Por J. CARLOS DE ASSIS*
A característica principal da economia brasileira é que o resultado financeiro do capital produtivo migra para o setor financeiro especulativo, enquanto o resultado do capital financeiro especulativo segue girando nele mesmo. Com isso, somos essencialmente uma economia de especulação. A liquidez é cada vez mais estreita para o setor produtivo. Limita a produção, o crescimento do PIB e a receita pública. O déficit orçamentário cresce e, se queremos reduzi-lo, isso só se faz com corte no orçamento primário.
Esse drama se repete regularmente no ciclo econômico, sujeito de forma simultânea a dois fetiches: o fetiche do orçamento equilibrado ou superavitário, e o fetiche da taxa básica de juros (Selic) a níveis estratosféricos. Eles se combinam, como querem os neoliberais, para controlar a inflação. Na realidade, geram desequilíbrio inflacionário, na medida em que inflação não é propriamente um problema fiscal ou monetário geral, mas um problema específico de mercado, gerado por picos de preços aleatórios.
Vamos seguir o ciclo econômico real. Imaginem que ele comece com uma meta de orçamento primário superavitário, como querem os neoliberais, e como acontece neste ano (depois trataremos do orçamento equilibrado ou deficitário). O orçamento superavitário extrai recursos reais e financeiros do setor privado, sem devolvê-los à economia, no mesmo sentido em que taxas de juros (Selic) elevadas restringem a liquidez do mercado. Esses dois fatores contribuem para reduzir a demanda agregada.
A demanda agregada, se for menor que a oferta, desestimula os empresários a investir, porque sabem que parte de sua produção não será vendida logo, e acabará congelada nas prateleiras. Portanto, para que haja equilíbrio no mercado real entre demanda e oferta, estabilizando a inflação, o investimento e a produção teriam que ser estimulados extramercado, na expectativa de que o próprio investimento criasse mercado. Para isso, seria necessário recorrer ao déficit público primário, o que contraria a meta do superávit.
Continuemos com o ciclo econômico do orçamento superavitário. Se não houver aumento da produção (mais importações líquidas), como visto, a única forma de garantir equilíbrio entre oferta demanda e declinantes no mercado real é pelo corte no orçamento público primário, que se refletirá numa queda também da demanda global da economia. Com isso, o PIB ficará estagnado ou rastejante, como aconteceu no segundo trimestre (crescimento ridículo de 0,4%).
Com o PIB estagnado ou em baixa, a receita fiscal tenderá a estabilizar-se ou cair. Dessa forma, o que foi uma meta inicial de superávit primário se transformará eventualmente num déficit ainda maior a partir de uma queda também maior do PIB. Porém, esse é o eixo teórico da equação. Em termos práticos, outros fatores intervêm, como aumento real do salário mínimo e de benefícios sociais a ele vinculados, gerando demanda, e investimentos (oferta) que tenham escapado dos cortes orçamentários. É o que tem justificado algum crescimento inexpressivo do PIB nos últimos anos.
Uma meta de orçamento fiscal equilibrado não difere muito de um que prevê um déficit pouco relevante em relação ao PIB. Vejamos seu ciclo real. Um aumento do déficit público resultante de despesas orçamentárias reais, não financeiras, representa ele próprio aumento da demanda do governo e induz o crescimento da demanda privada. Somando-se as duas, tem-se a demanda efetiva global na economia. Para não gerar inflação, ela deve estar equilibrada com a oferta, dinamicamente.
Isso significa que, se há crescimento da demanda global gerado por um déficit público, deverá haver, em contrapartida, um aumento da oferta nas mesmas proporções. Trata-se de uma condição para o equilíbrio de demanda e oferta no mercado real e, assim, para a estabilidade inflacionária. Entretanto, aumento da oferta equivale a aumento da produção (e de importações) e, para isso acontecer, os empresários têm que estar dispostos a investir, como visto acima. Isso implica condições favoráveis de taxas de juros e de prazos nos empréstimos bancários.
Não temos uma coisa nem outra. A Selic não deixa baixar os juros, e a política fiscal restritiva (equilíbrio orçamentário ou déficit público baixo) reprime a liquidez de mercado, desestimulando a tomada de crédito. Com isso, voltamos ao início deste artigo: os empresários que se animam a investir produtivamente aplicam os resultados de seu trabalho no mercado financeiro especulativo, em ciclos recorrentes, migrando para ele e voltando alternativamente para a opção rentista.
A questão central, portanto, são os fabulosos rendimentos garantidos aos financiadores da dívida pública no mercado de títulos públicos, especialmente no over, que rende altíssimas taxas de juros (moeda remunerada), hoje de 15%. Estes não dão qualquer contribuição à economia real, que garante efetivamente comida aos brasileiros. São meros sugadores do pouco sangue que sobra para a população sobreviver, principalmente os mais pobres. Em algum momento, no futuro, uma crise financeira ou social explode com essa arquitetura sócio econômica injusta que existe no Brasil e, como política econômica, só no Brasil
*J. Carlos de Assis é jornalista, economista, doutor em Engenharia de Produção, professor aposentado de Economia Política da UEPB, e atualmente economista chefe do Grupo Videirainvest-Agroviva e editor chefe do jornal online “Tribuna da Imprensa”, a ser relançado brevemente.
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