Xangô: liderança justiça e igualdade

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Por LÉA MARIA AARÃO REIS*

Na recente entrevista sobre  o documentário 3 Obás de Xangô, em meio à especial expectativa política dessa semana, e com a estreia oportuna nas telonas,  o seu diretor, Sergio Machado, comenta como os espectadores se comovem ao assistir o seu filme: ‘’Nesses tempos tão polarizados, eles se emocionaram muito, nas nossas sessões de pré-estreia. O filme é muito pessoal, uma espécie de carta de amor à Bahia e a sua herança africana’’.

O eixo da narrativa escolhida por Machado, um baiano de Salvador, autor de filmes como  Cidade Baixa e roteirista do clássico Madame Satã, é a forte amizade que sempre uniu os três expoentes da cultura afro-baiana, Jorge Amado,  Dorival Caimmy e Carybé, que ao seu modo, representam a fina flor da essência cultural da Bahia e da alma brasileira – um ‘’jeito de ser baiano’’ alegre, determinado e resistente às adversidades.

O filme é uma coletânea preciosa de imagens, vídeos, entrevistas, documentos, fotos e arquivos realizados no decorrer das últimas décadas, com os três personagens indo e vindo através das suas histórias pessoais, todas elas quase sempre relacionadas à sua arte e ao candomblé.

Os três mostram como carregam com orgulho, entre as lembranças do passado e os risos em encontros nas situações presentes, esse seu destino de ser, compartilhando episódios vividos juntos ou ao menos  próximos uns dos outros. Memórias que atestam forte amizade, sempre unidos emocionalmente pela fé e pela tradição.

Amado, Caimmy e Carybé – Obá Arolu, Oni Koyi, e o argentino Carybé, o Obá Onassocum –  demonstram , sobretudo o respeito por carregarem o título de Obás de Xangô, referência ao título de honra concedido a personalidades célebres que sempre prestigiaram, apoiaram e defenderam de ataques externos a importância cultural e religiosa dos terreiros; desde os anos 30 quando o candomblé foi particularmente perseguido e teve em Jorge Amado um dos seus principais defensores. Hoje, vê-se a intolerância mais uma vez se manifestar contra as religiões de matriz africana originada em determinados grupos das igrejas evangélicas.

O termo que evoca Xangô, orixá da justiça, do fogo e dos trovões, e a figura dos doze Obás, é inspirado em antigos ministros de Xangô, na Nigéria.  Um Obá de Xangô, título honorífico e função cerimonial no candomblé, no Brasil,  representam os ministros ou conselheiros criados no terreiro de Mãe Aninha, no Ilê Axé Opô Afonjá, e pelo intelectual Martiniano do Bonfim, em 1936. Eles trabalharam como uma ponte entre a comunidade religiosa e a sociedade externa e foram responsáveis pela administração do destino civil do terreiro e pela defesa da sua fé e cultura.

O filme de Machado já participou de vários  festivais e há algumas semanas ganhou o prêmio de Melhor Documentário do Ano, o Grande Prêmio do Cinema Brasileiro.  Nele, além das conversas com os próprios protagonistas, o ator Lázaro Ramos fala sobre as cartas trocadas entre os amigos, e participam do longa-metragem, direta ou indiretamente, também a Mãe Stella De Oxóssi, Gilberto Gil, o sociólogo e jornalista Muniz Sodré, João Jorge, responsável por fundar o Olodum, e autoridades religiosas, políticas e intelectuais.  A emoção de Zélia Gattai, em sua aparição em 3 Obás de Xangô é  comovedora.

Referindo-se à questão política que envolve as perseguições ao candomblé de tempos em tempos, diz o diretor: ‘’ O documentário é fundamentalmente sobre Amado, Carybé  e Caimmy e sobre a amizade entre eles. Um  documentário de uma hora e pouco não é o terreno para aprofundar o aspecto de uma questão política tão complexa e  que levanta questionamentos a serem estudados”. Mas o filme destaca a atuação de Jorge Amado na luta por igualdade, quando, em 1945, o escritor, então deputado federal pelo Partido Comunista Brasileiro, foi membro da Assembleia Nacional Constituinte, responsável pela elaboração da Constituição Brasileira que assegura, até os dias atuais, o direito à liberdade de culto religioso no país.

Segundo Sergio Machado, ‘’o resgate dessa história, focada em afeto e cumplicidade, é importante, principalmente diante da atual fase de intolerância na sociedade. A gente está vivendo um período de muita intolerância racial e religiosa, entre países’’ (…) ‘’e  acho que é esse um documentário que fala de afeto e da compreensão do outro. De alguma maneira,  ele é necessário nos dias de hoje”.

Lembramos que em um terreiro de candomblé a noção de acolhimento é praticada sem diferenças de raça ou de classe; é a prática usual.


*Léa Maria Aarão Reis é jornalista.

Foto de capa: Divulgação

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