Por ANTONIO CARLOS ALKMIM*
O filme Napoleão de Ridley Scott, de 2023, do mesmo diretor do distópico e clássico, porém atualíssimo “Blade Runner: o caçador de androides” lançado em 1982, nos traz a história da ascensão, queda e morte de um dos personagens considerado dos mais icônicos da história mundial.
A trama remete desde o início de sua carreira como comandante militar e defensor da Revolução Francesa, até o desfecho de sua trajetória, detalhada por 2 horas e 32 minutos de filme. A última cena traz a morte do imperador deposto, na sua prisão na ilha de Santa Helena, em sua derradeira refeição.
Já os letreiros finais após o filme afirmam que as últimas palavras de Napoleão foram: “França, guerra e Josefine”. Esta última palavra refere-se à sua amante, esposa, imperatriz, ex-imperatriz, companheira e amiga. Um país, seu método de poder e uma mulher. A importância de Josefine não a define apenas por ser mulher e pelo envolvimento íntimo com Napoleão, mas pelo pano de fundo moral relativo à época. Josefine traz importantes nuances à trama.
Precede, à referida última cena do filme, episódios relativos à batalha de Wattterloo em 1815, travada na Bélgica, onde finalmente Napoleão Bonaparte foi derrotado pelos ingleses em uma coalizão da Rússia com a antiga Prússia. Países que se voltaram contra o Bloqueio Continental, política externa executada pela França para asfixiar o comércio inglês e assim derrotá-lo. O comércio como fundamento de guerra.
Contava ainda com o antagonismo da Áustria que tinha fortes motivos históricos contra Napoleão, desde a decapitação de Maria Antonieta pela Revolução, e havia sido humilhada em uma campanha anterior na famosa batalha dos três impérios (França, Áustria e Rússia). Seu apoio natural seria dado à Inglaterra.
Por outro lado, a Rússia tinha infringido à força terrestre de Napoleão a sua mais dura derrota militar, após a sua invasão e terrível enfraquecimento do estoque militar francês, baseado no seu exército. Esta derrota contundente provocou uma abdicação de Bonaparte na ilha de Elba em 1814. Um rápido intervalo, pois retornaria em menos de um ano ao poder para encarar o seu destino. O imperador, deixado à deriva, sem as devidas providências para a sua eliminação, ressurgiu. Uma espécie de reeleição. Embora com mandato curto.
Importante abrir parênteses para ressaltar que em novembro de 1807 o príncipe regente de Portugal, D. João VI, havia finalmente rompido com Napoleão e seu bloqueio comercial, deixando, junto com sua corte, seu reino nativo para trás, chegando ao Brasil em 1808, decretando imediatamente o país como a nova sede do Reino de Portugal e Algarves e abrindo o comércio internacional para as nações amigas. Leia-se, evidentemente, a reafirmação da lealdade e submissão aos interesses ingleses.
O Filme Carlota Joaquina, princesa do Brasil, de Carla Camurati (1995) retrata com maestria o episódio de fuga e instalação da nova corte no Brasil. Vale ainda a referência do livro “1808, como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil” de Laurentino Gomes.
Deve-se fazer uma ressalva ao livro quanto ao sentimento do medo e covardia do príncipe, desprezando sua eventual astúcia. Embora o medo sempre seja um sentimento a ser considerado em decisões de tamanha envergadura. A fuga ao invés de amedrontamento, pode afinal ter sido uma prudência aflitiva. Afinal, em Lisboa já soavam os canhões inimigos.
Houve um planejamento, mesmo que apressado, e a proteção da frota inglesa. Além de tudo, chovia torrencialmente. Um desespero para os 10 ou 15 mil nobres que se lançaram ao mar em caravelas montadas pela avançada tecnologia marítima lusitana. Os franceses ainda puderam avistar as velas das embarcações.
Bloqueio Continental. Foi a estratégia econômica empreendida que se tornou um dos múltiplos fatores para a queda do Império de Napoleão. Olhando para 2025, dois séculos depois, vemos um novo simulacro de Napoleão na praça, tirando o personagem da simples caricatura de hospício. E, seguindo a tradição da leitura tragicômica da repetição da história, um personagem bonapartista liderando um império em sua hipotética agonia.
A política comercial de Donald Trump traz, especificamente para o Brasil, um drama vivido por Dom João VI, um cenário do risco, de tomada de decisões, da manipulação do medo, da astúcia. Ao mesmo tempo em que tropicalizado, o drama é recheado de traições, golpes, rastejamentos, atitudes contraditórias, surrealismos virtuais. Mas principalmente, necessidade de decisões. O enfrentamento entre campos de poder internacional, coloca o Brasil como um dos elementos chaves em um contexto de revolução tecnológica, guerras, desigualdades, esgotamento ambiental e interesses que moldarão o destino do século.
Temos um novo aspirante à Napoleão no mundo, desta vez, não com o seu bicorne (o chapéu característico do general), mas com o prosaico topete amarelo que molda sua cabeleira.
Embora, ao que se saiba, não tão perto de uma morte iminente, caiba a ironia de lembrar a suposta frase dita pelo imperador francês ao falecer, atualizando-a segundo o personagem, método e contexto moral, para a situação de aspirante do Make Great Again. Não mais França, guerra e Josefine. Mas, Estados Unidos, tarifaço e Caso Epstein.
*Antonio Carlos Alkmim é Doutor em Ciência Política Professor da PUC-Rio.
Foto de capa: IA





Respostas de 2
O cara que ser o dono do mundo!!!
Sendo o Brasil o eixo de convergência nessas duas situações históricas, como uma tábua de salvação em um conflito de ordem mundial. Dessa vez, comercialmente, com o Brasil dando exemplo ao mundo, de soberania e pertencimento, que um alucinado megalomaníaco americano, jamais imaginou, ser possível vindo, de um país supostamente fraco, sem perceber, em sua arrogância, que a fraqueza está na infeliz decisão de taxar o maior fornecedor de víveres e comódites ao “reino” desse imperador, e, quem paga é o povo que ele governa. O imperador caminha para um choque de realidade, quanto ao poder de união dos países do hemisfério norte e a soberania brasileira nos Brincs. Somos todos países decolonizados, diferente da União Europeia, já conhecemos a opressão da ditadura e do imperialismo. Temos nossas feridas ainda cicatrizando e não nos curvamos mais a vontades dos impérios sem um diálogo maduro e respeitoso, porque somos potência também.