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A política imigratória dos Estados Unidos
A política imigratória dos Estados Unidos
Por WAGNER SOUSA*
Os Estados Unidos são o país que mais recebeu imigrantes na história. Em 1798 estabeleceu o Aliens Act and Aliens Enemy que previa expulsão de estrangeiros considerados perigosos e que viessem de países que entrassem em confronto com os Estados Unidos. No século XIX os imigrantes foram fundamentais para trabalhar nos territórios recém conquistados no Oeste. Uma imigração fundamentalmente de europeus. No final do século XIX era a indústria, e não mais a terra, a principal fonte de atração de imigrantes, e estes foram buscados especialmente na Europa. A vitória do norte antiescravagista na Guerra de Secessão (1861-1865) favoreceu os imigrantes europeus, preferidos em relação aos trabalhadores negros. No entanto, a massa de imigrantes brancos que veio com a industrialização gerou desemprego em partes do país e fortaleceu o sentimento xenofóbico em relação a estes que chegavam. Então, não apenas os negros (embora, evidentemente, principalmente pela escravidão, e também após o término de sua vigência, tenham sofrido as piores consequências do preconceito) enfrentavam a discriminação, como também brancos de várias origens.
A legislação de imigração após a Primeira Guerra Mundial foi escrita com conteúdo claramente racista e deu preferência aos imigrantes europeus ocidentais, preferencialmente os do norte do continente. O objetivo era manter a “homogeneidade racial”. Até 1870 a obtenção de cidadania norte-americana estava restrita aos homens brancos. Apenas a partir de 1952 foi possível aplicá-la a não-brancos. Contudo, os mexicanos permaneceram à parte nessa política, tinham um “regime diferenciado”, pois eram essenciais para a agroindústria do sul. Este regime foi o Bracero Program. Para os norte-americanos a vantagem estava no fato de que, por esse programa, os mexicanos poderiam ser facilmente repatriados. Esta legislação demonstra o status do trabalhador mexicano nos EUA: é atraído quando a economia necessita de sua mão-de-obra e pode ser descartado, se necessário. A imigração legal e ilegal foi estimulada, até os anos 1950. Quando a conjuntura econômica não se mostrou tão favorável, os mexicanos em solo estadunidense, muitos não integrados à economia, centenas de milhares, foram presos e deportados.
Esta questão tem menos divergências no establishment bipartidário dos EUA do que aparenta, à primeira vista. Foi no governo do democrata Bill Clinton, em 1994, que se iniciou a construção do muro na fronteira com o México, que Donald Trump, a partir da campanha para o primeiro mandato, iniciado em 2017, defendeu ampliar e reforçar. A partir dos atentados de 11 de setembro de 2001, no governo de George W. Bush, e a elevação da segurança à condição de prioridade número um, aumentaram sensivelmente as verbas (aumento de 34 bilhões de dólares em fins de 2006) para controle das fronteiras.
Embora muito se fale sobre a política imigratória de Donald Trump, abertamente hostil a estrangeiros, com destaque para latinos e muçulmanos, o legado de Barack Obama na área de imigração é controverso. Obama tentou aprovar uma reforma na legislação de imigração (o que foi bloqueado pela maioria republicana no Congresso) e através da DACA (Deferred Action for Childhood Arrivals) empreendeu ação que protegeu imigrantes sem documentos residentes nos Estados Unidos desde a infância, os chamados DREAMERS. Esta última medida permitiu que 740.000 jovens estudassem e trabalhassem nos Estados Unidos, o que também contribuiu para a arrecadação tributária do país. É comum ouvir dos críticos à imigração a respeito dos custos que estrangeiros representam ao país, porém, estes integrados ao mercado de trabalho, geram mais renda e impostos do que custos. A integração dessas pessoas é positiva para a economia do país. E esta questão envolve importante aspecto humanitário.
O governo de Barack Obama deportou imigrantes em nível recorde e avançou nas ações criminais envolvendo estes, que embora tivessem como foco os crimes graves atingiram também muitos acusados de crimes menores. Entre 2009 e 2016 foram 2,7 milhões de pessoas deportadas, mais do que em qualquer outro governo na história dos Estados Unidos. Muitas pessoas com origem na América Central, fugindo da violência, e que demandavam status humanitário, não obtiveram tal tratamento. Muitas dessas pessoas, que necessitavam de proteção, foram deportadas. Um aspecto especialmente aviltante do conjunto de políticas para imigração no período Obama foi a grande expansão das detenções familiares, para tentar impedir a chegada de novos refugiados. O encarceramento de famílias e crianças e sua separação, que ganhou grande destaque na mídia na primeira gestão Trump, ocorria já na administração anterior com os graves sofrimentos psicológicos infligidos a estas pessoas. Alguns argumentam que a política “linha dura” de Obama na imigração visava conseguir um acordo bipartidário para a legalização de imigrantes residentes nos EUA, o que, como colocado, não ocorreu.
No atual governo de Joe Biden as prisões e deportações aumentaram em relação ao primeiro governo Trump. Especificamente na questão das prisões foram detidos por entrada ilegal nos EUA 6,4 milhões de migrantes, um número superior, portanto, ao de Trump, Obama ou George W. Bush. A administração Biden, entretanto, mudou a abordagem e tornou os procedimentos para deportação mais morosos, o que fez com que maiores contingentes permanecessem nos EUA aguardando o julgamento de seus casos. As regras mudaram novamente e as deportações aumentaram em 2024, já sob influência do período eleitoral e das críticas dos republicanos de “leniência” do governo democrata em relação ao tema.
A América Latina, obviamente pela posição geográfica e situação socioeconômica ruim de muitos de seus habitantes é a região de origem da esmagadora maioria dos imigrantes ilegais nos Estados Unidos. A imigração de grandes contingentes de pessoas desta região aos EUA sempre foi, como se procurou demonstrar neste texto, funcional para a economia estadunidense.
No entanto, o interesse pela sua absorção pela economia depende da conjuntura e, a despeito do crescimento econômico dos últimos anos e do nível de desemprego em patamares historicamente baixos (o que demanda trabalhadores e, em princípio, é favorável à entrada de estrangeiros, mesmo ilegais) o fluxo muito elevado e acima de níveis anteriores de imigrantes ilegais está sendo percebido como um “excesso” por parte das elites e da população do país, que sobrecarrega, neste entendimento (percepção muito comumente distorcida em relação à realidade e que é realimentada pelo discurso de ódio presente nas mídias sociais), a infraestrutura, os serviços de saúde e educação e apoio social do Estado, além de concorrerem pelos empregos. Tudo isso foi apresentado pela campanha presidencial republicana com um forte discurso xenófobo e preconceituoso. Os democratas, todavia, como se buscou explicar nestas linhas, operam o mesmo sistema. O discurso da extrema-direita trumpista se diferencia, contudo, pela agressividade nativista e por ser explicitamente excludente. No futuro não muito distante se verificará se a promessa de expulsão de imigrantes em um nível sem precedentes se realizará, mas as indicações é de que o republicano parece disposto a cumprir a promessa de campanha.
*Wagner Souza é Mestre em Sociologia pela UFPR, Doutor em Economia Política Internacional pela UFRJ. Pós-Doutorando em Economia Política Internacional pela UFRJ. Idealizador e Editor do site América Latina www.americalatina.net.br. Colaborador do boletim Observatório do Século XXI
Publicado originalmente no Observatório Internacional do Século XXI (N°8 – Novembro/2024), que é uma publicação do Grupo de Pesquisa Poder Global e Geopolítica do Capitalismo do CNPQ/LABEPOG/NUBEA/UFRJ
Foto de capa:
Arquivo) Ato pela reforma migratória, em Ann Arbor, Minnesota, em 1º de maio de 2010 (Crédito: Sasha Kimel/Flickr)
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