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Carta aos Evangélicos
Carta aos Evangélicos
Por J. CARLOS DE ASSIS*
Talvez vocês não estejam diretamente informados disso, mas podem acreditar que a bancada evangélica da Câmara, no mesmo dia em que ajudou a impedir a votação de um projeto para agravar a lei contra a pedofilia, apoiou um outro que pretende liberar todo tipo de jogos no Brasil. Com isso, seus filhos estão expostos a dois riscos morais de extrema gravidade: o estímulo indireto às práticas sexuais com crianças, e um vício que afeta justamente o povo pobre que gasta o pouco que tem para tentar a sorte num jogo de azar que só beneficia ricos.
Talvez vocês não saibam também que, apenas em agosto, pessoas que ganham o Bolsa Família de R$ 684 mensais, dinheiro que dificilmente dá para uma família viver – considerando os preços dos produtos alimentares cobrados atualmente nos supermercados -, gastaram cerca de R$ 3 bilhões com jogos eletrônicos. Isso dá ideia do desespero dos pobres ao ponto de trocarem o pouco dinheiro garantido que ganham do Governo pelas fortunas milionárias imaginárias que a propaganda dos jogos dos ricos lhes empurra goela abaixo.
Dirijo-me principalmente aos evangélicos de “coração puro”, que, entre vocês, imitando Jesus, estendem sua mão para proteger as criancinhas, às quais ele prometeu o Reino dos Céus. Jesus também se colocaria frontalmente contra a exploração de jogos de azar que favorecem os ricos, em detrimento dos pobres, porque ele sabia claramente que o jogo apenas promete uma falsa riqueza, em troca do pouco dinheiro conquistado com sangue e suor pelos trabalhadores e trabalhadoras pobres.
Escrevo principalmente para adverti-los sobre os candidatos a cargos públicos que vão escolher nas próximas eleições gerais em 2026. Pensem bem. Vejam quais são seus partidos. Na internet, a que seus filhos adolescentes poderão ter acesso, verificarão quais deles estão indiretamente a favor da pedofilia, e quais estão contra. E quais são pelo jogo sujo que já escraviza milhões de brasileiros pobres, ou são contra ele. Então escolham os deputados federais e os senadores em que vão votar, sobretudo os que vão tentar a reeleição, pois estes são os constituirão o Congresso depois de 2026 e definirão as leis que os regerão até 2030.
Tenho vários amigos evangélicos, sinceros, dedicados à causa de Deus. Acompanho, porém, pela televisão e em conversas particulares, alguns que se utilizam de uma falsa “palavra de Deus” para achacar gente pobre e se enriquecerem pessoalmente. Perguntei a uma pastora de Brasília, que indiscutivelmente está do lado “puro” da igreja, porque os pastores responsáveis e sinceros não denunciam os hipócritas. Ela me respondeu com simplicidade: “Não nos metemos com outras igrejas ou pastores. Terão que dar conta de seus atos quando se apresentarem diante de Deus!”
Aqui na terra, pastores que se dedicam principalmente à política, como Silas Malafaia, não mostram qualquer sinal de receio quanto ao Julgamento Final. Literalmente vendem a seus fiéis, por alto preço, a entrada no Paraíso. Nas igrejas de Malafaia, as contribuições sugeridas aos frequentadores, indicadas pessoalmente pelo pastor, são apresentadas num quadro bem visível e começam com mil reais e vão abaixando até 50 reais. Nesse ponto ele diz: “Quem não tiver 50 reais para a oferta pode sair imediatamente da igreja.”
Na Universal, onde as contribuições indicadas pelos pastores começam com 500 reais e baixam também até 50, o achaque se dá através da venda de “produtos” que supostamente trazem benefícios materiais fantásticos aos fiéis, além dos “espirituais”. Dentre eles, encontram-se tijolos (para obter a ajuda de Jesus a fim de comprar ou construir uma casa), pedaços “milagrosos” de gravatas do pastor, toalhinhas, flores e outros produtos “abençoados” que beneficiariam os compradores com curas e outros milagres. .
Pode-se pagar esses “produtos” de qualquer forma: Pix, cartão de crédito, transferência bancária ou em dinheiro. Assim, sequiosos pelas contribuições, facilitam a vida dos fiéis para os pagamentos. Podem também doar bens materiais em troca dos benefícios prometidos, espirituais e materiais. Sou íntimo de uma senhora que vendeu sua única televisão para dar o dinheiro para uma igreja de Malafaia. Ela é fascinada por suas pregações. Não adiantou que eu ponderasse que ela precisava ver se tudo aquilo não passava de uma trapaça política demagógica, em nome de Jesus, para extrair dinheiro do povo ingênuo, sobretudo pobre.
Tudo isso torna toda a sociedade extremamente vulnerável do ponto de vista político. É que muitos de vocês, com grande boa fé, não procuram saber quais os verdadeiros propósitos dos pastores “podres”, que escondem suas intenções que parecem moralmente conservadoras para os induzirem, na prática, a aceitarem um conservadorismo político que os impede de se beneficiar do desenvolvimentismo econômico. Os pastores que se tem enriquecido barbaramente no Brasil, acumulando patrimônios pessoais altíssimos (o Estado de S. Paulo mostrou uma lista deles), são aparentemente conservadores em moral, mas geralmente ignorantes em economia. Assim, aliam-se no Parlamento à direita ou à extrema direita econômica e, pela força de seu número, contribuem decisivamente para barrar quaisquer políticas no interesse real do povo.
Muitos evangélicos ingênuos, como eu soube, participaram da quebradeira da Praça dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023. Um pastor tentou me convencer posteriormente que deveriam ser anistiados, pois, na verdade, a maioria deles teria sido atraída para Brasília em nome da fé e sem saber exatamente qual era o propósito da marcha. Agora, com as investigações da Polícia Federal, ninguém pode ignorar qual era: matar Lula, Alckmin e o ministro do Supremo, Alexandre de Moraes, mergulhando o País no caos. Obviamente, se isso não os chocou, é porque não têm qualquer respeito pela vida humana e pela tranquilidade e paz no País.
É muito difícil convencê-los dos riscos para o Brasil das atitudes ingênuas que assumem sob influência da religião. A maioria daqueles aos quais essa carta se dirige não a lerá, mesmo porque não tem acesso à internet, onde está sendo publicada; os que a lerem provavelmente não concordarão com ela, pois estão obcecados pelos sermões da direita e da extrema direita dos “pastores políticos” , onde impera a mentira descarada para enganar o povo; e os poucos que concordarem com ela serão uma minoria insignificante, que não terá peso para mudar a composição do Congresso em 2026 a favor do desenvolvimentismo. Com isso, o País continuará subjugado ao jogo reacionário do Centrão, onde os evangélicos têm peso significativo, a não ser que ao menos parte deles abra os olhos para ver o que está acontecendo no Brasil por fora das igrejas dominadas pelos “pastores políticos”, que podemos chamar também de “sujos”.
*J. CARLOS DE ASSIS é jornalista, economista, doutor em Engenharia de Produção, professor aposentado de Economia Política da UEPB, e atualmente economista chefe do Grupo Videirainvest-Agroviva e editor chefe do jornal online “Tribuna da Imprensa”, a ser relançado brevemente.
Foto de capa: Mariana Aldano/TV Globo
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