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AO COLLARES, COM CARINHO!

AO COLLARES, COM CARINHO!

Artigo por RED
24/12/2024 17:05 • Atualizado em 24/12/2024 17:42
AO COLLARES, COM CARINHO!

Por JOSÉ FORTUNATI*

Em nome do professor Benedito Tadeu César e de todos os colaboradores da RED – Rede de Estação Democracia desejo prestar uma homenagem ao amigo, grande homem público e que marcou profundamente a política gaúcha nos últimos 50 anos: Alceu de Deus Collares, o nosso primeiro Governador negro eleito na história do Rio Grande do Sul. De Bagé veio para Porto Alegre para cursar a Faculdade de Direito da UFRGS. Foi Vereador, Deputado Federal por vários mandatos, onde defendia medidas duras contra a ditadura militar e uma maior distribuição de renda. Em 1986, Collares foi eleito Prefeito de Porto Alegre, quando rompeu um convênio com o Governo do Estado em relação às escolas públicas. Até a posse de Collares a combinação entre a Prefeitura e o Governo do Estado era a de que o município colocava à disposição os terrenos e o Estado construía e ficava responsável pela gestão da escola. A partir do seu Governo, Porto Alegre começou a montar o seu próprio sistema de ensino. Também foi responsável pela criação dos Conselhos Populares dos bairros, um embrião do futuro OP _ Orçamento Participativo.

Na condição de Governador, investiu fortemente na área da educação com a construção de CIEPs – Centros Integrados de Educação Pública e tentou adotar o “calendário rotativo”, motivo de grande desgaste popular. Criou os Conselhos Regionais de Desenvolvimento (COREDES), como forma de descentralizar e democratizar a administração do Estado.

O resumo acima é apenas para caracterizar a preocupação de Collares com a Democracia, com a Participação Popular, e, especialmente com a área da educação.

Conheci pessoalmente e comecei a conviver social e politicamente com o Collares no final da década de 1970 quando eu participava do Sindicato dos Bancários e, ele, Deputado Federal. Passamos a ter um maior contato em 1986 quando assume a Prefeitura de Porto Alegre e passa a dialogar com os bairros populares. A relação com ele se aprofunda a partir da minha filiação ao PDT, em
2001. Passamos a conviver intensamente quer na Executiva Estadual do partido ou nos processos eleitorais seguintes.

Aprendi, desde então, a conhecer e a respeitar ainda mais o Collares, um dos oradores mais empolgantes que encontrei em minha vida pública, com um estilo muito próprio, brandido com um vozeirão característico, com gestos largos e esparsados, entremeando o discurso com poesias gauchescas e, especialmente o poema O Voto e o Pão, sempre pedindo para a plateia repetir em voz alta o estribilho “O voto é a tua única arma, põe o teu voto na mão”.

Era um democrata e fazia questão de cumprir a vontade decidida pela maioria. Em 2008 o então Prefeito José Fogaça convida o PDT para compor a chapa para a sua reeleição, apontando para o meu nome como candidato a Viceprefeito. Imediatamente, o Collares me procurou afirmando não ser nada pessoal, mas ele entendia que o PDT deveria ter uma candidatura própria para a Prefeitura. A executiva municipal do PDT decidiu ouvir os filiados. Apesar de todo o empenho do ex-Governador, a tese que defendia que deveríamos aceitar o convite do Fogaça foi vitoriosa. Collares não hesitou e imediatamente me comunicou que passaria a fazer campanha para a nossa dobradinha. Postura de um grande democrata.

Sabemos que no nosso Estado a questão racial é estrutural, existindo manifestações que nos deixam tristes e revoltados. Acompanhando o Collares, especialmente na sua candidatura ao Governo no Estado, no ano de 2006, percebi que as reações negativas iniciais, por ser negro, eram rapidamente modificadas após as preleções do Collares. Ele lidava muito bem com a questão do preconceito. Me lembro que estávamos visitando o comércio de uma cidade do interior quando um sujeito, em tom provocativo, gritou da calçada: “vai pra casa negrão”. O Collares saiu rapidamente da loja em direção ao sujeito e ficamos temendo pelo pior. Se aproximou de cara fechada e falou em alto e bom tom: “exijo respeito. Negrão, não. Doutor Negrão”. Esta postura sempre desarmava os espíritos maus e uma agressão era rapidamente driblada pelo ex-Governador.

Durante o período em que estive no PDT convivendo intensamente com o ex-Governador, Leonel Brizola, percebi que somente o Collares, nas discussões internas do PDT, ousava ter uma postura de enfrentamento com o comandante, procurando fazer valer a sua posição. Em 2002 fui escolhido, numa convenção histórica do PDT, como candidato ao Governo do Estado. Durante a campanha, quando o embate maior era entre o Tarso e o Brito, em que eu e o Rigotto aparecíamos muito distantes dos dois, o Brizola convoca a Executiva Estadual do PDT para uma reunião de emergência no Rio de Janeiro. Nos deslocamos para o Rio e no próprio Aeroporto do Galeão realizamos o nosso encontro. Como era habitual o Brizola fez uma longa exposição da disputa eleitoral nacional, momento em que a candidatura do Ciro Gomes se encontrava num crescendo, apoiado também pelo PDT. Ao final o Presidente Nacional faz uma das suas famosas pausas e “pondera” que não deveríamos ter uma candidatura própria, mas alicerçarmos o nosso apoio a candidatura de Antônio Brito, então no PPS, mesmo partido de Ciro Gomes. Ao término da fala de Brizola, pedi a palavra e afirmei: “Se o senhor entende que este é o melhor caminho, estou retirando a minha candidatura”. Antes que eu terminasse a frase o Collares bradou: “não desiste, não”, “não desiste não” repetiu olhando firmemente para o Brizola. O Comandante simplesmente fez que não ouviu o Collares e afirmou: “então está decidido. Vamos apoiar o Brito” dando por encerrada a questão. O Collares se levantou e foi conversar duramente com o Brizola. Mas, em poucos minutos tudo estava em paz.

São alguns dos tantos exemplos que poderia citar para demonstrar a grandeza desta figura que se tornou emblemática no RS. “Um vendedor de laranja, que se tornou Governador” costumava ele lembrar. Um grande defensor do Estado Democrático do Direito, lutador das causas sociais, um apaixonado pela área da educação, um orador cativante como poucos, um grande homem público, um guerreiro que sempre lutou pelas boas causas.

Espero que Deus (o velho lá de cima, como dizia o Collares) o acolha na sua plenitude e dê conforto a amiga Neuza Canabarro, os filhos Antônio e Adriana, e a Celina, sua enteada.

Collares já faz falta entre nós.

* José Fortunati – Foi Deputado Federal, Secretário de Estado da Educação RS, por dois mandatos, Deputado Federal e por dois mandatos Prefeito de Porto Alegre.

Foto: Alceu Collares (foto: André Ávila/CP Memória)

 

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