DA REDAÇÃO
Aulas obrigatórias de autoescola reduzem acidentes? O que dizem os dados no Brasil e no mundo
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está avaliando uma mudança profunda no processo de obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH). A proposta, já concluída no Ministério dos Transportes, prevê o fim da obrigatoriedade de frequentar autoescolas — hoje exigência para todos os candidatos à primeira habilitação no Brasil. A medida ainda será apresentada ao presidente para decisão final.
Segundo o ministro Renan Filho (MDB), as autoescolas continuarão existindo, mas o cidadão poderá escolher como aprender a dirigir: com instrutores autônomos credenciados, de forma autônoma ou com familiares (em ambientes privados), desde que aprovado nos exames teórico e prático obrigatórios, conforme o Código de Trânsito Brasileiro (CTB). A medida será apresentada ao presidente Lula e não exige aprovação do Congresso, pois pode ser implementada via resolução do Contran.
Redução de custos, inclusão e eficiência
Atualmente, tirar a CNH no Brasil custa entre R$ 3 mil e R$ 4 mil, variando conforme o estado. O ministro calcula que o novo modelo poderia reduzir esse custo em até 80%. “É caro, trabalhoso e demorado. São coisas que impedem as pessoas de ter carteira de habilitação”, disse Renan.
A proposta visa incluir os mais pobres, mulheres e trabalhadores informais, especialmente em cidades de médio porte onde cerca de 40% da população dirige sem habilitação. Dados do ministério mostram que 60% das mulheres em idade de dirigir ainda não possuem CNH. “Na hora que a família tem o dinheiro, normalmente, escolhem tirar a dos meninos”, alertou Renan Filho.
Outro objetivo é formar mão de obra mais cedo para o transporte profissional, como motoristas de caminhão, ônibus e tratores. “A habilitação custa quase o preço de uma moto usada. Se ele tira a primeira carteira com 30 anos, quando vai dirigir um caminhão inflamável?”, questionou.
Debate internacional: o que realmente salva vidas?
A experiência internacional demonstra que não há uma correlação direta entre a obrigatoriedade de aulas de autoescola e a redução de acidentes.
Países como Reino Unido, Austrália e Estados Unidos não exigem aulas formais em autoescolas, mas possuem exames rigorosos e programas de aprendizagem supervisionada. O Reino Unido, por exemplo, tem uma das menores taxas de mortalidade no trânsito do mundo: 2,6 mortes por 100 mil habitantes. Os EUA, mesmo sem aulas obrigatórias, têm taxa de 12,8.
Já o Brasil, com aulas obrigatórias, tem taxa de cerca de 16 por 100 mil habitantes. Isso indica que a chave está na qualidade do ensino e na fiscalização, não apenas na obrigatoriedade.
Comparativo internacional de mortalidade no trânsito:

Mortalidade no trânsito por país vs. obrigatoriedade de autoescola:
Mostra que países com e sem autoescola obrigatória podem ter bons ou maus resultados, destacando que a qualidade da formação e a fiscalização são os fatores mais determinantes.
Países com e sem autoescola obrigatória: resultados dependem mais de exames e fiscalização.
O que dizem os estudos internacionais?
Segundo revisões sistemáticas da literatura científica, não há evidências conclusivas de que aulas obrigatórias em autoescolas reduzam os acidentes de trânsito. O que se destaca como mais relevante é:
- rigor nos exames práticos e teóricos;
- fiscalização eficiente;
- punições consistentes;
- cultura de segurança e formação efetiva de condutores.
São Paulo: uma lição de política pública com base em evidências
A experiência da cidade de São Paulo ilustra com clareza o impacto de boas políticas públicas. Em 2015, na gestão do prefeito Fernando Haddad (PT), os limites de velocidade nas Marginais Tietê e Pinheiros foram reduzidos. O resultado:
- Queda de 52% nas mortes (de 64 para 31 em um ano);
- Redução de 96% nos atropelamentos fatais (de 24 para apenas 1).
Já em 2017, no início da gestão João Doria (PSDB), os limites voltaram a subir — e os acidentes com vítimas aumentaram 56% em apenas três meses, com elevação também nas mortes.
Comparativo da capital paulista:

Efeito das políticas de velocidade em São Paulo: durante a gestão de Fernando Haddad (PT), a redução dos limites nas marginais reduziu as mortes pela metade. A reversão da medida na gestão Doria (PSDB) coincidiu com novo aumento de vítimas fatais.
Gestão Haddad reduziu mortes nas Marginais em 52%. Com Doria, acidentes voltaram a subir.
Velocidade ainda é o maior fator de risco
A Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma: a cada 1% de aumento na velocidade média dos veículos, o risco de morte sobe 4%. Reduzir em 5% pode resultar em até 30% menos fatalidades.
Exemplos de sucesso não faltam:
- França: reduziu de 90 km/h para 80 km/h e as mortes caíram 12%.
- Oslo: zerou mortes por atropelamento em 2019 ao adotar 30 km/h em zonas urbanas.
- Fortaleza (CE): reduziu as mortes em 58% entre 2013 e 2024, com medidas como redução de velocidade e radares.
Caminho possível e sem custo para o Estado
De acordo com o ministro Renan Filho, a proposta do governo Lula não cria novas despesas públicas. Ela revê uma resolução do Contran que obriga o vínculo com autoescolas e propõe, em seu lugar, um sistema mais flexível, justo e moderno, inspirado em experiências internacionais.
Nas palavras de Renan Filho, as autoescolas continuarão existindo, mas competirão por eficiência. “Sou contra o Estado obrigar o cidadão a fazer as coisas. Se você achar que precisa, vai lá e faz”, declarou.
Conclusão
A formação de motoristas no Brasil precisa evoluir. Tornar a autoescola opcional pode ser positivo — desde que o sistema de exames e fiscalização seja mantido ou aprimorado. Os dados mostram que o Brasil deve focar naquilo que realmente salva vidas: educação de qualidade, limites de velocidade adequados e punição eficaz às infrações, além, é claro, vias urbanas e estradas bem planejadas, bem sinalizadas e com boa manutenção.
O Brasil pode aprender com países que têm bons resultados, investindo em fiscalização inteligente, educação de trânsito eficaz e condições acessíveis para que todos possam obter habilitação com qualidade e segurança.
O debate é técnico, mas o impacto é profundamente humano. A pergunta que deve nortear a decisão é simples: o sistema atual forma motoristas responsáveis ou apenas burocratiza a carteira?
Ilustração da capa: Imagem gerada por IA ChatGPT
Tags:
Trânsito, CNH, Lula, Autoescola, Segurança Viária, Haddad, Doria, São Paulo, Ministério dos Transportes, Inclusão, Fiscalização, Políticas Públicas





Uma resposta
As autoescolas , devem continuar existindo para que as pessoas possam, de maneira livres, praticar e conhecer as leis do trânsito. Mas, sem vínculos com os órgãos expedidores da Carteira.