Por CASTIGAT RIDENS*
O voto que não acabava nunca
Começou às nove da manhã. Quando o relógio já marcava 22h36, Luiz Fux ainda lia. Treze horas de fala, com pausas estratégicas: uma hora para o almoço, dez minutos para o que parecia ser um xixi apressado e, finalmente, outra hora para o inevitável – a fisiologia não perdoa nem ministros do STF. Faltou apenas distribuir pipoca no plenário e cobrar ingresso, porque o voto se tornou um espetáculo tragicômico.
STF, mas nem tanto
O ministro, que em decisões anteriores condenou mais de 400 participantes dos atos golpistas de 8 de janeiro, decidiu agora que o Supremo não tem competência para julgar… a própria trama golpista. É quase como um cirurgião que opera 400 apêndices e depois anuncia solenemente que, pensando bem, não é médico.
A lógica invertida
No seu épico, Fux absolveu Jair Bolsonaro, mas condenou Mauro Cid – um ajudante de ordens, incapaz até de mandar o garçom trocar o guardanapo. Perdoou os almirantes e brigadeiros, mas mirou sua pena em Braga Netto, ex-ministro da Defesa, candidato a vice e, convenhamos, um beneficiário apenas secundário de qualquer aventura golpista, já que o protagonista seria sempre Jair Messias.
Detalhe incômodo: foram justamente os dois condenados por Fux – Cid e Braga Netto – aqueles que, de formas diferentes, incriminaram Jair. O primeiro, pela delação premiada; o segundo, porque seu advogado tentou convencer os ministros de que Braga Netto havia tentado demover Bolsonaro de consumar o golpe. Resultado: Jair absolvido, os incriminadores punidos.
Golpe ou terapia em grupo?
Segundo Fux, não houve barreiras nas estradas para atrapalhar eleitores de Lula. Tampouco existiu quadrilha – apenas reuniões de militares com Bolsonaro, que não passariam de sessões de terapia coletiva para aliviar a frustração da derrota. O golpe, afinal, teria sido apenas um desabafo.
E, na lógica fuxiana, os acampamentos em frente a quartéis, a bomba no aeroporto de Brasília, os incêndios e depredações em 12 de dezembro e até a destruição do 8 de janeiro não foram parte de um plano: seriam apenas iniciativas autônomas de vândalos e desvairados. Afinal, Jair Bolsonaro, segundo essa visão, não tentou golpe algum — nem mesmo atacou urnas eletrônicas ou o processo de votação no Brasil.
O golpe que não foi
Fux chegou a declarar que não houve golpe porque Bolsonaro, sendo presidente, jamais daria um golpe contra si mesmo. Auto-golpe, essa invenção da história mundial, seria, para o ministro, pura ficção literária. Também não teria havido uso da força, já que ninguém foi flagrado com uma arma na mão. O resultado é um paradoxo digno de Kafka: mais de 400 pessoas foram condenadas por um golpe que, oficialmente, não existiu. E, mesmo assim, dois personagens são considerados culpados — Cid e Braga Netto. Em resumo: temos um golpe repleto de executores, mas sem planejadores nem mandantes.
As provas que só um viu
Outro ponto de prestidigitação jurídica: segundo o ministro, não houve tempo para as defesas analisarem as provas. Mas ele próprio, em seu voto-maratonista, esmiuçou cada detalhe dessas mesmas provas. Teria Fux acesso a um calendário secreto, onde o dia tem 48 horas? Ou será que os advogados estavam lendo mais devagar, sem o dom sobrenatural de um leitor olímpico?
Perguntas que não calam
O que explica o voto de Luiz Fux? Delírio? Um excesso de vinho no jantar da véspera? Uma chantagem bem urdida pelo núcleo duro do bolsonarismo? O desejo de se reinventar como advogado preferencial da extrema-direita brasileira? Ou talvez uma aposentadoria tranquila com passe vitalício para a Disney, onde poderá treinar novas maratonas discursivas diante do Castelo da Cinderela? Quem sabe um cargo num futuro governo Tarcísio de Freitas? Talvez a Ministério da Justiça numa (im)provável presidência de Tarcísio? E por que não sonhar mais alto: uma vaguinha internacional no gabinete do presidente dos EUA, Donald Trump?
O certo é que o voto de Fux ficará na história não pela profundidade jurídica, mas pelo inusitado espetáculo de resistência física. Quem diria: entre a lógica e a maratona, o ministro preferiu correr.
*Castigat Ridens é um pseudônimo criado a partir da expressão latina “Castigat ridendo mores” que significa “corrige os costumes rindo” ou “critica a sociedade pelo riso”, muito usada no contexto da comédia como instrumento de crítica social.
Tags: Luiz Fux, STF, Jair Bolsonaro, Mauro Cid, Braga Netto, golpe de Estado, extrema-direita, democracia brasileira, bolsonarismo.




