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De A a Z, um resumo do ano político de 2024
De A a Z, um resumo do ano político de 2024
Por RUDOLFO LAGO* do Correio da Manhã Brasília
O ano de 2024 ficou marcado por uma disputa tão intensa entre os três poderes da República que ela fez aflorar mesmo o sentimento do ódio. O Supremo Tribunal Federal (STF) foi alvo de um atentado a bomba no dia 13 de novembro. O autor da tentativa, Francisco Wanderley Luiz, um catarinense conhecido como Tio França, que tentou se eleger vereador na cidade de Rio do Sul, acabou sendo a única vítima. Ele se explodiu com a bomba que pretendia jogar.
O gesto de ódio é o extremo da complicada relação entre os poderes. Ódio em parte motivado pelo avanço das investigações que apontam para uma tentativa de golpe por parte de integrantes do governo anterior, do ex-presidente Jair Bolsonaro. Apuração que provoca a reação de apoiadores, que julgam que o Judiciário extrapola de suas funções.
Relação complicada que chega também ao Legislativo. Ao longo do ano, o STF, especialmente o ministro Flávio Dino, tentou barrar a liberação de emendas parlamentares ao orçamento que carecem de transparência e chances de rastreabilidade. O Congresso, por sua vez, desafia as ordens do Supremo. E sobra para o Executivo. A cada votação de interesse, mais e mais emendas precisam ser liberadas. Ao longo do ano, foram mais de R$ 50 bilhões de recursos orçamentários liberados. Um recorde absoluto.
O Correio da Manhã preparou um abecedário que resume os princípios fatos políticos do ano. De A a Z, veja abaixo o que aconteceu na política brasileira:
Arthur Lira
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), foi o grande nome do embate entre os poderes. Líder do Centrão, dono da chave do cofre das emendas orçamentárias que o STF contesta, ele comandou o processo legislativo. Quando precisou reagir a bloqueios e outras insatisfações, travou a pauta de votação. Quando viu os cofres orçamentários serem abertos, deu andamento às votações. Lira termina o ano como alvo do inquérito que Flávio Dino mandou abrir para investigação a liberação de emendas. Em fevereiro, deixará de ser presidente da Câmara. Mas deverá continuar exercendo liderança sobre os deputados.
Braga Netto e Bolsonaro
O candidato a vice-presidente a chapa de Jair Bolsonaro, derrotada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2022, é o primeiro general de quatro estrelas preso por uma determinação da justiça comum. A prisão de Braga Netto aperto o cerco da investigação contra Bolsonaro e os acusados de terem tramado um golpe de Estado contra o país. Ele é apontado como o principal líder do movimento, que teria, inclusive, tramado o assassinado do presidente Lula, de seu vice, Geraldo Alckmin, e do ministro do STF Alexandre de Moraes. Teria ainda entregue dinheiro aos chamados “kids pretos”, militares de elite envolvidos no golpe. A letra B terá dois nomes. Se Braga Netto é o principal alvo agora, muito provavelmente o ex-presidente Jair Bolsonaro será o grande alvo das investigações no ano de 2025.
Campos Neto
Não foram poucas as vezes durante o ano que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva destilou seu ódio contra o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Indicado ainda por Bolsonaro, Campos Neto, que é neto de um dos ícones do pensamento de direita, o ex-senador e economista Roberto Campos, é o principal nome por trás da política monetária do Banco Central que, durante o ano, elevou fortemente as taxas de juros, para manter a inflação sob controle. Campos Neto deixa o banco no dia 1º de janeiro. Será substituído por Gabriel Galípolo, que Lula indicou. A pergunta é: Galípolo conseguirá manter juros mais baixos?
Dólar
No dia em que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou o pacote de corte de gastos, o dólar ultrapassou a casa dos R$ 6. Foi a reação o mercado ao anúncio, considerado tímido, incapaz, talvez, de conseguir fazer todos os cortes necessários. No curso das negociações, chegou a bater R$ 6,30. Voltou depois a patamares mais baixos, mas encerra o ano sem descer desse patamar de seis. Para muitos, a reação do mercado é desproporcional, uma vez que o país vem crescendo e há outros indicadores positivos da economia.
Economia
É famosa a frase de James Carville, que foi assessor do ex-presidente dos Estados Unidos Bill Clinton: “É a economia, estúpído!”. A ideia em torno da frase é que é a economia que resume todos os humores da sociedade. Se a economia vai bem, o governo vai bem. Quando vai mal, o governo vai mal. As incertezas em torno dela, com indicadores positivos, como o crescimento, e negativos, como a inflação, marcaram 2024.
Fernando Haddad
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, segue sendo o nome mais importante do governo. Haddad já foi mais popular no mercado e no Congresso. Mas recente pesquisa do Instituto Quaest aponta que somente ele, além de Lula, poderia vencer todos os adversários testados numa eventual eleição presidencial. Se Lula segue sendo o nome para 2026, Haddad fortalece-se como eventual alternativa. Mesmo com todos os desafios na economia.
Geraldo Alckmin
O vice-presidente vem fazendo o perfil discreto, como se espera de um vice-presidente. Mas, no comando do Ministério da Indústria e Comércio, segue sendo o nome preferido de industriais e empresários no governo. Seu partido, o PSB, foi o que teve a melhor performance na eleição municipal no campo da esquerda. É uma sombra. Talvez por isso Lula tenha resolvido não passar a Presidência para ele enquanto convalescia da cirurgia a que se submeteu como consequência de uma queda no banheiro do Palácio da Alvorada.
Hacker
Walter Delgatti, o hacker de Piracicaba, tornou-se réu, juntamente com a deputada Carla Zambelli (PL-SP), por invadir arquivos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A deputada contratou o hacker para tentar provar que o sistema do Judiciário era frágil. Ele invadiu e falsificou documentos. Ele e a deputada acabaram descobertos.
IVA
O Imposto sobre Valor Agregado (IVA) é a chave da mudança com a reforma tributária. Integra o Brasil ao modelo hoje mais usado no momento. O novo imposto sobre o consumo é cobrado no destino, ao final da cadeira, apenas uma vez. No caso brasileiro, a reforma prevê que virá de forma dual. Os estados e municípios cobrarão o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). A União, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS).
Juros
No dia 11 de dezembro, o Comite de Política Monetária (Copom) do Banco Central fixou a taxa de juros em 12,25%. É uma das mais altas do mundo. O Copom justifica a taxa como necessária para conter a inflação, uma vez que o dólar ultrapassou a casa dos R$ 6 e impacta nos preços. Lula e a esquerda, no entanto, rejeitam e criticam fortemente tal política.
Kassab
O presidente do PSD, Gilberto Kassab, foi o grande vitorioso das eleições municipais deste ano. O PSD foi o partido que elegeu o maior número de prefeitos no país. Kassab consegue oscilar entre o governo e a oposição. Ao mesmo tempo que tem três ministros com Lula, é hoje o secretário de Governo de São Paulo, administrado por um dos principais nomes da oposição, Tarcísio de Freitas (Republicanos). Será um dos principais fieis da balança na eleição em 2026.
Lula
Chegando ao final da primeira metade do seu mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva personifica a divisão do país. Recente pesquisa do Instituto Datafolha revela que 35% dos brasileiros aprovam seu mandato, considerando a sua gestão boa ou ótima. E 34% rejeitam, conferindo à gestão ruim ou péssimo. Ou seja, dois anos depois das eleições de 2022, o sentimento polarizado do país quanto a Lula permanece.
Mercado
A entidade invisível que integra bancos e outras instituições financeiras, concentrada especialmente na Avenida Faria Lima, em São Paulo, tornou-se o alvo de todas as insatisfações do governo, especialmente da sua parcela mais à esquerda. Eles atribuem ao mercado uma visão negativa demais da economia brasileira, que hoje estaria atrapalhando o crescimento do país e o aumento da popularidade do governo.
Novas regras
As novas regras tributárias serão implementadas de maneira escalonada. E mesmo parte da reforma dos impostos de consumo ainda precisa ser aprovada pelo Congresso. Mas a expectativa é que o novo desenho tributário já comece a impactar positivamente a economia em 2025.
Orçamento
O controle do orçamento da União foi o grande embate político do ano. O governo perdeu para o Congresso grande parte da sua capacidade de destinação. Em contrapartida, as emendas foram liberadas com pouca transparência, originando diversos escândalos e sendo o cerne do embate entre os poderes. Ao longo de 2024, foram liberados mais de R$ 50 bilhões em emendas parlamentares ao orçamento.
Pecado
Além dos dois impostos que, a partir de 2033, comporão o IVA brasileiro, a reforma tributária estabeleceu também o Imposto Seletivo. Também conhecido como “Imposto do Pecado”. Para alguns produtos que causam mal à saúde e ao meio ambiente, será cobrada uma alíquota de imposto mais alta.
Quórum
Obter o quórum necessário nas votações de interesse foi o grande desafio do governo. Arthur Lira jogou na cara do governo que a sua base fiel hoje representaria no máximo 12% dos deputados. Para obter o restante, Lula precisa negociar. Com o Centrão. À custa de muita liberação orçamentária.
Reforma tributária
Ainda que na prática só venha a entrar integralmente em vigor em 2033, a reforma tributária é o grande legado do Congresso no ano que termina. Ainda que complexa e longe do que seria ideal, a reforma simplificará o sistema de cobrança de impostos sobre o consumo.
Senado
Se o governo Lula teve embates mais duros na Câmara durante o ano, a relação com o Senado, sob a condução do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), foi mais suave. É uma situação que talvez se inverta em 2025. O próximo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), é tido como mais suava que seu antecessor, Arthur Lira (PP-AL). Em contrapartida, o sucessor de Pacheco, Davi Alcolumbre (União-AP), é considerado mais duro.
Tio França
No dia 13 de novembro, o empresário catarinense Francisco Wanderley Luiz explodiu-se em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF). Conhecido como Tio França, Wanderley fora candidato a vereador em sua cidade, Rio do Sul, pelo PL. Tio França teve traumatismo encefálico quando a bomba que segurava, e levava para junto da estátua da Justiça na Praça dos Três Poderes, explodiu. Também explodiram artefatos dentro de um carro que ele estacionou próximo ao STF.
União
Eis uma palavra ausente em 2024. A Constituição estabelece que os poderes da República precisam ser independentes e harmônicos entre si. Muitos reclamam que um poder interferiu sobre os outros, reduzindo a independência dos demais, especialmente o Judiciário. E harmonia foi tudo o que não se viu.
Violência
Num ano em que um atentado a bomba ocorreu em frente ao STF, infelizmente, a violência política continuou sendo uma triste marca para o país.
Xandão
Ao mesmo tempo relator do inquérito e uma das vítimas da tentativa de golpe de Estado, Alexandre de Moraes, que seus detratores apelidaram de Xandão, é o centro tanto dos amores quanto dos ódios movidos ao Supremo Tribunal Federal. Ele personifica o delicado momento político do país e a complicada relação entre os poderes.
Zambelli
Embora o general Walter Braga Netto seja o nome mais visível entre os implicados pela Justiça em 2024 pelos atos antidemocráticos, o ano também não foi bom para a deputada Carla Zambelli. Ela tornou-se ré por porte ilegal de arma, no episódio em que correu na rua contra um militante petista de arma em punho. Ela ainda responde pela contratação do hacker que invadiu arquivos do Judiciário.
*Rudolfo Lago é jornalista do Correio da Manhã / Brasília, foi editor do site Congresso em Foco e é diretor da Consultoria Imagem e Credibilidade
Publicado originalmente publicado no Correio da Manhã
Foto de capa: Alexandre de Moraes personificou os sentimentos da sociedade quanto ao STF | Lula Marques/ Agência Brasil
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