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Direito À Paisagem

Direito À Paisagem

Geral por RED
17/11/2024 09:00 • Atualizado em 12/11/2024 18:09
Direito À Paisagem

Por ADELI SELL*

“O belo é o esplendor da ordem” – Aristóteles

       Os campos, as montanhas, as colônias são lugares abertos, há poucos obstáculos feitos pela mão humana; logo, quando falamos de DIREITO À PAISAGEM, estamos falando mais das cidades, de espaços construídos, obstruídos, que mudaram ou vão mudar a paisagem original. Por isso, temos que falar do DIREITO À CIDADE. É uma relação sujeito-objeto. O mundo e os seres humanos se afetam mutuamente.

Direito à cidade

O Direito à Cidade é um direito difuso e coletivo, de natureza indivisível, de que são titulares os habitantes da cidade, as gerações presentes e futuras. É o direito de habitar, de usar, de participar da produção de cidades justas, inclusivas, democráticas e sustentáveis. Alguns falam de cidades inteligentes, pois estas teriam o condão de serem mais justas.

É na Lei n° 10.257, de 10 de julho de 200, que temos a Regulamentação dos artigos 182 e 183 da Constituição Federal, estabelecendo diretrizes gerais da política urbana. É A lei conhecida como Estatuto da Cidade.

O Estatuto da Cidade é uma lei fundamental, ela tem o cordão de articular o Urbanismo no país.

Nos dias atuais, o pensador David Harvey, britânico, é quem tem travado debates em nível mundial sobre o tema, palestrando no país e tem livros traduzidos e editados pela Boitempo. “A cidade da Esperança” é um de seus clássicos.  Ele diz que o Direito à Cidade é o direito de transformá-la em algo radicalmente diferente: o de participar dos processos de transformação da cidade que normalmente é construída segundo os interesses do capital em detrimento das pessoas. A luta pelo direito à cidade é uma luta contra o capital.

Ou seja, ele advoga por uma cidade para as pessoas. Nesta linha, temos o clássico livro de Jan Gael “Cidades para as pessoas”. Já editado no Brasil. É um livro encantador para quem quer conhecer uma cidade justa.

A precursora deste ideário foi à pensadora Jane Jacobs com o seu icônico “Morte e Vida das Grandes Cidades”, escrito em 1961, uma verdadeira bíblia do urbanismo sustentável. Já falecida, ela continua influenciando gerações e mentes de arquitetos, urbanistas e operadores do Direito, em especial daqueles que se preocupam com mobilidade urbana, como o projeto conhecido como Jane’s Walks https://pt.wikipedia.org/wiki/Jane%27s_Walk

Cidades com mais de 20 mil habitantes são obrigadas por normativa federal ter o seu Plano Diretor, discutido com os moradores, com lei aprovada pela Câmara, oriunda de proposição do executivo municipal.

Porto Alegre começou a pensar, de fato, seu urbanismo em 1914, elaborando seu “Plano Geral de Melhoramentos”, feito sob direção do arquiteto-engenheiro João Moreira Maciel.

Houve uma tentativa de retomada daquele pelo Plano Gladosch de 1943, que não foi colocado em prática, mas serviu para que, em 1959, saísse o que se conhece como o “primeiro” Plano Diretor.

Mas foi em 1979 que saiu o chamado PRIMEIRO PLANO-DIRETOR DE DESENVOLVIMENTO URBANO – PPDU – Lei 43/79.

É preciso louvar as ações feitas até então por João Moreira Maciel, Arnaldo Gladosch, Ubatuba de Faria, Edivaldo Pereira Paiva, entre outros.

Este plano traçou as principais diretrizes para a capital que começava a crescer com o êxodo rural, aumentando a população de periferia e a favelização, como também os primeiros grandes conjuntos habitacionais, seja na Restinga, Alto Petrópolis, Rubem Berta, entre outros.

Em 1999, surge o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental, Lei 434/99. Vejam que se acrescenta a palavra AMBIENTAL.

Neste pude como legislador tomar parte e ter uma atuação na linha da sustentabilidade urbana, como foi também o caso da revisão de 2009. Pois por lei os Planos Diretores devem sofrer revisão de dez em dez anos.

Portanto, a revisão de Plano Diretor local que deveria ter ocorrido em 2019 está há mais de três anos atrasado. A atual gestão estima entregar a primeira versão do novo Projeto apenas em agosto de 2025. Além do atraso, está em déficit com a Lei.

A base legal para o trato do direito à paisagem está na Constituição Federal:

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza     material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto,        portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes          grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

            V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico,     artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

Sob o ponto de vista legal tanto a União, os Estados como o Município podem legislar e tomar medidas cabíveis para a preservação da “paisagem ambiental”.

Por isso, levamos a publico as reflexões aqui expostas.

 

Incongruências jurídicas

A revisão do Plano Diretor deveria ocorrer de 10 em 10 anos, repetindo. Isto não ocorreu em Porto Alegre. O Plano Diretor deve ser da cidade, de toda a cidade. No entanto, a administração fez aprovar dois “Planos” que fatiaram a cidade; um para o Centro Histórico e outro para o IV Distrito. Apesar de alguns avanços, tem recuos drásticos, o que é também uma incongruência jurídica, pois um plano se faz sobre o tecido da cidade como um todo.

A rua monroe, o guaíba e o por do sol.

Os moradores do Condomínio Moradas da Encosta, Rua Monroe, 179 – no Bairro Santa Tereza – devem ser as pessoas que melhor entenderiam o conceito de DIREITO À PAISAGEM, sem precisar ir à Constituição Federal em seu citado artigo 216, inciso V,

É aquele condomínio que, quando se passa pelo Estádio Beira Rio e se olhar para o morro, à esquerda de quem vai ao Bairro, parece ser uma “escadaria”. Estes como todos aqueles que moram naquele entorno estão impacientes com o anúncio feito da possível construção de três mega prédios ao lado do Estádio, bem defronte o Asilo Padre Cacique, que chegariam a 120 metros de altura.

Tramita na Câmara Municipal o PLE 008/18 – projeto de lei do executivo – que pretende a doação de 2,2 ha. ao Sport Club Internacional, de Porto Alegre, para construção de três torres, um empreendimento imobiliário, por terceiro interessado.

Sob o ponto de vista jurídico é uma excrescência, porque o terreno foi doado ao S. C. Internacional para atividades relacionadas ao Esporte, escola e correlatos, em 1956, por lei municipal. Logo o Clube não pode passar a um terceiro fazer uma construção de três imensas torres, sendo que uma delas teria 120 metros de altura. Este evento a vingar taparia toda a paisagem do outro lado da rua, em especial os moradores da Monroe e entorno.

Sob o ponto de vista do Direito Administrativo é completamente ilícito. Um espaço que foi doado para uma finalidade não pode ser transformado em.

Sob o ponto de vista de nosso estudo, que é o Direito à Paisagem, é gritantemente uma agressão a quem comprou terrenos ou habitações no lado oposto da Avenida Padre Cacique, incluindo o Asilo Padre Cacique e em especial aos moradores do citado condomínio que encontraram uma forma construtiva para preservar a paisagem á sua frente: o Guaíba e o por do sol. Não havia, quando de sua aquisição, qualquer meio de ali haver um aparato visual que os impedissem de usufruir da paisagem que a cada dia os encanta, a calmitude das águas do lago Guaíba e o tocante por do sol.

Parece-nos que estes moradores têm um DIREITO ADQUIRIDO pela sua história pretérita de não ter modificações extemporâneas na legislação urbanística neste espaço geográfico, sem falar da ilicitude sob o ponto de vista do direito administrativo, no caso de doação. Quando o ente beneficiado não compre com a função a que se destina o objetivo doado ele tem que voltar ao doador.

Poder-se-ia comparar este direito com os bens públicos de uso comum do povo, uma praça ou um parque, até mesmo uma rua. Toda e qualquer pessoa que estiver numa das ruas ou no Belvedere Rui Ramos no topo do Morro Santa Tereza veem todo o Guaíba e o por do sol seja ao lado, ao longo e para além do Beira Rio; logo é de todos. Não pode ter, por interesse privado, um direito coletivo lesado, beneficiando alguns poucos.

Nem mesma uma justificativa de um espaço livre em seu entorno ou até mesmo na parte superior dos prédios justifica, nem compensa a perda de um direito de pessoas que tem este direito desde o momento da aquisição de seus lotes no outro lado da Avenida.

 

Pagando pela paisagem

O grande estudioso do folclore Luiz Câmara Cascudo disse num jornal em 1947 que o “morador mais pobre está pedindo também que a Cidade lhe dê uma vista, um ponto bonito, uma alegria visual, interrompendo a melancolia do labor diário, do trágico-cotidiano”.

Vejam que há quase 80 anos no Nordeste brasileiro já se falava em Direito à Paisagem.

Alguém já disse que “as cidades feias que me desculpem, mas beleza é direito fundamental”.

Cremos que podemos falar na existência de um “estatuto jurídico da paisagem” que assegura a sua proteção, tanto no ordenamento jurídico estrangeiro quanto no nacional.

Vale dizer que alguém que for lesado, prejudicado na sua paisagem, na fruição estética da paisagem deveria ter uma reparação por danos materiais e morais, por perda ou deterioração do bem que possuía, uma qualidade de vida, fruição do belo.

No caso das torres do Internacional, cremos que não cabe a construção. Este projeto de lei não pode vingar. É ilegal tanto sob o ponto de vista do Direito Administrativo como do Direito à Cidade, logo, do Direito Urbanístico.

Em outros casos, onde houvesse uma expansão imobiliária, como aconteceu em outros pontos da cidade, o morador lesado deveria buscar e conseguir junto à Justiça sua reparação adequada.

E se houvesse previsão de construção, pelo Plano Diretor, de uma construção numa Rua X que tapasse a visão dos moradores do entorno, estes não poderiam propor uma medida legislativa para a não edificação mediante o pagamento do seu direito à paisagem para o proprietário que ali quisesse construir?

Parece-nos completamente cabível, porque o empreendedor nada perderia, seria compensado, e os habitantes do entorno arcariam com este custo. E a paisagem preservada daria mais um conforto a eles e mais pessoas.

O nosso Estatuto da Cidade tem pouco mais de 20 anos, ainda há muito a ser feito e legislado em decorrência dele.

As ações coletivas devem estar no radar dos operadores do Direito, do Ministério Público e da Justiça.

 

*Adeli Sell é professor, escritor e bacharel em Direito.

Foto de capa: Reprodução da internet

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