A intervenção do ministro André Mendonça junto a colegas do Supremo Tribunal Federal e ao presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, em defesa do pastor Silas Malafaia, expõe uma das mais graves distorções do papel institucional de um ministro da mais alta Corte do país: o uso do cargo para pressionar em favor de um investigado. Ao envolver diretamente a presidência da Câmara, e portanto o Congresso Nacional — símbolo maior da representação política brasileira — Mendonça insere o Legislativo em uma disputa que deveria permanecer restrita ao campo judicial, contaminando ainda mais as fronteiras entre os Poderes.
Malafaia foi incluído pela Polícia Federal em inquérito que apura tentativa de golpe contra o Estado Democrático de Direito, com base na atuação de figuras centrais do bolsonarismo, como Jair e Eduardo Bolsonaro. Seu envolvimento se deu a partir de manifestações e articulações que, segundo o relator Alexandre de Moraes, visavam obstruir investigações e buscar sanções internacionais contra autoridades brasileiras.
Não é aceitável, sob nenhum prisma jurídico ou ético, que um ministro do STF atue como lobbista de um potencial investigado, mobilizando colegas de toga e o presidente da Câmara para blindar um aliado ideológico. Ao justificar sua intervenção com o argumento de que a inclusão de Malafaia poderia “acirrar os ânimos” ou “jogar os evangélicos contra o Supremo”, Mendonça atua não como juiz, mas como representante político de uma bancada.
Não se ignora que nenhuma instância, instituição ou indivíduo está totalmente livre de inclinação ou influência política. A política, afinal, atravessa toda a vida institucional. Contudo, essa realidade não justifica, em hipótese alguma, a pressão direta de um ministro da Suprema Corte em defesa de investigados com quem compartilha ideologia ou vinculação religiosa. A independência judicial é um princípio que deve ser resguardado mesmo em um ambiente politicamente carregado, pois é esse princípio que garante a legitimidade das decisões do Judiciário e protege os direitos fundamentais de todos.
Esse tipo de comportamento, que rompe com o dever de imparcialidade e isenção, é uma afronta à independência do Poder Judiciário e à legalidade do processo penal. Ainda mais grave é o fato de que essa intervenção não se deu por vias formais, mas por contatos diretos e informais que visam moldar a condução de um inquérito sensível.
Enquanto setores bolsonaristas do Senado articulam um improvável processo de impeachment contra Alexandre de Moraes por sua atuação firme diante de ameaças golpistas, o que se evidencia é que o ministro que mais expõe o STF a riscos institucionais é André Mendonça. Por se deixar guiar por compromissos religiosos e afinidades ideológicas, ele compromete a imagem da Corte e banaliza a própria função constitucional que deveria zelar.
A democracia não se sustenta sem uma Justiça independente, e não há independência quando ministros se curvam à pressão política, mesmo que travestida de “pacificação”. Mendonça extrapolou seus limites institucionais. Sua atuação recente não apenas fere o princípio da impessoalidade, mas configura uma forma velada de obstrução de justiça.
Quem realmente merece ser alvo de questionamento é o próprio Mendonça. Não apenas por sua conduta, mas pelo precedente perigoso que estabelece ao misturar o sagrado com o profano, o altar com a tribuna, a toga com o palanque.
Benedito Tadeu César é cientista político e professor aposentado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Especialista em democracia, poder e soberania, integra a Coordenação do Comitê em Defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito e é diretor da RED.
Ilustração da capa: Andre-Mendonca-e-Silas-Malafaia – Fotos de Isac Nóbrega/Marcos Corrêa/PR – Montagem do site O antagonista
Tags: STF, André Mendonça, Silas Malafaia, Alexandre de Moraes, impeachment, democracia, golpismo, Judiciário, liberdade de expressão, evangélicos, bolsonarismo





Respostas de 9
Caro Benedito, brilhante e oportuno artigo sobre a indevida manifestação do ministro terrivelmente evangélico. Permita-me perguntar se vc estudou em Rio Claro no curso de C.Sociais. Lembro-me vagamente de alguém com nome semelhante ao seu que cursou C.Sociais na FAFI. Deixo meu e-mail para continuar esta conversa.
Cosmo, que alegria receber a tua mensagem. Sou eu mesmo. Maravilha termos nos reencontrado. Fico também muito feliz que estejas frequentando o portal da RED. Vou fazer contato pelo e-mail.
Parabens ao professor Tadeu Cezar pelo consiso e claro texto.
Esta na hora de focar mais nos atos de Andre Mendonça.
Obrigado, professor Ário.
Excelente trabalho, Tadeu!
Incrível. O terrivelmente evangélico eh também terrivelmente despreparado para o cargo. A cada atitude ou relatoria de processo vemos que falta a ele envergadura jurídica e ética para o cargo.
Certamente uma ação excessivamente grave que deveria ser questionado por quem de direito.
Que nível intelectual e moral este “ministro”tem!!
Belíssimo artigo! Parabéns ao Professor Tadeu!
Aborda com a clareza e a racionalidade necessárias nesse momento de “visões turvas” no país. O ministro terrivelmente evangélico é, na verdade, “terrivelmente comprometido com o que não soma para a necessária imparcialidade da função “.
O Malafaia ameaçou publicamente os ministros com vídeos de posse dele que supostamente derrubariam os ministros do corte e autotidades de outros poderes. Será que o Mendonça se sentiu ameaçado ou alguém próximo dele?