte ou anúncios de política pública, corre o risco de sair frustrado. O Palácio dos Bandeirantes virou um “coworking” de lobby em tempo integral, com direito a assessores e marqueteiros cuidando do projeto mais urgente: aprovar a anistia para os golpistas de 8 de janeiro.
Não é coincidência: a recente condenação de Jair Bolsonaro e de sete generais de alta patente pelo Supremo Tribunal Federal colocou fogo no parquinho da extrema direita. De repente, a anistia virou pauta prioritária no Parlamento, e Tarcísio assumiu o papel de lobista oficial. O que antes era conversa de bastidor, virou cruzada pública. Afinal, o tempo corre contra seus aliados, que já sentem o peso de sentenças severas e têm pressa em garantir um perdão coletivo antes que novas condenações avancem.
Do engenheiro ao “engenheiro de votos”
Quando eleito, Tarcísio se vendia como o gestor técnico, o engenheiro que faria São Paulo dar um salto de qualidade. Dois anos depois, o que se vê é o engenheiro de votos: seu principal canteiro de obras é a articulação política no Congresso. E não qualquer articulação — a prioridade é blindar aliados, salvar ex-padrinhos políticos e acenar para uma base que parece cada vez mais disposta a descartá-lo.
A agenda é clara: transformar o governador em herdeiro legítimo de Bolsonaro. Se não pela obra administrativa, ao menos pela fidelidade aos “valores” da direita radical. A anistia, nesse enredo, é a senha de entrada para ser aceito no clube.
São Paulo no piloto automático
Enquanto o governador investe capital político no lobby, São Paulo segue enfrentando problemas estruturais: filas no sistema de saúde, transporte sobrecarregado, aumento de furtos e crimes violentos. Mas o discurso é de que “o Estado é eficiente” e que os números são apenas “narrativas”. A prioridade parece ser outra: convencer deputados federais e senadores de que perdoar os envolvidos no 8 de janeiro é um gesto de pacificação nacional — como se fosse possível apagar a tentativa de golpe com um ato de boa vontade.
É como se o governador dissesse: “Vocês cuidem do transporte e da segurança, que eu cuido de salvar o pessoal do meu curral eleitoral.”
O fator Bolsonaro: urgência e sobrevivência
A condenação do ex-presidente e de seus generais trouxe uma mudança de temperatura para o bolsonarismo. De repente, as bravatas sobre “prisões ilegais” e “perseguição política” ganharam um tom desesperado. Para Tarcísio, essa é a oportunidade de ouro para se mostrar leal e recuperar terreno junto à base que anda desconfiada.
Ao se engajar no lobby pela anistia, o governador envia dois recados: para Bolsonaro, diz “estou com você até o fim”; para os militares, promete uma saída honrosa; e para o eleitor radical, sinaliza que não hesitará em defender o “seu lado” contra as instituições. A urgência da pauta é tamanha que virou prioridade absoluta, eclipsando qualquer agenda estadual. Hoje, segunda-feira (15) Tarcísio, mais uma vez, desembarca na capital federal.
Caminho para o Planalto
Não é segredo para ninguém: o objetivo final de Tarcísio é disputar a Presidência da República. A anistia é só uma peça desse tabuleiro — ou melhor, desse grande lobby — para cair nas graças de Bolsonaro e, por tabela, do eleitorado bolsonarista. Só que há um problema: o bolsonarismo anda desconfiado. Parte da base considera que Tarcísio “amarelou” em momentos decisivos, como quando hesitou em abraçar abertamente teorias conspiratórias ou em atacar instituições democráticas com a ferocidade esperada.
Agora, o governador tenta compensar. Faz discursos inflamados, se apresenta como defensor da “liberdade de expressão” (que no caso significa liberdade para aliados que atentaram contra a democracia) e posa de guardião da direita. Tudo para evitar o carimbo de “traidor” que pode custar votos em 2026.
Lobby não é governo
O mais curioso é a naturalidade com que o governador abandonou o papel de gestor para se dedicar ao de articulador político. O problema é que São Paulo tem 46 milhões de habitantes, uma das maiores economias do hemisfério, e problemas que não se resolvem sozinhos. Fazer lobby pode render manchetes e likes, mas não constrói hospitais, não reduz desigualdade, não melhora a mobilidade urbana.
No fundo, Tarcísio parece acreditar que governar é uma tarefa secundária, algo que pode ser delegado a secretários. O que importa é o “projeto maior”: o Palácio do Planalto.
Lobby tem preço
A ironia é que, no afã de agradar Bolsonaro, Tarcísio pode acabar agradando a poucos. Os bolsonaristas radicais ainda o olham com desconfiança; o centro político teme seu alinhamento à extrema direita; e os paulistas, cada vez mais, se perguntam se ele ainda governa o Estado ou se já está em campanha presidencial disfarçada.
O lobby pela anistia pode ser seu grande trunfo para conquistar espaço no cenário nacional — ou seu maior erro de cálculo. Afinal, o eleitor paulista pode não perdoar um governador ausente, que transformou o maior Estado do país em trampolim para sua própria ambição.
No fim, fica a impressão de que Tarcísio não é governador, é um “CEO de lobby” que usa São Paulo como cartão de visita. E quem paga essa conta, como sempre, é o contribuinte paulista.
*Maria Luiza Falcão Silva é PhD pela Heriot-Watt University, Escócia, Professora Aposentada da Universidade de Brasília e integra o Grupo Brasil-China de Economia das Mudanças do Clima (GBCMC) do Neasia/UnB. É membro da Associação Brasileira de Economistas pela Democracia (ABED). Entre outros, é autora de Modern Exchange Rate Regimes, Stabilisation Programmes and Co-ordination of Macroeconomic Policies, Ashgate, England/USA.
Foto de capa: Youtube/Reprodução




