Da REDAÇÃO
Um dos aspectos mais intrigantes das eleições brasileiras de 2022 foi a forte adesão do eleitorado evangélico à candidatura de Jair Bolsonaro. O artigo “Evangelicals and the Far Right in Brazil: Political Attitudes and Voting Decisions”, publicado na Revista Mexicana de Opinión Pública, analisa esse fenômeno com base em dados estatísticos e propõe uma nova chave interpretativa: a Teologia do Domínio.
O peso da identidade religiosa
Os autores Silvana Krause, Helcimara Telles, Joscimar Souza Silva e João C. L. Camargos partem da hipótese de que a identidade evangélica foi a principal variável comportamental que impulsionou o voto em Bolsonaro. Através de modelos logit aplicados a dados da pesquisa Termômetro da Campanha (IPESPE/ABRAPEL), o estudo demonstra que ser evangélico aumentou em quase três vezes a probabilidade de votar no então presidente.
Esse dado se revela ainda mais relevante diante da estabilidade de outras variáveis, como renda e cor. O recorte religioso se destacou como fator preditivo mais forte do que o fato de ser homem, branco ou de classe média.
Teologia do Domínio e cultura política
A originalidade do estudo está na articulação entre comportamento eleitoral e cultura religiosa. Inspirados em estudos sobre o evangelicalismo político norte-americano, os autores propõem que a Teologia do Domínio — doutrina que defende que cristãos devem influenciar todas as esferas da vida social, incluindo o governo — tem sido difusa entre lideranças neopentecostais e seus fiéis.
Essa teologia, muitas vezes disfarçada sob o rótulo de “guerra espiritual” ou “luta do bem contra o mal”, legitima um projeto de poder que se opõe ao secularismo, aos direitos reprodutivos e à diversidade sexual. Bolsonaro, nesse contexto, foi apresentado como o “escolhido de Deus” contra os supostos inimigos da fé cristã.
Dados empíricos e confiança institucional
Os dados também mostram que os evangélicos demonstram maior confiança em instituições como as Forças Armadas e a Igreja, enquanto demonstram menor fé em partidos políticos, Congresso e Judiciário. Esse desalinhamento com instituições representativas tradicionais favorece a adesão a discursos autoritários que prometem ordem moral e segurança.
Outro dado notável é o maior engajamento evangélico com conteúdo político disseminado via WhatsApp, o que amplia a exposição a desinformação e às chamadas fake news. Acreditar que Lula fecharia igrejas, por exemplo, foi uma crença mais comum entre evangélicos do que em qualquer outro segmento religioso.
Um realinhamento ideológico
A pesquisa mostra que 52% dos evangélicos se identificam com a direita, ante 34% da população geral. Esse dado é indicativo de um realinhamento ideológico profundo. A polarização entre “cristãos” e “comunistas”, a retórica da “ameaça à família” e a criminalização simbólica da esquerda funcionaram como organizadores de sentido para o voto evangélico.
Embora o PT tenha vencido a eleição presidencial de 2022, o Congresso eleito ficou majoritariamente alinhado à nova direita, com aumento expressivo da bancada evangélica. Essa representação institucional reflete não apenas uma mudança de perfil do eleitorado, mas também uma estratégia política bem-sucedida de longo prazo.
Limites e hipóteses futuras
Apesar da força da identidade religiosa, o artigo aponta que os evangélicos não são homogênos. O impacto da Teologia do Domínio ainda é difuso, e boa parte dos entrevistados não reconhece diretamente essa doutrina. No entanto, sua influência se faz sentir na articulação de temas morais com a escolha política.
O estudo conclui propondo a hipótese de que o crescimento do bolsonarismo entre evangélicos não se deve apenas a fatores conjunturais, mas a uma mudança mais ampla na cultura política desse segmento, que vem sendo moldada por lideranças religiosas com forte atuação na esfera pública.
Acesse a Revista Mexicana de Opinión Pública e leia a íntegra deste e dos demais artigos do número 39(2025).
Foto da capa: Fernando Frazão/Agência Brasil
Tags: evangélicos, bolsonarismo, extrema direita, religião e política, Teologia do Domínio, voto religioso, fake news, Congresso Nacional, eleições 2022




