Sob a toga, a conveniência de Fux

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Sob a toga, Fux se traveste de garantista - Imagem gerada por IA ChatGPT

Por CASTIGAT RIDENS*

No Supremo, onde discursos inflamados convivem com silêncios estratégicos, Luiz Fux reapareceu no julgamento do núcleo duro da trama golpista não como o carrasco implacável de outrora, mas como um punitivista em transição — alguém que ainda ostenta o martelo da punição, mas agora o embala com a almofada do garantismo seletivo. Alexandre de Moraes condenou todos os réus sem hesitação; Flávio Dino acompanhou, mas suavizou as penas de três deles. Fux, por sua vez, mantém o gesto ambíguo: firme na condenação da “raia miúda” já julgada, mas ensaiando discursos de clemência quando as câmeras pedem um coração sob a toga.

O passado que não se apaga

Convém lembrar: Fux foi duro, quase exemplar, contra os réus do Mensalão. Foi igualmente implacável na condenação de Lula. Nada em sua trajetória jurídica permite associá-lo a garantismo. Sua marca foi sempre o punitivismo sem hesitação, a mão pesada em nome da moralidade. Agora, de repente, surge a face humana, sensível, até poética. Não deixa de ser curioso: quando a Justiça punia petistas, a poesia cedia lugar à rigidez. Mas diante dos golpistas de 2023, Fux descobre a delicadeza do gesto brando.

E não custa lembrar: foi o próprio Fux quem, em 2018, proibiu Lula — então preso em Curitiba — de dar entrevistas, temendo que isso pudesse “interferir no processo eleitoral”. A decisão censurou veículos como a Folha de S. Paulo, que já tinha autorização da Justiça Federal para entrevistar o ex-presidente. Na mesma linha, também barrou visitas de políticos e amigos ao ex-presidente encarcerado. O garantismo, nesse caso, não bateu à porta: prevaleceu o veto, sempre com o argumento de proteger a democracia. Ironias da toga.

497 condenados, e contando

Até agora, o STF já impôs 497 condenações pelos atos do 8 de janeiro. São 248 penas superiores a 11 anos e meio de prisão e 249 com penas de até 3 anos, convertíveis em alternativas. A linha dura foi a regra — e Fux, até então, não se opôs. Mas ao examinar casos específicos, como o da cabeleireira que rabiscou “perdeu, mané” na estátua da Justiça, o ministro evocou “humildade judicial” e afirmou que “debaixo da toga bate um coração”. Para quem construiu sua reputação na rigidez das sentenças, a frase cai como ironia involuntária — ou cálculo consciente.

O cerceamento às avessas

Em sua súbita conversão garantista, Fux chegou a alegar que houve cerceamento do direito de defesa, argumentando que o excesso de provas nos autos teria impedido que os advogados tivessem tempo hábil para analisá-las. Curiosamente, o próprio ministro, entre votos e ironias, não parece ter tido dificuldade alguma em acessar e examinar toda a documentação. A defesa, segundo ele, estava perdida em meio ao volume de evidências; ele próprio, não. Um garantismo seletivo, onde a dificuldade é sempre do outro.

As ironias dentro do plenário

No meio do julgamento, Fux tentou colocar ordem nos apartes. Quando Dino pediu a palavra durante o voto de Moraes, Fux interveio, lembrando que havia um acordo para não haver interrupções: “Senhor presidente, conforme nós combinamos naquela sala aqui do lado, os ministros votariam direto…” — só para ouvir Moraes retrucar, com fina ironia: “Esse aparte foi pedido a mim, não a Vossa Excelência.” Uma frase curta, mas que soou como bofetada protocolar. Fux tentou insistir, mas o microfone já estava desligado — uma metáfora perfeita para sua oscilação atual: barulho de palco, pouca efetividade.

O crime que não existiu (segundo Fux)

No mesmo tom complacente, Fux votou pelo não reconhecimento do crime de organização criminosa e da utilização de violência, alegando que não houve uso nem apreensão de armas de fogo. É a lógica do literalismo conveniente: sem revólver na mão, não houve violência. Esquece-se, porém, da operação Punhal Verde Amarelo, que tramava o assassinato do ministro Alexandre de Moraes, do presidente Lula recém-reeleito e de seu vice, Geraldo Alckmin. Esquece também da bomba encontrada no caminhão destinada a explodir no aeroporto de Brasília. Se isso não é organização criminosa com violência, o que seria? Talvez, para Fux, apenas mais uma anedota inconveniente a ser silenciada sob a toga.

“In Fux we trust”

A trajetória de Fux também não pode ser dissociada de suas relações amistosas com figuras-chave da Lava Jato. Sua proximidade com Sérgio Moro e Deltan Dallagnol ficou registrada até no famoso post em que Deltan proclamou: “In Fux we trust”. Não era apenas um gracejo digital, mas a confissão pública de que, no xadrez da operação, Fux era visto como um aliado de confiança. E, de fato, muitas de suas decisões acabaram fortalecendo a engrenagem punitivista que pavimentou o caminho para a ascensão da extrema-direita.

A imunidade seletiva da lei Magnitsky

Outro detalhe chama atenção: Fux não foi incluído entre os ministros atingidos pelas sanções da lei Magnitsky, aplicadas pelos EUA contra Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso. Ou seja, para os olhos de Washington, Fux não representa ameaça, tampouco inimigo. Um silêncio diplomático que se soma ao silêncio conveniente de suas escolhas recentes. Se Moraes e Barroso pagam o preço por enfrentar o bolsonarismo, Fux parece ter sido poupado — talvez por nunca ter se mostrado um obstáculo intransponível.

Afinal, quem é Luiz Fux hoje?

Eis a questão: a súbita conversão de Fux ao tom mais suave é gesto de convicção ou cálculo político? Terá se tornado bolsonarista de estimação, pavimentando a carreira para uma eventual vitória da extrema-direita em 2026? Ou será apenas o velho direitista pragmático, sempre atento ao vento que sopra, pronto para garantir espaço e prestígio em qualquer cenário? A história sugere a segunda opção: mais que ideologia, o que move Fux é o instinto de sobrevivência institucional. Hoje, ele veste o figurino de juiz compassivo. Amanhã, pode voltar ao carrasco de toga. Como sempre, depende da plateia.

*Castigat Ridens é um pseudônimo criado a partir da expressão latina “Castigat ridendo mores” que significa “corrige os costumes rindo” ou “critica a sociedade pelo riso”, muito usada no contexto da comédia como instrumento de crítica social.

Ilustração da capa: Sob a toga, Fux se traveste de garantista – Imagem gerada por IA ChatGPT


Tags: Fux, STF, 8 de janeiro, punitivismo, garantismo, Mensalão, Lula, Moro, Deltan Dallagnol, Lava Jato, Bolsonaro, eleições 2026, lei Magnitsky.

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Uma resposta

  1. fux traidor.em seu voto vez comisso para os Golpistas.gangou Pixdo Dudu Bananinha.ele é incompetente para ser um Ministro.nos já esperava por isto pois ele sempre fez julgamento absurdo.e tão vergonhoso que volta primeiro para condenação de todos.agora vem está vergonha.mas temos Carmen Lucia Zannin e Gilmar Dino e Xandão.ele tem inveja.

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