O tempo passou na janela e os Institutos de Opinião não viram

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Por ANTONIO CARLOS ALKMIM*

Diversos institutos realizam pesquisas de opinião pública de abrangência nacional, regularmente divulgadas na grande mídia brasileira. Entre os principais destacam-se:

Datafolha, tradicional instituto ligado ao Grupo Folha/UOL; Ipec/IPSOS (ex-Ibope); IPESPE, relacionado à XP Investimentos e ao portal InfoMoney; PoderData, vinculado ao site jornalístico Poder 360; MDA, ligado à Confederação Nacional do Transporte; Real Time BigData, frequentemente citado por veículos como Record e CNT; Quaest, da Genial Investimentos, instituto recente que ganhou ampla cobertura e contratos exclusivos com o Grupo Globo; Atlas Intel, multinacional que aplica pesquisas em diversos países; Ideia, parceiro da revista Exame.

Além destes, figuram ainda institutos como Futura Inteligência, Paraná Pesquisas, Vox Populi, Opinião, Veritá, Ipo Insider, entre outros.

De imediato, nota-se a estreita associação entre institutos de opinião pública e veículos de comunicação — fato que não constitui novidade.

Embora o conceito de opinião pública tenha se consolidado no século XIX, na França iluminista e revolucionária, com o enfraquecimento do poder absoluto real, quando opinião era sinônimo de ordem, e a mais ampla difusão da escrita no século enciclopédico, foi apenas no início do século XX que a opinião passou a ser quantificada por meio da estatística.

Essa matematização esteve associada à lógica de mercado e consumo publicitário, posteriormente estendida à política. A representação numérica passou a assumir o desafio durkheimiano de medir algo tão subjetivo, íntimo, intangível quanto a opinião, transformando um pensamento individual em fenômeno social coletivo.

Outro traço relevante, no Brasil e em outros países, é o vínculo entre pesquisas de opinião e mercado financeiro. A informação, enquanto mercadoria, em seu mais alto valor, mobiliza bancos, agentes financeiros e corporações na busca por dados agregados de cidadãos que extrapolam o consumo, influenciando investimentos e estratégias.

Assim, grandes instituições financeiras e veículos de mídia se tornaram detentores privilegiados de informações sobre a opinião pública.

O IBGE, por exemplo, não mede opinião, o que lhe confere uma posição distinta como órgão estatístico estatal. Contudo, tal isenção não significa neutralidade absoluta, pois toda estatística carrega pressupostos conceituais, e não dispensa viés de subjetividade de pesquisadores ou pesquisados.

Os institutos de opinião divulgam seus resultados em relatórios — alguns públicos, outros restritos. Ou mesmo inexistentes.

As informações veiculadas pela mídia passam por filtros editoriais e interesses políticos, o que condiciona a pauta e o debate. Além disso, conceitos como, por exemplo, o de indeciso e a própria natureza amostral das pesquisas suscitam implicações metodológicas profundas. A representação da opinião pública depende de inferências estatísticas sempre sujeitas a incertezas.

Um ponto central, no entanto, é que os institutos não divulgam as bases de dados que originam os resultados apresentados ao público. Manipular, no bom sentido, planilhas com milhares de entrevistas exige preparo técnico especializado. Porém a disponibilização dessas informações deveria ser um direito coletivo.

Se as pesquisas são públicas e seus resultados circulam amplamente, as bases deveriam estar acessíveis para verificação e análise independente.

Trata-se de uma exigência de transparência científica: assim como na física de Einstein, que necessita de explanação, ou na epistemologia de Karl Popper, defensor da ciência aberta, da publicização dos procedimentos como condição para a validação das teorias e para a sua crítica e aperfeiçoamento.

A ausência de acesso é justificada por argumentos recorrentes: a natureza privada das pesquisas, o alto custo do investimento, a proteção da propriedade intelectual.

Afirma-se também que a divulgação integral prejudicaria financiadores e comprometeria a competitividade do mercado, que funcionaria como mecanismo de autorregulação.

Todavia, tais justificativas não se sustentam integralmente. Quando cidadãos respondem a questionários representativos em um todo, no qual se incluem, produzem dados de interesse público que não deveriam ser monopolizados por institutos ou financiadores.

A abertura dessas bases permitiria análises críticas e alternativas, ampliando a pluralidade de interpretações.

A situação atual guarda paralelo recente com as redes sociais e advento da IA.

Inicialmente, dados eram amplamente acessíveis a pesquisadores; hoje, sua extração tornou-se ilegal ou restrita a altos custos. Assim, informações produzidas pela própria sociedade permanecem sob controle de grandes plataformas.

Curiosamente, as mídias tradicionais, por sua vez, enfrentam dificuldades em manter seus conteúdos exclusivos frente ao fluxo irrestrito das redes — um embate que parece fadado à transformação e ao fracasso das corporações clássicas.

Concluo este artigo reafirmando: a não divulgação das bases de dados é uma prática anacrônica. É possível, por meio de reengenharia reversa e com auxílio da inteligência artificial, recompor bases originais a partir de relatórios publicados.

Mostro aqui como realizei esse exercício a partir de um relatório do Ipec/Ipsos, demonstrando que o segredo secular das pesquisas de opinião está chegando ao fim.

A revolução tecnológica apenas começou, e os institutos que se anteciparem nesse processo estarão na vanguarda.

Publico o resultado concreto: uma base de dados recomposta a partir de um relatório recente, no qual constam variáveis como religião, cor, sexo, idade, instrução, renda, região, porte e tipo do município, além da avaliação de governo.

Trata-se de um experimento acadêmico que ilustra o potencial de abertura e democratização da informação.

Segue o relatório em pdf e o link da planilha com os dados e o dicionário:

Clique aqui para ter acesso a tabela.


*Antonio Carlos Alkmim é Cientista Político. Pesquisador senior aposentado do IBGE, ex-professor da Puc-Rio, FGV e UERJ.

Foto de capa: Ia

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