Bolsonaro fecha com Trump — e dá tiro no próprio pé

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Por J. CARLOS DE ASSIS*

Não acredito que a influência de Donald Trump nas eleições brasileiras do próximo ano tenha efeitos reais em seus resultados. Primeiro, porque seria mais uma paranoia demagógica dele, que não conseguiria apagar o fracasso, em termos materiais, do governo Bolsonaro. Além disso, qualquer um que venha a substituir Bolsonaro e  levantar a bandeira dele, objetivamente, terá de defender um golpista na cadeia – o que será humilhante. Por fim, um discurso vindo de um país estrangeiro que sequer conhece o Brasil ficará muito longe de nossa realidade, que requer, principalmente, para os mais pobres, a credibilidade de um plano que ofereça ao povo coisas concretas, como “casa, trabalho, comida, roupa e sapato”.

Além disso, a atenção de Trump nas eleições brasileiras será extremamente limitada pela atenção que terá de dar às eleições intermediárias no seu próprio País, que coincidem com as nossas. Com uma política comercial externa estúpida, que inexoravelmente levará ao aumento do desemprego e da inflação nos Estados Unidos, e uma enorme revolta interna com seu autoritarismo extremo, ele corre o risco de levar o Partido Republicano a perder sua esmagadora maioria no Congresso, o que por enquanto o tem protegido de um possível processo de impeachment.

De fato, o presidente norte-americano é um contumaz violador da Constituição, um agressivo perseguidor de intelectuais, um xenófobo extravagante e um brutal perseguidor de imigrantes que têm a simpatia de muitos cidadãos e cidadãs que precisam deles como mão de obra barata. Tudo isso, junto, cria as condições para uma derrota eleitoral acachapante, de que dificilmente poderá dar conta, só com demagogia. Além disso, Trump já não tem parte de suas bases oligárquicas, que lhe ajudaram na campanha, como Elon Musk, e que estão perdendo dinheiro com suas extravagâncias e rodopios na política tarifária.

É mais fácil que a política brasileira influa na norte-americana do que o inverso. Somos exemplos de um país que, seguindo rigorosamente a Constituição,  processa e põe na cadeia golpistas contra a democracia, o Estado de Direito e a depredação de patrimônio público – tudo que Donald Trump fez em seus País, sem qualquer punição. Vendo o que aconteceu e o que está acontecendo entre nós, o Partido Democrata poderá apontar um novo rumo constitucional para os Estados Unidos, de forma a proteger o País de aventureiros como Donald Trump.

Nos próximos meses, veremos o inexorável crescimento dos movimentos de protesto contra Trump, até as eleições do ano que vem. Exceto o teatro que faz diariamente diante de jornalistas em suas viagens e nas imediações da Casa Branca, quando dá seus shows de mídia, ele muito pouco terá a oferecer ao povo, nesse tempo, como resultados positivos efetivos de seu Governo. Ao contrário. O clima inclemente que devastou o Texas chamou a atenção para a estupidez da retirada norte-americana do Acordo de Paris, e novos desastres lembrarão a todos, quando fatalmente vierem a ocorrer, o irracionalismo do negacionismo do Presidente.

E não é só contra políticas ambientais  responsáveis que ele está lutando. O sistema de saúde, que já não era tão bom quando comparado ao de outros países ricos (e mesmo ao de países emergentes, como o SUS do Brasil), está sendo liquidado com os cortes bilionários de verbas embutidos no orçamento recém aprovado. A ajuda a países pobres foi suprimida por Elon Musk, quando ainda na Casa Branca. Sua prioridade são os gastos com o aparato militar, o que leva a crer no prolongamento da intenção belicista e imperial de um hegemon decadente. Tudo isso contribuirá para acelerar a deterioração de sua imagem junto aos eleitores.

O que parecia ser um degrau de subida na escalada fascista no mundo, que o bolsonarismo deveria reforçar pela nossa parte, parece estar rolando escada abaixo, com as políticas do segundo mandato de Trump. O mundo está se voltando contra ele. A intervenção descabida na política brasileira, violando a soberania do País, e sua tentativa de interferir no andamento do processo judicial contra o golpista Jair Bolsonaro acenderam uma luz vermelha no cenário mundial. Poucos, no planeta, exceto os da extrema direita, aspirariam à volta de um Hitler nas relações internas e mundiais. Enfim, a busca de proteção por parte de Trump a Bolsonaro acabará sendo um tiro no pé.

Tarcísio de Freitas, o governador que representa a burguesia paulista, terá de dar nó em pingo d’água para defender os interesses dela e da extrema direita num contexto político tão conturbado. Seu primeiro movimento, junto com Bolsonaro, foi tentar jogar em Lula a culpa pela tentativa de extorsão tributária de Trump. Mas isso não cola. Lula disse claramente que está disposto a negociar com o Governo de Trump. Estipulou, porém, duas condições: que o Brasil e a soberania nacional sejam respeitados. Fora isso, vamos para a reciprocidade tarifária, e seja o que Deus quiser.

Se os empresários não gostarem dessa postura política, que responde a uma ação claramente política de Trump para salvar Bolsonaro da cadeia – totalmente à margem de questões comerciais -, que se virem para encontrar mercados alternativos para seus produtos, a fim de substituir o norte-americano. De fato, na entrevista de quinta-feira à TV Globo, Lula se dispôs, como sempre, a atuar como um caixeiro viajante internacional a fim de abrir novos mercados para o Brasil. Não seria nas circunstâncias atuais que deixaria de fazer isso.

Se os bolsonaristas radicais pretendem ganhar as eleições, esqueçam-se da proteção apenas circunstancial de um Trump envolvido em seus próprios problemas, abandonem a demagogia barata e busquem adquirir a confiança do povo brasileiro mediante propostas concretas para melhorar sua vida. Nós já temos nossos compromissos irrevogáveis. Estabeleceremos, através de arranjos produtivos locais, regionais e vocacionais, que já estamos organizando no País, instrumentos para garantir pelo menos “trabalho, casa, comida, roupa e sapato” para todos os integrantes deles.


*J. Carlos de Assis é jornalista, economista, doutor em Engenharia de Produção, professor aposentado de Economia Política da UEPB, e atualmente economista chefe do Grupo Videirainvest-Agroviva e editor chefe do jornal online “Tribuna da Imprensa”, a ser relançado brevemente.

Foto de capa: Alan Santos/PR

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