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Carta de Paulo Sérgio Pinheiro à Fundação São Paulo sobre convocação dos professores Reginaldo Nasser e Bruno Huberman acusados de antissemitismo
Carta de Paulo Sérgio Pinheiro à Fundação São Paulo sobre convocação dos professores Reginaldo Nasser e Bruno Huberman acusados de antissemitismo
Genebra, 22 de novembro de 2024
Sra.Rosangela Sanson
DD.Ouvidora
Fundação São Paulo
R. João Ramalho, 182 – Perdizes, São Paulo – SP, 05008-000
fundacaosaopaulo@fundasp.org.br
Senhora Ouvidora,
Tomei conhecimento pela mídia que meus eminentes colegas na PUC-SP, Professor Reginaldo Nasser e Professor Bruno Huberman, do curso de Relações Internacionais naquela instituição, foram convidados a darem explicações ao setor de Ética e Integridade da Fundação São Paulo, a respeito de acusação de antissemitismo por parte de alguns alunos.
Em vez de submeter os professores Nasser e Huberman a esse vexame público ao alardear essa convocação a Fundação deveria se orgulhar em ter no quadro docente da PUC~SP dois entre os poucos mais conceituados especialistas no Brasil em relações internacionais com ênfase sobre a conjuntura no Oriente Médio. Faz anos que leio e acompanho com o maior interesse as pesquisas e as obras dos dois professores. Assim como sua brilhante docência para os estudantes na Universidade, que acompanho em detalhe nos últimos quatro anos pois dois netos meus, Mateus Pinheiro Lanhoso e Sofia Pinheiro Lanhoso que tiveram o privilégio de terem Nasser e Huberman como professores.
A Fundação em vez de demagogicamente aceitarem as denúncias de alguns estudantes, que confundem análise e pesquisa acadêmica do sistema de apartheid israelense e das práticas da política sionista do Estado de Israel com antissemitismo, deveriam levar em conta a obra dos dois professores. Ali veriam que todas suas aulas e publicações se mantém rigorosamente dentro das análises e decisões dos órgãos da ONU. Menciono apenas as decisões da Corte Internacional de Justiça que definem como ilegal a ocupação do Estado de Israel dos territórios palestinos e como plausível o genocídio dos palestinos em curso.
A Fundação com essa convocação dos dois professores assume de forma sensacionalista as acusações equivocadas e caluniosas de estudantes que confundem crítica às policy e politics do Estado de Israel com antissemitismo, cerceando por completo a liberdade de expressão de uma maneira inaceitável.
O Estado de Israel não está acima das obrigações internacionais e não pode praticar violações a tratados e convenções do direito internacional dos direitos humanos e do direito internacional humanitário. Não pode querer transformar todas as críticas à suas políticas em atos antissemitas tentando se tornar imune a qualquer forma de crítica, contestação ou condenação, como as que têm sido emitidas pela Corte Internacional de Justiça, Tribunal Penal Internacional , da Assembleia Geral da ONU, do Conselho de Segurança da ONU, Secretário-Geral da ONU, Alto Comissariado de Direitos Humanos ,Alto Comissário para Refugiados, meus colegas relatores especiais de direitos humanos e comissões de investigação do Oriente Médio.
Esse acolhimento pela Fundação das acusações dos estudantes aos dois professores parece ter como objetivo silenciar a crítica a Israel e ao sionismo igualando-a ao antissemitismo.
Essa atitude que visa silenciar toda defesa dos palestino tem sido empregada em muitos países, e agora aqui na PUC-SP ,como um golpe para suprimir a liberdade acadêmica. Dezenas de organizações palestinas, israelenses, da sociedade civil e de direitos humanos de todo o mundo, bem como acadêmicos, escritores tem condenado o impacto antidemocrático e repressivo desse amálgama entre antissemitismo e crítica aos crimes contra a humanidade e crimes de guerra do Estado de Israel, como há dias deliberou o Tribunal Penal Internacional.
Diante desses fatos, como membro da Comissão Justiça e Paz de São Paulo ,criada pelo Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, antigo presidente da Fundação São Paulo, e como Assessor Especial do governador de São Paulo Franco Montoro , homenageado no edifício sede desta Fundação ,diante dessa convocação ofensiva para “explicações” dos docentes Nasser e Huberman sinto- me deprimido e enojado.
Tais patronos extraordinários, como Dom Paulo e Montoro, que lutaram a vida toda pela dignidade e pela defesa das vítimas de direitos humanos, jamais teriam tolerado esse atentado desprezível contra a reputação ilibada e admirável competência dos professores Reginaldo Nasser e Bruno Huberman
Atenciosamente
Paulo Sérgio Pinheiro
Professor titular de ciência política, USP (aposentado)
Doutor honoris causa, UNICAMP
Relator Especial de Direitos Humanos da ONU/Presidente da comissão independente internacional da ONU de investigação sobre a República Árabe da Síria, Genebra, desde 2011
Ex-Ministro da Secretaria de Estado de Direitos Humanos, governo FHC
Ex- Assessor Especial, com status de secretário de estado, do governador Franco Montoro.
Foto de capa: Reprodução
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