Por J. CARLOS DE ASSIS*
O capitalismo ultrassou os limites de uma sociedade onde as pessoas possam conviver harmoniosamente entre si, de forma cooperativa e respeitando valores éticos. Nele predomina a lei da selva, onde o principal objetivo é o consumo conspícuo e a acumulação de riqueza material. Sua forma mais degradada pode ser observada no Brasil, hoje dominado por traficantes, milicianos, políticos corruptos e empresários gananciosos e ladrões.
O socialismo, por seu lado, não atingiu os objetivos idealistas imaginados por seus formuladores originais. Na prática, resvalou para a agressão às liberdades políticas fundamentais e para o desrespeito aos direitos humanos, como aconteceu durante o período stalinista na Europa e em outros países. Mesmo na China atual, onde alcançou seus níveis econômicos e de proteção social mais avançados do ponto de vista material, ainda se conserva como capitalismo de Estado.
O avanço civilizatório implica uma superação desses sistemas como síntese de forças opostas que se confrontam e se esgotam. É o modelo histórico visualizado por Hegel, no plano idealista, e por Marx, no plano material. De fato, a nenhum observador atento escapa a conclusão de que o capitalismo degradado e o socialismo idealista inconcluso acabarão gerando, em seu conflito, um novo momento civilizatório.
No meu entender, esse momento civilizatório é o que chamo de Sociocapitalismo, uma síntese do que restará de melhor, no futuro, dos dois sistemas. Sim, porque a despeito da degradação de um e dos limites do outro, ambos tem algumas características positivas que podem ser aproveitadas e resgatadas. No capitalismo, o que há de bom é a Sociedade Anônima, onde o Capital é um bem comum. No Socialismo, o bem comum é o Trabalho solidário.
O Sociocapitalismo é a integração do Trabalho e do Capital, de forma cooperativa e não conflituosa. Nele o Trabalho e investidores independentes, através de uma Sociedade Anônima, controlam o Capital, em lugar de o Capital controlar o Trabalho, como atualmente. É um avanço, como disse, em relação ao próprio socialismo chinês, já que nele não é o povo ou o trabalhador, e sim o Estado que controla o Capital.
Os embriões do Sociocapitalismo no Brasil são os Arranjos Produtivos. Quase 90 deles já existem em funcionamento no País. Portanto, não é uma ideologia vaga, mas um fato concreto. Podem ser de três tipos: Arranjos Produtivos Locais (APLs), quando limitados a um município; Arranjos Produtivos Regionais (APRs), quando se estendem a uma região com potenciais produtivos similares; e Arranjos Produtivos Vocacionais (APVs), quando integram atividades profissionais comuns num centro urbano (por exemplo, sapateiros ou costureiras).
A organização de uma ampla rede de Arranjos Produtivos dotados de alta tecnologia, com uso intensivo da internet, representaria para o Brasil a arrancada decisiva para o desenvolvimento sustentável de baixo para cima, no contexto de um grande Projeto Nacional apoiado por trabalhadores e lideranças da Sociedade Civil. Digo isso porque, devido a circunstâncias que venho expondo em artigos anteriores, não tenho esperanças de que possamos esperar alguma contribuição ao crescimento econômico de cima para baixo.
Ao contrário, o que tem vindo de cima, ou seja, do Governo, está atrapalhando nosso desenvolvimento. As políticas fiscal e monetária são contracionistas, e constituem uma barreira quase intransponível aos investimentos empresariais. Na verdade, adotadas desde a edição da Lei de Responsabilidade Fiscal por FHC em 1990, e sintetizadas no chamado “arcabouço fiscal” de Lula, estão efetivamente quebrando o Brasil. E continuarão assim, independentemente das próximas eleições, pois há uma convergência absoluta das classes dominantes e da classe política em sua defesa, especialmente agora quando Lula assumiu o neoliberalismo.
Os Arranjos não são, em si, uma alternativa política. Na verdade são uma alternativa para a sobrevivência digna dos trabalhadores que dele vierem a participar diante da possível quebradeira geral por conta da crise financeira visualizada para 2026 e 2027. Esta resultará do inevitável estouro do serviço da Dívida Pública de mais de R$ 1,1 trilhão nos próximos dois anos, impossível de ser coberto pelos sucessivos cortes no orçamento primário já esgotado.
Alguns colocam em dúvida a capacidade profissional dos trabalhadores de organizar e gerir Arranjos Produtivos. Contudo, eles já fazem isso, como empregados. E se acaso não tem essa capacidade, podem recorrer a consultores e assessores externos. A propósito, o grande campo de teste para expansão dos APLs que vejo são as universidades federais que estão literalmente quebradas, como a UFRJ.
Um sistema em que a universidade, ou o Governo, conservasse a propriedade e alugasse seus ativos para o Arranjo, seu gerenciamento por trabalhadores altamente qualificados o tornaria em pouco tempo autossustentável. Os sócios do Arranjo seriam professores, pesquisadores, cientistas, técnicos e pessoal administrativo com efetiva capacidade de realização de projetos próprios ou em parceria com a iniciativa privada, sendo remunerados nos dois casos para isso.
Esses recursos seriam parte da receita operacional dos Arranjos. Outros viriam da criação e exploração de patentes, da assessoria especializada a empresas privadas e da captação de recursos no mercado financeiro – inclusive com a criação de um fundo especial para alunos da classe média que, em troca do ensino gratuito, realizassem aplicações a prazo para financiar equipamentos para sua entrada no mercado de trabalho depois de formados.
Não é preciso acentuar que, com a mão de obra de que dispõe e com a tecnologia que pode criar e incorporar, o Arranjo universitário pode ser altamente eficiente e lucrativo, com indiscutível capacidade de cobrir os custos dos financiamentos realizados por investidores que vier a captar no mercado financeiro.
Do lado do passivo, o Arranjo teria de assumir a responsabilidade por reformas e conservação dos imóveis da universidade. O custo de pessoal seria integralmente absorvido pelos resultados financeiros do empreendimento, e calculado individualmente por uma plataforma digital conectada a um token, para acompanhamento das atividades em tempo real de todo o sistema. Esses resultados seriam distribuídos proporcionalmente ao trabalho realizado e devidamente monetizado para cada sócio.
É claro que estou simplificando as coisas. Entretanto, pode-se fazer um projeto mais detalhado e consistente, no caso da UFRJ – a maior universidade federal do País e com a crise financeira mais aguda -, a fim de apresentá-lo como modelo a outras universidades federais que se encontram na mesma situação precária. Se não procurarem uma alternativa, todas quebrarão junto com o País, pois chegamos ao limite da destruição do Estado Social para pagar o serviço da Dívida Pública.
Para o Governo a solução dos Arranjos Produtivos para as universidades federais seria altamente vantajosa. Sairia de suas costas o financiamento delas pelo orçamento primário, sem o custo social e moral da privatização pura e simples. Esta implicaria o fim da gratuidade na esfera principal do ensino público no País com a cobrança de mensalidades pelos compradores, que imediatamente as tornaria um simples negócio privado.
*J. Carlos de Assis é jornalista, economista, doutor em Engenharia de Produção, professor aposentado de Economia Política da UEPB, e atualmente economista chefe do Grupo Videirainvest-Agroviva e editor chefe do jornal online “Tribuna da Imprensa”, a ser relançado brevemente.
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