Por BENEDITO TADEU CÉSAR*
Neste sábado, dia 9 de agosto de 2025, o vice-secretário de Estado dos Estados Unidos, Christopher Landau, acusou o ministro Alexandre de Moraes, do STF, de “destruir” a relação histórica entre Brasil e EUA. Segundo Landau, um único magistrado estaria usurpando prerrogativas constitucionais, ameaçando os demais Poderes e estendendo de forma extraterritorial a jurisdição brasileira para silenciar indivíduos e empresas em território norte-americano.
O Itamaraty respondeu com firmeza, qualificando a declaração como “novo ataque frontal à soberania” e reiterando que o Brasil — que recentemente derrotou uma tentativa de golpe de Estado — não cederá a pressões externas.
Uma tradição de ingerência
O episódio não é um caso isolado, mas sim o mais recente capítulo de uma longa tradição intervencionista estadunidense. No século XIX, os EUA promoveram guerras e anexações, como o conflito contra o México (1846-1848), que resultou na incorporação de mais da metade do território mexicano, e a guerra hispano-americana (1898), que lhes deu o controle sobre Cuba, Porto Rico, Guam e Filipinas. A chamada Emenda Platt transformou Cuba em um protetorado informal, enquanto as Banana Wars levaram tropas americanas a ocupar Nicarágua, República Dominicana e Haiti para assegurar interesses econômicos e estratégicos.
Golpes e desestabilização
No século XX, a ingerência assumiu a forma de golpes de Estado apoiados diretamente por Washington. No Brasil, o exemplo mais marcante foi o de 1964, quando a ditadura militar foi instalada com suporte logístico e político norte-americano. A operação Brother Sam mobilizou navios de guerra e aviões para apoiar os conspiradores e garantir o sucesso da ruptura institucional. Antes disso, o governo dos EUA já havia financiado candidaturas opositoras e utilizado o Programa Aliança para o Progresso para favorecer aliados regionais, alimentando a instabilidade política.
Mais recentemente, a estratégia estadunidense migrou para métodos de guerra híbrida, como nas ações de desestabilização durante a Primavera Árabe no Oriente Médio, na Ucrânia e, segundo a análise de especialistas em relações internacionais respeitados, no Brasil durante o governo Dilma Rousseff.
Da força militar à pressão econômica
Se antes a pressão se exercia com tropas e frotas, hoje se manifesta por meio de tarifas punitivas e sanções econômicas. O caso mais recente é a imposição de taxas de 50% sobre produtos brasileiros, anunciada pelo governo Trump sob o argumento de que o país promove uma “caça às bruxas” contra Jair Bolsonaro — que responde por tentativa de golpe. Essas medidas, somadas às declarações de Landau, são a expressão contemporânea de uma velha postura autoritária e neocolonialista: utilizar o peso econômico e a retórica diplomática para interferir em processos internos de outras nações.
Soberania como princípio inegociável
A democracia brasileira não pode se curvar aos caprichos de pseudo-imperadores globais. Negociar é parte da diplomacia, mas a soberania não é moeda de troca. Ao Brasil cabe reafirmar sua autonomia política, proteger a independência de suas instituições e resistir a toda forma de coerção — militar, econômica ou simbólica. A história mostra que as nações que cedem à imposição externa comprometem não apenas o presente, mas o futuro de sua própria democracia.
Benedito Tadeu César é cientista político e professor aposentado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Especialista em democracia, poder e soberania, integra a Coordenação do Comitê em Defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito e é diretor da RED.
Foto da capa: Lula usa boné Brasil é dos Brasileiros durante evento em Linhares (ES) • Ricardo Stuckert / PR
Tags: intervenção americana, soberania nacional, Alexandre de Moraes, golpe de 1964, Operation Brother Sam, tarifas Brasil, neocolonialismo.




