Tribunas do ódio

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Por CELSO JAPIASSU*

O aparecimento das redes sociais criou e disseminou uma forma imediata de comunicação entre as pessoas. Espalhou uma atualização de conhecimento, aproximou estranhos, criou laços entre eles, instaurou novas formas de amizade e convivência. E espalhou o ódio entre grupos sociais e entre as pessoas. O ódio político, o ódio entre grupos, o ódio interpessoal. No capítulo do ódio político, o Brasil chegou a ter durante o governo Bolsonaro um denominado Gabinete do Ódio.

As redes mudaram a maneira como as pessoas se conectam, compartilham informações e interagem globalmente. Plataformas como Facebook, X (Twitter), Instagram, TikTok e WhatsApp democratizaram o acesso à comunicação e possibilitaram o diálogo instantâneo entre milhões de usuários. Essa conectividade ampliou também o alcance e a intensidade do discurso de ódio, provocando um dos fenômenos sociais característicos do século XXI.

O discurso de ódio é qualquer comunicação, gesto, ou comportamento que incite, promova ou justifique o ódio, a discriminação ou a violência com base na raça, religião, gênero, orientação sexual, nacionalidade ou convicções políticas. Nas redes sociais, esse tipo de discurso encontra terreno fértil pela facilidade de propagação de mensagens e o aparente anonimato do ambiente online. Expressões como “Volta para o teu país!”, a associação automática de comportamentos criminosos a determinadas etnias ou nacionalidades proliferam em redes como Facebook, X (Twitter) e fóruns abertos. Estão sempre presentes em postagens de partidos radicais e de extrema direita e nos comentários em páginas dedicadas à imigração ou comunidades estrangeiras.

São frequentes as mensagens que desvalorizam, insultam ou ameaçam mulheres, ou promovendo estereótipos baseados em gênero, além de ameaças explícitas de violência sexual ou humilhação. Insultos a pessoas LGBTQIA+ são amplamente partilhados como também o bullying contra pessoas acima do peso ou com características físicas diferentes. No capítulo da violência política, os insultos, ameaças e desinformação visando figuras públicas e partidos rivais, muitas vezes acompanhados de incitamento à violência, são recorrentes, especialmente em períodos eleitorais.

Além das frases explícitas, há estratégias para confundir os moderadores, com o uso de emojis de significados ocultos, siglas, hashtags e memes, que transmitem ódio de forma menos óbvia, dificultando a identificação automática pelas plataformas.

Ao privilegiarem e promoverem o engajamento, as plataformas favorecem conteúdos polêmicos ou extremados, pois estes tendem a gerar mais reações — sejam positivas ou negativas. Este ambiente estimula a viralização de mensagens de ódio, memes pejorativos e campanhas de difamação. Quanto maior o engajamento, maior o ganho das plataformas.

As bolhas

O anonimato e a sensação de impunidade reduzem a autocensura dos haters, que se sentem livres para discursos que não fariam presencialmente. E os algoritmos priorizam conteúdos que causam maior engajamento, independentemente do seu teor, formando bolhas de informação onde as opiniões extremas são reforçadas.

 A possibilidade de compartilhar e republicar mensagens instantaneamente permite que conteúdos ofensivos atinjam grandes audiências em poucos minutos. E o ambiente político polarizado tem estimulado a retórica do “nós contra eles”, resultando em ataques cada vez mais agressivos a opositores ideológicos.

Muitas plataformas demoram ou falham em remover conteúdos abusivos, seja por limitações técnicas ou por não adotarem políticas mais rigorosas.

A disseminação do ódio nas redes sociais tem trazido consequências graves tanto para indivíduos quanto para a vida em sociedade. Vítimas de ataques online apresentam ansiedade, depressão, baixa autoestima e, em casos extremos, desenvolvem transtornos psiquiátricos ou ideia de suicídio.

Uma única mensagem viral pode destruir a reputação de pessoas e empresas, levando a demissões, falências e até ameaças físicas.

O alcance massivo das redes proporciona a legitimação de preconceitos, perpetuando as desigualdades sociais. Grupos extremistas as utilizam cada vez mais para recrutamento e difusão de ideologias nazifascistas ou ações terroristas ao mesmo tempo em que a hostilidade e a desinformação prejudicam o diálogo e a construção democrática de consenso.

Como combater

Na opinião de estudiosos do comportamento humano o combate ao ódio nas redes sociais exige uma abordagem que promova a alfabetização midiática e estímulo ao pensamento crítico, de forma a que os usuários reconheçam e não propaguem discursos de ódio. As plataformas precisariam também aprimorar seus algoritmos para detectar e limitar o alcance de conteúdos ofensivos sem comprometer a liberdade de expressão. E investir em equipes e sistemas de moderação humanos e automáticos capazes de identificar e remover conteúdos de ódio em tempo hábil.

A legislação pode impor penalidades a quem disseminar ou apoiar o discurso de ódio, responsabilizando também as plataformas. Seria recomendável também a disponibilização de canais de denúncia, suporte psicológico e assistência jurídica para as vítimas de ataques.

 O caráter transnacional da internet exigiria a cooperação entre governos, empresas e sociedade civil para um combate eficaz.

A principal dificuldade para a regulamentação é o equilíbrio entre censura e liberdade de expressão. É necessário afastar discursos que promovam violência e discriminação, sem silenciar opiniões legítimas. A subjetividade na definição de “ódio” e a diversidade cultural complicam ainda mais essa tarefa.

A rapidez com que o ódio se espalha nas redes sociais expõe as vulnerabilidades não só das plataformas digitais como também dos mecanismos sociais de controle e de convivência.

 Umberto Eco via a internet como um mundo selvagem e perigoso, onde a informação não é filtrada e a quantidade de conteúdo, muitas vezes falso ou desinformador, pode ser pior do que a falta de informação.


*Celso Japiassu é autor de Poente (Editora Glaciar, Lisboa, 2022), Dezessete Poemas Noturnos (Alhambra, 1992), O Último Número (Alhambra, 1986), O Itinerário dos Emigrantes (Massao Ohno, 1980), A Região dos Mitos (Folhetim, 1975), A Legião dos Suicidas (Artenova, 1972), Processo Penal (Artenova, 1969) e Texto e a Palha (Edições MP, 1965).

Foto de capa: Edilson Rodrigues/Agência Senado

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Respostas de 2

  1. Excelente reflexão sobre este momento que o mundo atravessa. A propagação do ódio é um crime contra a humanidade. E as redes sociais, que poderiam (e deveriam) ser instrumentos de divulgação de cultura, de promoção de valores, de estreitamento das relações entre as pessoas, acabaram se tornando em fonte de maledicência, de agressão, imbecilização das criaturas. Muito boa a exposição do Celso.

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