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Daddy is home e as instituições brasileiras: ligações perigosas?

Daddy is home e as instituições brasileiras: ligações perigosas?

Internacional por RED
25/11/2024 18:00 • Atualizado em 24/11/2024 20:43
Daddy is home e as instituições brasileiras: ligações perigosas?

Por MARILIA VERÍSSIMO VERONESE*

Na campanha eleitoral que elegeu D. Trump presidente dos Estados Unidos, foi vendida uma camiseta estampada com os dizeres daddy’s home (o papai está em casa) na frente da Casa Branca. Esta peça publicitária é digna de uma análise semiótica à lá Roland Barthes, que era craque em analisar imagens com legendas, a exemplo da que fez com o anúncio das “Massas Panzani”, famoso entre estudiosos do campo.

Ao denotar Trump na Casa Branca chamando-o de papai, a peça eleitoral conota que um “pai protetor” estará em casa, presente para “proteger” seus “filhos” norte-americanos, evocando uma ideia patriarcal de proteção sob um líder carismático. A mensagem é problemática de várias formas, mas principalmente porque é falsa.

É bom ter pais presentes em casa cuidando dos filhos (alô Congresso brasileiro, trabalhando em escala 6×1 nenhum pai [nem mãe], consegue estar em casa tempo suficiente!), só que esse pai simbólico sugerido pela propaganda eleitoral é na verdade um psicopata de extrema-direita, que veicula xenofobia, racismo e sexismo em cada palavra proferida. Negacionista, trambiqueiro, “já foi levado ao tribunal por enganar fornecedores, banqueiros e até sua família; não pagou impostos por anos; sua imobiliária foi fechada por crimes fiscais; se gabou de agarrar partes íntimas das mulheres; foi acusado de trair suas três esposas; foi acusado de má conduta sexual por duas dúzias de mulheres, sendo condenado civilmente por estupro; tentou se manter no poder com base em uma mentira descarada de fraude eleitoral.” (https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2024/10/23/ficha-criminal-de-trump-e-gigante-por-que-isso-nao-afeta-eleicao.htm?cmpid=copiaecola).

Ou seja, um bilionário picareta que fascina multidões, em uma sociedade que cultua a riqueza e a ostentação como símbolos de mérito pessoal. Populista de extrema-direita, Trump inventa um “povo americano” como massa homogênea, que ele saberia reconduzir à grandeza e à prosperidade.

Nada de pai honesto e protetor, mas sim um homem desonesto e violento, perigoso e autoritário. Foi escolhido por alguma maioria popular e significativa maioria no colégio eleitoral, estando legitimado em seu programa absurdo (o sistema eleitoral dos EUA é uma maluquice que não representa necessariamente a maioria, diga-se de passagem; mas desta feita, representou). E os/as eleitores/as têm agência, caros e caras leitoras. Ou seja, deram um recado, o de que realmente desejam ser governados por este indivíduo, que é também um negacionista climático e científico. As pessoas parecem achar que truculência, masculinidade violenta e extrema riqueza (mesmo que adquirida com métodos ilícitos) combinadas são sinal de mérito e potencial solução dos problemas de uma nação, gerando “ordem”. Só que… não! Geram é mais desordem, confusão, violência, segregação e problemas.

Até aí nada de novo, não é? Mas o que isso tem a ver com as nossas instituições? Explico o título deste texto: vou relacionar a eleição no império americano em declínio (que escolheu seu novo imperador contando entrar em ascenso novamente) com o crime ocorrido no aeroporto de Guarulhos e as nossas instituições políticas e de segurança pública.

O “empresário” executado aqui, Antonio Gritzbach, era um trambiqueiro muito rico, chamado de empresário porque não diferenciamos empresários sérios de trambiqueiros endinheirados. Se ganham muito dinheiro, serão bajulados e escaparão da lei, podendo até virem a ser votados e eleitos com expressiva votação, dada a admiração que provocam por aí… para encarcerar em massa, castigar e massacrar, só os pobres e favelados, em sua maioria negros. O chão-de-fábrica do crime.

A batalha discursiva simplista e dicotômica fica entre prender em massa ou soltar bandidos de baixa letalidade, o que resulta em uma direita política que ganha o debate público com a tola falácia de que “a esquerda defende bandido”. Ora, justamente por não defender, a esquerda prefere que não alimentemos o crime organizado com mais e mais bandidos, que é o resultado da falida política de encarceramento em massa. Muito melhor seria investir em ressocialização dos que cometem delitos de baixa gravidade e em inteligência policial, em investigação séria. Isso porque já foi demonstrado que truculência, mortes na periferia e encher as prisões de meninos por causa de 40 gramas de maconha, tratando-os com crueldade, faz com que eles sejam imediatamente recrutados pelas facções criminosas, engordando suas fileiras. As facções dominam as prisões, por um misto de incompetência e corrupção policial e jurídica das nossas instituições. Prender gente pobre que pouco risco oferece à sociedade lhes fornece farta mão de obra e expansão dos “negócios”.

Tarcísio de Freitas apregoa estar resolvendo os problemas de São Paulo tirando as câmeras da farda da polícia militar, dando-lhes licença para matar o chão-de-fábrica do crime, enquanto os delatores premiados são assassinados à luz do dia no aeroporto internacional de Guarulhos, em clara queima de arquivo entre poderosos. Ou seja, a licença para matar e a desumanização dos agentes de segurança pública causam é mais desordem, e não mais ordem. Mais risco e menos segurança. Quem defende essa falida política de mais e mais prisões, de polícia mais e mais violenta e letal, é na verdade quem gosta de bandido.

O PCC já matou juízes, políticos, ex-integrantes… essa dinâmica faz alguns pesquisadores do tema dizerem que já somos um narcoestado. Nas últimas quatro décadas, estivemos alimentando as facções criminosas com milhares e milhares de “peões” para o crime organizado. Elas cresceram, beneficiando agentes públicos e privados que lucram com o ilícito, enquanto escapam da lei. O mercado ilegal cresceu muito, absorvendo os delinquentes, virando-os em operadores ativos em todas as instâncias da sociedade, um exército disponível e facilmente substituível.

Essa desordem social reflete-se nas instituições, criando um quadro muito confuso e capitalizado pela extrema-direita, pois é mesmo difícil de interpretar. Já não se sabe mais em quais membros do poder judiciário acreditar ou confiar; portanto, as pessoas vão confiar em quem os seus afetos e emoções ditarem, não tendo repertório intelectual para discernir. Não acessando fontes confiáveis como pesquisadores/as sérios e independentes, tendem a buscar aqueles que são recomendados por políticos “pais protetores fortes e truculentos a favor da família” ou pastores exercendo o mesmo papel, produzindo e alimentando afetos intensos, medos e ódios.

Viram como voltamos ao Trump papai-está-em-casa? Pois, como dizem os portugueses. Esse é o meu ponto. Há conexões, ligações perigosas entre o e o . Tudo temperado com uma dose altíssima de ideologia patriarcal, ao sul e ao norte.

Meu argumento é que esse caos institucional, esse modelo caro e ineficiente na política de segurança pública favorece os discursos radicalizados da extrema-direita. A (in)segurança pública no Brasil consome bilhões de recursos públicos e o quadro só piora. Como diz o professor Gabriel Feltran (pesquisador do tema e autor do livro Irmãos: Uma história do PCC) o CV antes não entrava no comércio internacional de drogas, o que o PCC passou a fazer em larga escala, gerando milhões (lembram da cocaína no avião presidencial do mandatário anterior? Tem “gente graúda” envolvida, como se sabe). Os caras se misturaram com as milícias, entraram na política e… o resto é a história recente do nosso país.

Quase um milhão de pessoas presas no Brasil, mais 5 milhões de ex-presidiários, a quem se somam suas famílias e comunidades… é muita gente vivendo sob controle territorial armado de facções e milícias. Essa tragédia é produzida e mantida pelo modelo de Segurança caro, corrupto e que não funciona, mas que é ferozmente defendido por quem dele se beneficia, ou por quem é engambelado por discursos de “eu não defendo bandido, tem de prender ou matar todos”. Olha, se você vota por manter a fúria encarceradora, desculpe, mas defende bandido sim. Ajudou a criar primeiro o CV, depois o PCC e muitos outros grupos criminosos, que diversificaram seus “negócios” e ampliaram seu alcance político, social e econômico. O dinheiro do tráfico de cocaína é o que estava na conta de bitcoin do “empresário” executado, ainda conforme o referido pesquisador. Há 4 PMs afastados, suspeitos de terem facilitado o assassinato. Ligações perigosas entre polícias, militares, políticos à direita e bilionários…

Todos esses bilhões servem também para financiar a dominação ideológica, a difusão de ideologias conservadoras ou reacionárias, patriarcais, sempre em busca de voltar a um suposto passado idílico que só existe em suas mentes doentias. O mundo sempre esteve em transformação, a novidade é essa estapafúrdia união entre bandidos, bilionários, donos de plataformas/redes sociais, políticos, pastores e padres reacionários e empresários do crime que ostentam luxo e riquezas. Sem esquecer os “influenciadores”, claro; e há quem ocupe alguns desses papéis conjuntamente.

Leio agora, antes de fechar este texto, que o imperador-papai-recém-eleito já contratou Elon Musk – o controlador do algoritmo que faz cabeças e transforma mentiras em verdades – para um cargo em seu futuro governo. Pronto. A ferida narcísica do masculino que se acha vítima num mundo em transformação vai agora ser lambida com muitos bilhões e muita engambelação cultural “anti-woke”. Não sabe o que é? Aguarde meu próximo texto: vamos falar um pouco mais sobre isso, como pedia o Dr. Freud.

Até lá!

 

*Marilia Veríssimo Veronese é  Doutora em Psicologia Social, professora e pesquisadora.

Ilustração de capaReprodução

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