Por CASTIGAT RIDENS*
Dizem que o reino dos céus não é deste mundo. Mas olhando a lista dos pastores mais ricos do planeta, compilada por revistas nada espirituais como Forbes, TheRichest, The New York Times e Newsweek, a impressão é que o paraíso já foi antecipado em forma de contas bancárias polpudas, jatinhos particulares e emissoras de TV.
E, surpresa das surpresas, os brasileiros brilham no pódio. Não em ciência, não em educação — mas na mais lucrativa de nossas exportações: a fé transformada em negócio.
O milagre da multiplicação… bancária
No altar dos bilionários, reina Edir Macedo: fundador da Igreja Universal, dono da TV Record e, segundo a Forbes (2013), detentor de uma fortuna de 950 milhões de dólares ele ocupa o primeiro lugar no ranking. Um apóstolo da humildade com ações em mídia e imóveis, provando que “quem crê sempre alcança” — especialmente quando a meta é quase um bilhão.
Logo atrás, o “missionário” Valdemiro Santiago aparece com 220 milhões de dólares e um jatinho de 45 milhões, conforme noticiou a mesma Forbes. A fé, afinal, precisa de asas.
R.R. Soares, por sua vez, soma 125 milhões. E como bom evangelista midiático, não se contentou com púlpitos: investiu em televisão, editoras e, claro, aeronaves particulares.
Já Silas Malafaia preferiu um milagre diferente: o da modéstia seletiva. Quando a Forbes o avaliou em 150 milhões, ele rebateu: tinha apenas 3% disso. Ou seja, “só” 4,5 milhões. Quase um voto de pobreza franciscano.
Da cátedra de São Pedro ao púlpito-empresa
Não é novidade que religião e riqueza caminhem juntas. A Igreja Católica, durante séculos, acumulou tesouros, sagrou reis, depôs imperadores e até vendeu indulgências para encurtar a estadia no purgatório. Até hoje mantém o Vaticano, um Estado soberano com bancos, imóveis e obras de arte que fazem inveja a qualquer museu do mundo.
Mas há uma diferença essencial: nas igrejas tradicionais, a riqueza é institucional. Os bens pertencem à Igreja enquanto organização milenar, não a indivíduos. Não é por acaso que, segundo algumas interpretações históricas, o celibato foi instituído não apenas por razões espirituais, mas também para evitar que padres tivessem herdeiros legais e, com isso, o patrimônio da Igreja fosse preservado na “empresa”, sem risco de ser diluído em sucessões familiares.
Já nas igrejas evangélicas neopentecostais, a lógica é outra: o patrimônio é pessoal. Cada pastor é dono de seu império, e cada templo funciona quase como uma franquia. Não é raro, inclusive, encontrar anúncios de venda de templos em classificados de jornais ou sites de imóveis — como se fossem restaurantes ou lojas de conveniência.
O altar virou ponto comercial; o púlpito, ativo de mercado.
Fé, dividendos e poder
Esse modelo explica por que os novos pregadores enriquecem tão rápido. O dinheiro não se dilui numa instituição milenar, mas concentra-se na figura carismática do líder. Ele é, ao mesmo tempo, CEO, acionista majoritário e beneficiário exclusivo da fé coletiva.
E como toda empresa de sucesso, essas igrejas diversificam. Investem em emissoras de TV, gravadoras, editoras, construtoras e, claro, partidos políticos. Nos EUA, a pastora Paula White chegou à Casa Branca como conselheira espiritual de Donald Trump. No Brasil, Macedo, Malafaia e companhia transformaram a bancada evangélica em uma das forças mais influentes do Congresso.
No Brasil, o negócio é ainda mais lucrativo: igrejas não pagam impostos. São conglomerados empresariais sem CNPJ, mas com faturamento comparável a grandes corporações. Controlam redes de comunicação, elegem bancadas inteiras e, de quebra, ainda ditam a pauta moral conservadora no Congresso.
O contraste que dói
Não obstante a desigualdade de renda tenha diminuído no Brasil nos últimos anos, a ponto do índice de Gini medido pela PNAD ter chegado ao seu menor nível histórico em 2024, o país continua ocupando o 9º lugar no ranking mundial de Gini mais elevado. Neste quadro, alguns dos homens mais ricos do país são pastores. É o verdadeiro “milagre da multiplicação”: multiplica-se a miséria coletiva e a riqueza privada.
Enquanto o fiel acredita estar comprando um ingresso para o céu, está financiando o paraíso terrestre de seu líder religioso. Um paraíso com vista para o mar, garagem para Rolls-Royce e hangar para Gulfstream.
Amém ou até quando?
Nada disso é segredo. As fortunas estão registradas pela Forbes, comentadas pelo New York Times e confirmadas em relatórios de negócios. A diferença está apenas na embalagem: do latim das bulas papais às transmissões em alta definição pelo YouTube, a lógica é sempre a mesma.
A fé, ao contrário do petróleo, não se esgota nunca.
O verdadeiro milagre não é a cura, nem a salvação. É convencer milhões de fiéis de que o dinheiro sobe para o céu — quando, na prática, ele pousa suavemente no caixa da próxima igreja-empresa e no hangar particular de seus pastores.
*Castigat Ridens é um pseudônimo criado a partir da expressão latina “Castigat ridendo mores”, que significa “corrige os costumes rindo” ou “critica a sociedade pelo riso”, muito usada no contexto da comédia como instrumento de crítica social.
Ilustração da capa: Pastores Edir Macedo, Valdemiro Santiago, Silas Malafaia, R.R. Soares e seus jatinhos e templos – Imagem gerada por IA ChatGPT
Tags: Edir Macedo, Valdemiro Santiago, Silas Malafaia, R.R. Soares, Teologia da Prosperidade, Religião e Dinheiro, Pastores Milionários, Igreja Católica, Vaticano, Forbes





Respostas de 2
Este artigo tem autor? O nome dele foi substituído por uma expressão em latim que não é nome pessoal. Vocês trabalham com anonimato?
Sou totalmente favorável ao enfoque da matéria, mas não posso citá-la, pois não tem autor. Infelizmente. Lamentavelmente.
Minha única ressalva é que o dado sobre a fome no Brasil está completamente defasado. 33 milhões de pessoas é o número apontado pela Rede PENSSAN para 2021. Depois disso, o Brasil saiu do Mapa da Fome.
Qual o propósito de usar uma estatística ultrapassada, referente a um período de terrível retrocesso político, social e até civilizatório, neste ano em que celebramos (sem euforia, porque ainda há muitas fragilidades, mas com otimismo realista, porque comprovamos que é possível) o avanço atingido pelo Governo Lula 3?
Devo lamentar que uma matéria tão pródiga em informações de grande utilidade para a batalha de ideias tenha as fragilidades apontadas, dificultando seu uso com segurança – para a qual requer-se autor identificado e qualificado, assim como dados atualizados.
Recomendo mais cuidado à RED, que sigo regularmente – em geral, com muito proveito e satisfação.
Roberto Vital Anau, em primeiro lugar, obrigado por ler a RED, pelos comentários sobre o artigo e pelo alerta sobre o erro cometido.
Corrigimos o dado sobre a fome no Brasil, que estava defasado. Com relação à autoria do artigo. Ele tem autor, só que este prefere utilizar um pseudônimo. A legislação permite esse uso, como você pode conferir neste artigo do Migalhas, que é um site especializado na área jurídica: Direito ao uso de pseudônimo no ordenamento jurídico brasileiro https://www.migalhas.com.br/depeso/371166/direito-ao-uso-de-pseudonimo-no-ordenamento-juridico-brasileiro. Assim sendo, você pode compartilhe o artigo sem constrangimento.
Cordialmente,
Benedito Tadeu César – Coordenador Geral da Rede Estação Democracia – RED