Democracia em resistência ativa

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Por RODRIGO GHIRINGHELLI DE AZEVEDO*

O Brasil da democracia hoje está em festa. A condenação da cúpula golpista é um marco histórico, e mostra que a única forma de conter a sanha golpista e responsabilizar criminalmente seus líderes é por meio da coragem cívica de uma democracia militante, que aciona os mecanismos da legalidade estatal para investigar e punir aqueles que agem nas sombras e nos palanques, sempre sob a expectativa da impunidade.
Foi isso o que se viu: a Polícia Federal investigou com rigor técnico, a Procuradoria-Geral da República apresentou denúncias consistentes, e a 1ª Turma do STF, sob a firme relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, julgou com imparcialidade e compromisso cívico. Não houve atalhos: houve a aplicação necessária da lei diante de quem tentou impor a sua própria “lei”.
Como lembrou a Ministra Cármen Lúcia em seu voto, o 8 de janeiro de 2023 não foi um acontecimento banal, depois de um almoço de domingo, quando as pessoas saíram a passear. Foi o resultado de um inédito e infame processo de um ano e meio de instigação criminosa, de insuflar, maliciar e instigar práticas voltadas ao vandalismo e à ruptura da ordem constitucional. Não poderia ter outro desfecho que não a resposta firme do direito penal.
Esse resultado também foi possível porque a imprensa livre expôs a gravidade dos atos golpistas, e porque a academia e a sociedade civil denunciaram a escalada autoritária desde a pandemia, passando pelos ataques ao processo eleitoral até a tentativa de inverter o resultado das urnas. A democracia brasileira resistiu porque foi sustentada por instituições independentes, por uma sociedade vigilante e por uma memória viva da luta contra a ditadura.
Mas as ameaças permanecem: o voto oportunista do Ministro Fux, travestido de garantismo, tentou legitimar a absolvição dos golpistas; no Congresso, cresce a pressão por uma anistia inaceitável; e no plano internacional, as ameaças do governo Trump contra autoridades brasileiras e contra a economia nacional expõem a necessidade de reafirmar não apenas a legalidade democrática, mas também a soberania do Brasil.
No atual contexto global, elites econômicas e políticas passaram a defender abertamente privilégios, a xenofobia, a exclusão e a naturalização das desigualdades, e tentam impor uma “nova velha ordem”, que solapa conquistas históricas tanto das democracias liberais quanto dos Estados sociais e democráticos de direito. Essa ofensiva produz uma crise em que a violência política passa a ser naturalizada como alternativa para a imposição de regimes autocráticos.
Celebrar esta decisão, portanto, é mais do que olhar para o passado: é reafirmar que a luta democrática é também uma luta presente e constante, pela ampliação de direitos, pela justiça social e pela construção de um futuro em que a política não seja substituída pela violência.


Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo é doutor em Sociologia pela UFRGS, com pós-doutorado em Criminologia pela Universitat Pompeu Fabra. É professor titular da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, atuando nos Programas de Pós-Graduação em Sociologia e Ciência Política.

Foto de capa: shutterstock

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