Por BENEDITO TADEU CÉSAR*
O cenário político brasileiro vive um agosto de intensas movimentações institucionais. Três episódios recentes — a decisão do ministro Flávio Dino no STF, a instalação da CPI do INSS com maioria oposicionista, e a aprovação, na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, do texto-base do novo Código Eleitoral — revelam uma dinâmica de conflitos entre os Poderes e tentativas recorrentes de captura institucional. O pano de fundo é a recomposição da aprovação do presidente Lula, medida pela pesquisa Quaest, o que pode alterar o cálculo político de diversos atores.
Soberania jurídica e reações internacionais
A decisão do ministro Flávio Dino, do STF, foi inequívoca: nenhuma lei estrangeira pode produzir efeitos no Brasil sem a chancela do Supremo Tribunal Federal. Embora constitucionalmente correta, a sentença gerou fortes reações. O sistema financeiro brasileiro, em particular os grandes bancos, protestou, temendo que a medida crie obstáculos a processos de cooperação jurídica internacional, sobretudo aqueles ligados ao combate à corrupção. A resposta do Departamento de Estado dos EUA foi ainda mais contundente — e imperial. Ao condenar a decisão do STF brasileiro, o governo Trump reafirma sua postura de “xerife do mundo”, desrespeitando a soberania de um Estado democrático ao exigir obediência a seus interesses geopolíticos e judiciais. A reação do Itamaraty foi tímida, revelando os limites da atual política externa frente à hostilidade do governo norte-americano.
CPI do INSS: instrumentalização política e perseguição sindical
A instalação da CPI do INSS na Câmara é mais uma peça no tabuleiro de obstrução ao governo. A eleição do deputado Carlos Viana (Podemos‑MG), da oposição, como presidente, e a nomeação de um relator igualmente alinhado ao bolsonarismo, revelam a tentativa de transformar a comissão em palanque eleitoral e ferramenta de desgaste do governo Lula. O foco da CPI deve recair sobre o sindicato que tem entre seus dirigentes o irmão do presidente, José Ferreira da Silva, o Frei Chico, vice-presidente da entidade. A estratégia é evidente: associar o governo a supostos esquemas irregulares na concessão de benefícios e aposentadorias, buscando atingir diretamente o presidente por meio de laços familiares e sindicais. Trata-se de uma prática recorrente do bolsonarismo: criminalizar o sindicalismo e tentar destruir a legitimidade das organizações populares.
O novo Código Eleitoral: retrocessos e autodefesa parlamentar
A aprovação do texto-base do novo Código Eleitoral pela CCJ do Senado representa um marco preocupante. Ao flexibilizar regras eleitorais, enfraquecer a fiscalização sobre os partidos e reintroduzir o voto impresso — já considerado inconstitucional pelo STF —, o Congresso avança em uma pauta de autodefesa corporativa. O texto diminui o período de quarentena para militares, policiais, juízes e promotores, e desregulamenta as prestações de contas partidárias, eliminando o SPCA. Além disso, atenua punições para a disseminação de fake news nas eleições e reduz os prazos de inelegibilidade previstos pela Lei da Ficha Limpa. A reinstituição do voto impresso, votada separadamente, foi aprovada por 14 a 12 e revela o peso da bancada bolsonarista. O relator do projeto, senador Marcelo Castro (MDB-PI), reconheceu a provável inconstitucionalidade da proposta. Mesmo assim, a comissão aprovou a matéria, demonstrando um desapreço pelas decisões da Corte e um esforço deliberado de fragilizar o sistema eleitoral.
A resistência de Lira e o risco de corrosão institucional
No campo legislativo, outro episódio emblemático foi a ocupação da mesa da Câmara por deputados da extrema direita, que impediram a votação da pauta do dia. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sofreu um revés simbólico. Pressionado, cogitou aplicar punições aos parlamentares golpistas, mas recuou diante da pressão da bancada bolsonarista. A omissão na responsabilização reforça a ideia de impunidade e alimenta novas tentativas de sabotagem institucional. A autoridade da Presidência da Câmara sai enfraquecida, revelando os limites da governabilidade num Parlamento altamente fragmentado e ideologicamente polarizado.
Reação popular e recuperação de Lula
Em meio a esse cenário adverso, a pesquisa Quaest divulgada na última semana mostra uma recuperação da avaliação positiva do presidente Lula, que atinge 40% de aprovação. O resultado reflete os efeitos da queda da inflação, da retomada de investimentos em infraestrutura e da volta de políticas sociais mais amplas. Mostra também que, apesar da instabilidade institucional, o governo mantém apoio significativo na sociedade — o que pode dificultar os planos da oposição de desestabilização precoce.
Movimentos contraditórios
A conjuntura política brasileira de agosto de 2025 escancara a coexistência de dois movimentos contraditórios. De um lado, o governo Lula dá sinais de recuperação e estabilidade social. De outro, parte do Congresso Nacional opera na lógica do quanto pior, melhor, apostando no desgaste político por meio de instrumentos institucionais desviados de sua função original. A soberania nacional, a integridade do processo eleitoral e o direito à organização sindical estão sob ataque. Diante disso, é necessário afirmar com clareza: não se trata de disputas regulares entre governo e oposição, mas de tentativas sistemáticas de corrosão da democracia. A defesa da institucionalidade democrática exige vigilância, mobilização e compromisso público com os princípios republicanos.
*Benedito Tadeu César é cientista político e professor aposentado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Especialista em democracia, poder e soberania, integra a Coordenação do Comitê em Defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito e é diretor da RED.
Foto da capa: Flávio Dino e a Lei Magnitysk – Imagem gerada por IA ChatGPT
Tags: STF, CPI do INSS, Lula, Código Eleitoral, voto impresso, Congresso Nacional, democracia, Brasil 2025




