Por J. CARLOS DE ASSIS*
A economia brasileira está nas mãos de dois advogados,Fernando Haddad e Simone Tebet: ele, com mestrado em economia e filosofia, eela, como destacada ruralista. Todos que conhecem como funcionam os cursos depós graduação no Brasil sabem perfeitamente que não se aprofundam muito nostemas comuns à graduação. São estes, e não mestrados e doutorados, queefetivamente ensinam a essência das carreiras básicas.
Portanto, não constitui preconceito considerar comodeficiente para o exercício de um alto cargo de economista no Governo alguémcom formação universitária que não esteja dirigida para essa disciplina. Outraforma de observar isso é pelos resultados: a prática desses dois ministros nacondução da política econômica é um desastre para a economia na medida em que seaceita como normal uma virtual estagnação dela.
Isso não seria um desastre completo se, em tornodesses ministros, houvesse um círculo de assessores nacionaldesenvolvimentistas, como tivemos no passado nas figuras de João Paulo dos ReisVelloso (Planejamento) e Delfim Netto (Fazenda), em pleno governo militar. Masisso não acontece. A democracia não nos valeu muito em termos de economia. Osassessores de Haddad e Tebet são próceres neoliberais.
Duvido que Haddad e Tebet entendam realmente como secomporta o ciclo orçamentário nas suas variações entre déficit e superávit. Seentendessem, não tentariam colocar como meta “fixa” do orçamento a realizaçãode uma determinada meta de déficit ou superávit do PIB (0,25%), como temacontecido. Saberiam que, no ciclo orçamentário, uma situação que começa comodéficit pode se tornar um superávit.
É que o déficit no início do ciclo orçamentáriofunciona como um impulso de demanda do Governo que, refletindo na economia comoum todo, torna-se um fator de crescimento da demanda efetiva de toda aeconomia. Essa demanda, se houver continuidade de investimento pelo ladopúblico e, principalmente, pelo lado privado, impulsionará o sistema produtivoe garantirá uma estabilidade dinâmica entre demanda e oferta.
A estabilidade que se estabelece entre demanda eoferta é que garante o controle da inflação. Esse nada deve, em princípio, aodéficit público ou à política monetária. A inflação, quando existe, decorreessencialmente de picos de preços de alguns produtos e serviços fora da médianormal, como energia elétrica, petróleo, transportes, queda de safras edeterminados insumos industriais, como foi o caso dos chips durante a pandemia.
A atribuição à culpa pela inflação ou pelo aumento docusto de vida ao déficit público ou à taxa de juros baixa (Selic) constitui osdois principais fetiches que assombram a economia brasileira. E são essesfetiches que, na prática, impedem a estabilidade dos preços. É que, quando odéficit público é contraído, reduz-se a circulação monetária, e isso, se acrescidoda alta de juros, contrai o investimento, a produção e a oferta.
O aumento da demanda antes da alta da oferta, nocapitalismo, é fundamental para o funcionamento regular da economia. Se ademanda crescer abaixo do aumento da oferta, desaparecem os estímulos para oempresário investir, e ele migrará para o sistema financeiro especulativo(over), altamente lucrativo no Brasil. Aí, ganhará, sem risco, a curtíssimoprazo, muito mais do que ganha normalmente no mercado real.
Por isso é que, sob a condução de dois advogados quefazem a maioria do Conselho Monetário Nacional, a economia brasileira searrasta em termos de crescimento e a inflação resiste tanto a cair. A políticamonetária em níveis extravagantes, Selic a 15%, e a tentativa de amarrar odéficit público na meta de 0,25% do PIB – e, agora, de fazer um superávitorçamentário nesse nível -, são compromissos sem fundamentos defensáveis.
Esclareça-se que a meta de 0,25% de superávit fiscal éainda mais absurda que a da redução do déficit. Este último possibilita, aomenos, a entrada de algum dinheiro novo na economia durante o cicloorçamentário. Já o superávit implica a contração da entrada de novos recursosna economia e, portanto, uma redução da disponibilidade de crédito para osinvestimentos produtivos, e um aumento da especulação financeira.
O objetivo declarado da realização de superávit fiscalé usá-lo para o pagamento dos juros da dívida pública – ou seja, como dizem,para assegurar a sustentabilidade da dívida. Contudo, isso é simplesmentegrotesco. A dívida pública, assim como os juros que recaem sobre ela, nãoprecisam ser pagos anualmente. Podem ser simplesmente rolados, ou seja, olançamento de novos títulos pagam os títulos antigos.
É verdade que, na institucionalidade fiscal-monetáriaabsurda que a prática neoliberal foi recorrentemente construindo para amordaçarnossa política econômica segundo seus princípios regressivos, há uma vedaçãolegal a que se paguem juros da dívida pública com o lançamento de títulosnovos. Isso, porém, é uma jabuticaba que só existe no Brasil. Basta que sejasuprimida por outra lei, e haverá um relaxamento fiscal automático.
É a obrigação de pagar o orçamento financeiro com arenoção de títulos públicos, mais os juros que não podem ser rolados, já quesão considerados “sagrados”, que estápor trás do estrangulamento das despesas públicas orçamentárias de maiorinteresse da população, como saúde, educação, saneamento básico, transportes etudo mais que integra o chamado EstadoSocial. Este está sendo esmagado.
Voltemos, porém, ao ciclo orçamentário, para que setenha uma visão definitiva de seu curso. Imagine-se que o orçamento comeceequilibrado no ano e que haja, inicialmente, investimentos governamentais quejustifiquem um déficit. Esse déficit, como explicado acima, induzirá um aumentoda demanda privada, que por sua vez, se houver uma política econômicaconsistente, puxará um aumento da produção e da oferta.
O processo se seguirá naturalmente com equilíbriodinâmico entre demanda e oferta, sempre puxado pela demanda, sem maiores efeitosinflacionários. Algum efeito no custo de vida pode ocorrer dependendo de comose comporta a oferta dos bens alimentares e de outros bens com algum impacto nademanda das camadas de renda mais inferiores na economia, o que pode requerercontramedidas do Governo.
A experiência nesse campo foi largamente comprovada nosegundo Governo Lula. Fortes investimentos públicos deficitários, no começo dociclo econômico, puxaram a demanda e o investimento privados, com relativaestabilidade dos preços. O aumento da produção daí derivado, no auge do ciclo,implicou o crescimento do PIB, e a partir do crescimento do PIB a receitapública aumentou, gerando um superávit fiscal saudável.
Contudo, a dupla de advogados ameaça com o inverso.Tendo o superávit primário como meta,reduzirá a demanda pública e seu efeito na demanda global, com o aumento doscortes orçamentários eliminando na prática o investimento governamental ereduzindo drasticamente as despesas prioritárias do orçamento primário. Oresultado inexorável é a contração do PIB e da receita pública, gerando umsuperávit primário espúrio.
Da política monetária é dispensável falar.Simplesmente temos, com a Selic, a taxa básica de juros mais alta do mundo(15%). Qualquer empresário envolvido com atividades produtivas sabeperfeitamente que, em lugar de aumentar a produção para atender uma demandacrescente, vale muito mais a pena e com menor risco investir no sistemafinanceiro especulativo, ou no rentismoprotegido pelo Banco Central.
*J. Carlos de Assis é jornalista, economista, doutor em Engenharia de Produção, professor aposentado de Economia Política da UEPB, e atualmente economista chefe do Grupo Videirainvest-Agroviva e editor chefe do jornal online “Tribuna da Imprensa”, a ser relançado brevemente.
Foto de capa: IA





Respostas de 3
Bom muito maravilhoso alguém que não concorde que juros elevados são a única solução paea o controle da inflação, porém ao invés de combatermos o sr ministro, porque essa bobagem assim vomo o tal relatório focus tem sido levado a sério por muita gente, o governo Biden elaborou e o Congresso americano aprovou um plano anti inflacionario, se o autor desse texto discutisse tal plano poderia trazer novas ideias para muita gente.
Interessante as considerações do autor Carlos de Assis principalmente sendo ele chefe de equipe econômica de empresa: essas equipes costumam enveredar por economia monetarista, econometria e pensamento neoliberal ,nem neo, nem livre!(). Tipo de Economia que se reproduz no Direito formalista e na Política elitista e estagnadora! Sou advogado e professor universitário , (re)conhecendo alunos e advogados de orientação formalista estagnadora e os que usam o Direito como ferramenta social e desenvolvimentista a favor de toda a sociedade!
O sr. CARLOS DE ASSIS escreveu tudo isso para mandar recado para quem?
Gostaria de saber!