Opinião
Impressões sobre o primeiro turno e precauções para a campanha rumo à vitória de Lula
Impressões sobre o primeiro turno e precauções para a campanha rumo à vitória de Lula
De BETÂNIA ALFONSIN*
Em menos de 24 horas passadas do fim do 1º turno da eleição, já tivemos tempo para processar o que aconteceu e podemos partilhar algumas impressões construídas a partir do diálogo que vimos construindo no Comitê pela Democracia, no Observatório das Metrópoles e no BR Cidades.
Embalada pelas favoráveis pesquisas de intenção de voto, a esquerda confundiu o seu desejo de acabar logo com o governo de Bolsonaro com a realidade. Nenhuma pesquisa “cravou” primeiro turno para Lula. Sempre colocaram essa possibilidade dentro de uma margem de erro. A experiência ensina que esse sentimento de “já ganhou” não ajuda time de futebol e muito menos quem está disputando uma eleição como esta, na qual o próprio futuro do país está em jogo. Um pouco do sentimento de derrota que tivemos assim que divulgaram os resultados advém desse salto alto eleitoral.
É preciso, no entanto, sublinhar que ir para o segundo turno à frente de Bolsonaro – que tem a máquina administrativa na mão e a fábrica de fakenews sempre à disposição, com imensa capacidade manipulatória – é uma façanha política invejável. Em um cenário internacional de ascensão da extrema direita, no qual mesmo nos países que a esquerda venceu no último período as batalhas foram muito duras, o desempenho da Frente Brasil da esperança foi extraordinário. Lula é, sem dúvida, o melhor candidato que podíamos ter contra Bolsonaro. Sua força inabalável, de quem venceu a fome, a pobreza, a perseguição política, a prisão e transformou tudo isso não só em capacidade analítica, mas também em puro amor e desejo de “Cuidar do povo” (sic), contrasta com a sordidez e o egoísmo do perverso que governa o país.
É claro que é difícil aceitar que o fascismo não está apenas no time do (des)governo que saqueia o país desde 2018, mas que o fenômeno está enraizado socialmente. Ver uma turma de senadores/as e deputados/as federais eleitos/as que mais parecem um trem-fantasma da extrema direita e da incompetência, é evidentemente assustador. Mas esse fato não pode obscurecer as vitórias que tivemos, o aumento das bancadas do PT e do Psol e a renovação política representada por um número muito maior de parlamentares jovens, negrxs, indígenas, LGBTQIa+ e de pessoas ligadas aos movimentos populares. A diversidade do Congresso Nacional foi incrementada e, em qualquer cenário, esse é um avanço inquestionável para a Democracia.
É importante mencionar que a margem de votos que temos à frente de Bolsonaro não é estreita. As pesquisas erraram na quantidade de eleitores que apoiariam o genocida, mas mesmo assim, a preferência do eleitorado ficou demonstrada de maneira inequívoca com 5% a mais para o projeto de recompor as instituições e resgatar a Democracia ferida. Falta muito pouco, em termos percentuais, para a vitória definitiva sobre a barbárie em curso. Milhões de pessoas se engajaram na campanha eleitoral e milhões manifestaram sua preferência em um projeto de futuro de maior justiça social para o Brasil, mas agora, para alcançar a vitória definitiva que nos tirará do pântano político em que o país foi mergulhado, precisaremos fazer mais.
É certo que estamos cansados e que seria muito bom já ter terminado tudo no dois de outubro, mas essa sempre foi, inclusive, uma improbabilidade estatística considerando o retrospecto da esquerda nas eleições do Brasil. O segundo turno será duríssimo. A militância dos partidos que sustentam a Federação Brasil da esperança e as pessoas que, mesmo não sendo militantes orgânicos de partidos políticos, compreendem a gravidade do que será decidido no segundo turno, terão de se mobilizar de forma mais ativa.
O resultado do primeiro turno é lido de maneiras diferentes pelo campo bolsonarista e pelo campo democrático-popular: enquanto experimentamos um sentimento de derrota por não ter liquidado a fatura no primeiro turno, o campo bolsonarista lê o mesmo fato como uma vitória e, é claro, as vitórias excitam. Eleitores de Bolsonaro não estão apenas com disposição para a campanha, estão com fogo nos olhos e alguns estão armados, como sabemos e como temos visto nas mortes de companheiros como Marcelo Arruda, assassinado em seu aniversário de 50 anos. A campanha de “vira voto” deles pode ser bem violenta. Esses ingredientes colocam uma dose de imprevisibilidade no próximo período, mas o nosso campo precisa confiar nas instituições, na governabilidade do processo pela Justiça eleitoral e, sobretudo, na nossa garra. Não podemos nos render ao medo ou perderemos a eleição.
Precisamos manter todos os 57 milhões de votos que já conquistamos (um número inédito para primeiro turno) e conquistar mais 2 milhões de votos, aproximadamente, para vencer com 50% +1 dos votos válidos. Simone e Ciro fizeram em torno de 7% dos válidos e precisamos de 1/3 desses votos, bem como tentar virar votos destinados, irrefletidamente, a Bolsonaro. Um desafio será combater a abstenção, pois as candidaturas proporcionais são naturalmente mobilizadoras da população no primeiro turno, já que muito mais numerosas.
A vitória não está dada e a tarefa de vencer o segundo turno requer muitos braços, corações e mentes trabalhando de forma tenaz, consciente, focada e incansavelmente. Quem só fez campanha nas redes no primeiro turno, estaria fazendo um grande favor à nação se dedicar algumas horas por semana para o bom e velho “corpo a corpo” que é extremamente poderoso. Precisamos estar dispostos a conversar paciente e amorosamente em nossos territórios, com vizinhos e conhecidos. Cada votinho será precioso e não será com propaganda eleitoral que venceremos essa campanha.
Para manter a onda Lula, será necessário furar bolhas, desconstruir narrativas falsas e profundamente arraigadas no imaginário político do senso comum, como aquela de que “Lula é ladrão”. Será importante para todos/as estudar minimamente o que foram as acusações contra Lula e as absolvições todas que obteve nos processos judiciais, para responder de maneira inequívoca sobre a inocência de Lula, além de lembrar das muitas acusações de corrupção e lavagem de dinheiro que pesam sobre Bolsonaro.
Ainda que não seja um eleitorado homogêneo e que muitos pastores e fiéis estejam com Lula, quem panfletou na rua sabe como é difícil atingir as pessoas que foram doutrinadas em igrejas evangélicas e que é possível reconhecer na abordagem: não é apenas pela maneira sóbria de se vestirem, mas parece haver um “padrão”, inclusive, de rechaçar os materiais com propaganda do Lula. São respeitosos e agradecem com um educado “Muito obrigado”, mas fica claro que parecem ver em quem oferece um panfleto com nossas propostas um representante do demônio que oferece um objeto sujo, impuro, contaminado. Será necessário desenvolver uma forma de quebrar essa barreira impenetrável e que pode representar a parcela do eleitorado que nos tirou o primeiro turno e que pode nos dar o segundo turno. É preciso paciência e amorosidade para lidar com essa população, em sua grande maioria de baixa renda e parca instrução.
Para todos os públicos resistentes, parece importante lembrar da responsabilidade de Bolsonaro pelas mortes na pandemia, pela fome de 33 milhões de brasileiros, pelo aumento do desemprego, pela miséria e pelas mudanças climáticas que causam enchentes e deslizamentos, em função da floresta devastada. A população de baixa renda é bastante sensível ao tema do aumento de preços no supermercado, uma argumentação simples de desenvolver e que dá ao eleitor razões práticas para votar em Lula.
É preciso lembrar à população de que não estamos em um jogo de par ou ímpar. É entre a dignidade do nosso povo e a barbárie irreversível. Esta é a eleição mais importante de nossas vidas e o seu resultado é central para a esquerda em todo o mundo.
Vamos juntxs, com coragem e determinação militante!
*Doutora em Planejamento Urbano e Regional, membro do Conselho diretivo do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico e associada do Comitê pela Democracia e pelo estado democrático de Direito.
Imagem em Pixabay.
As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.
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