Por CELSO JAPIASSU*
O fascismo surgiu no Brasil como movimento organizado na primeira metade do século 20, teve altos e baixos, já esteve no poder durante o governo militar e continua a marcar presença no cenário político. Tem forte representação no congresso e chances de retornar ao governo pelo movimento em torno de Jair Bolsonaro e seus seguidores. É, portanto, uma ameaça que ronda a nova e frágil democracia brasileira.
As ideias reacionárias que vieram a desaguar nos movimentos fascistas surgiram no Brasil logo depois da Revolução Francesa, quando ganharam força na Europa contrapondo-se às mudanças revolucionárias. Manifestaram-se nos movimentos monarquistas e ultracionalistas para se organizarem nos anos 1930 inspiradas no fascismo europeu. Seu melhor exemplo foi a Ação Integralista Brasileira, liderada por Plínio Salgado, cujo lema “Deus, Pátria e Família” foi copiado pelo bolsonarismo.
O integralismo
O integralismo adaptou o fascismo ao contexto brasileiro, pregando o nacionalismo, o corporativismo e a civilização cristã, enquanto se opunha ao liberalismo, o anarquismo e o comunismo. Ganhou força e chegou a mobilizar entre 600 mil e 1 milhão de seguidores e militantes. O movimento adotou como símbolo a letra grega Sigma (Σ) e utilizava uniformes e saudações inspirados nos movimentos nazifascistas europeus.
Apesar de seu crescimento, enfrentou oposição e foi perseguido durante o Estado Novo de Getúlio Vargas, que extinguiu os partidos políticos em 1937. Após a queda do Estado Novo, os integralistas tentaram se reorganizar criando o Partido de Representação Popular (PRP), mas nunca recuperaram a mesma influência de antes.
Nos anos seguintes, o movimento passou por diversas tentativas de reorganização, como a criação da Frente Integralista Brasileira (FIB) e outras denominações menos expressivas. O integralismo brasileiro é comparado ao fascismo europeu, embora tivesse suas particularidades, como a inclusão de diversas etnias em suas fileiras e uma posição ambígua em relação ao racismo, com algumas lideranças se opondo abertamente a ideias racistas. Hoje, o movimento integralista é considerado residual no cenário político brasileiro, mas ainda existem grupos que afirmam representar suas ideias.
Durante a ditadura militar (1964-1985), a extrema direita encontrou terreno fértil para se desenvolver. O regime autoritário promoveu um forte anticomunismo e repressão política, alinhando-se com ideais conservadores e nacionalistas. Nesse período, surgiram grupos paramilitares e esquadrões da morte, como o Comando de Caça aos Comunistas, que atuavam na perseguição a opositores políticos.
Redemocratização
Com a redemocratização, a extrema direita perdeu espaço, mas manteve-se ativa através de pequenos partidos e movimentos políticos. Nos anos 1990, surgiram organizações como o Partido de Reedificação da Ordem Nacional (PRONA), que defendiam pautas nacionalistas e conservadoras.
A extrema direita voltou a crescer no Brasil a partir dos anos 2010, culminando na eleição de Jair Bolsonaro em 2018.
Esse processo foi impulsionado por fatores como a crise econômica e política, o aumento da insegurança pública, o descrédito nas instituições e o uso eficaz das redes sociais para disseminação de ideias conservadoras e reacionárias.
A extrema direita de hoje no Brasil apresenta algumas características como o anticomunismo como elemento unificador, atribuindo aos movimentos progressistas uma suposta ameaça comunista. Defende um nacionalismo exacerbado, curiosamente associado a políticas entreguistas e alinhamento com potências estrangeiras. É de forte conservadorismo moral e opõe-se a pautas progressistas, como direitos LGBTQ+ e políticas de igualdade racial. O fascismo bolsonarista busca reinterpretar fatos históricos, especialmente em relação à ditadura militar e promove ataques à produção científica e cultural, vista como ameaça ideológica.
Polarização
A ascensão da extrema direita provocou uma forte polarização política, aumento dos discursos de ódio e intolerância, o questionamento das instituições democráticas e o retrocesso das políticas sociais e ambientais.
A história da extrema direita no Brasil revela um movimento que, embora tenha passado por períodos de menor visibilidade, manteve-se sempre presente no ambiente social e político e hoje desafia a democracia brasileira demandando uma análise crítica de suas origens, discursos e impactos na sociedade contemporânea.
O bolsonarismo foi buscar sua base teórica nas ideias do escritor Olavo de Carvalho (1947-2022), que teve papel importante na formação ideológica da nova extrema-direita brasileira. Seus textos propagam teorias conspiratórias sobre uma suposta dominação cultural da esquerda e defende um forte anticomunismo. Embora não tivesse formação acadêmica em filosofia, Olavo se autointitulava professor de filosofia e ministrava cursos online que atraíram uma base de seguidores leais.
Os filhos de Jair Bolsonaro também se destacam como lideranças da extrema direita. Eduardo Bolsonaro é deputado federal, considerado o principal articulador das alianças da direita radical brasileira com movimentos internacionais. Flávio Bolsonaro é senador e se manifesta nas redes sociais com discurso semelhante ao do pai.
Alguns parlamentares recém-eleitos são vistos como potenciais novas lideranças. É o caso de Nikolas Ferreira, deputado federal pelo PL de Minas Gerais, um dos nomes mais cotados para liderar o movimento no Congresso. E Damares Alves, ex-ministra e atual senadora pelo Republicanos, fiel seguidora de Bolsonaro.
As diferenças
Enquanto a extrema-direita europeia tem como base um forte sentimento anti-imigrante, chegando à xenofobia, no Brasil a questão não é relevante. O bolsonarismo possui forte apoio nas seitas evangélicas neopentecostais. Na Europa essa corrente é fraca e o catolicismo está presente na extrema direita, principalmente na França e na Itália.
O fascismo brasileiro é pró-mercado e apoia fortemente o mercado financeiro enquanto a direita europeia tende a ser mais protecionista e anti-establishment financeiro.
No Brasil, a extrema-direita conseguiu eleger um presidente (Bolsonaro) e é um movimento que tem apresentado crescimento nos países europeus.
*Celso Japiassu é autor de Poente (Editora Glaciar, Lisboa, 2022), Dezessete Poemas Noturnos (Alhambra, 1992), O Último Número (Alhambra, 1986), O Itinerário dos Emigrantes (Massao Ohno, 1980), A Região dos Mitos (Folhetim, 1975), A Legião dos Suicidas (Artenova, 1972), Processo Penal (Artenova, 1969) e Texto e a Palha (Edições MP, 1965).
Foto de capa: Leonardo Pedrazzoli/CCI3-CMSP




