Por RODRIGO GHIRINGHELLI DE AZEVEDO* – do Facebook do autor
Finalizado o pleito municipal no Brasil, os resultados são inquestionáveis: ampla vitória da centro-direita, representada pelo PSD e pelo MDB, que vão governar juntos quase 1.800 cidades e 23 milhões de eleitores, seguidos pela Direita (PP e União Brasil), com mais de 1.300 prefeituras e 14 milhões de eleitores, e dos bolsonaristas PL e Republicanos, com quase mil municípios e 12 milhões de eleitores. Na esquerda, PSB e PT juntos somam pouco mais de 500 municípios, e 8 milhões de eleitores. Ao centro, PSDB e PDT definham. PSOL incrivelmente não elegeu nenhum prefeito em todo o país.
A derrota da esquerda nas eleições municipais de 2024 é tão evidente que o que não falta são explicações para a derrota. Afinal, todo militante político é também um especialista em marketing e estratégia eleitoral.
Da minha parte, morando em uma capital de estado sulista que já teve o PT na prefeitura durante 16 anos, e que não elege o prefeito há 6 eleições, ou 24 anos, e como observador da cena político-partidária, acho importante registrar que:
1. Não há, em Porto Alegre, nenhuma barreira para que os cidadãos optem por um projeto democrático e popular. Mas é preciso que este projeto seja apresentado ao eleitor e à eleitora de forma clara, que dialogue com a sociedade civil, que reconheça os acertos e também os erros das experiências passadas, que se dê conta que o mundo mudou e que um projeto de gestão municipal exige ouvir as pessoas e as instituições, e não basta falar do que um dia foi feito, e que seja capaz de realizar alianças de forma ampla, reconhecendo que as diferenças enriquecem e qualificam as propostas de gestão para a cidade;
2. O PT de Porto Alegre é um partido que se fechou em si mesmo, que faz suas escolhas olhando exclusivamente para as disputas internas, e que se contenta em eleger boas bancadas no parlamento, mas que perdeu a capacidade, que já teve, de disputa hegemônica na cidade;
3. Não por acaso, hoje não há em Porto Alegre nenhuma diferença entre o PT e o PSOL. Ou seja, o PT hoje vai a reboque de uma orientação política que prioriza a eleição de parlamentares, para manter a máquina partidária, e para isso prioriza a política identitária, que é legítima e necessária, mas não pode estar acima das políticas públicas para toda a cidade, dialogando com todos os setores sociais;
4. Por sobre estas questões, o fato é que a esquerda no Brasil não tem hoje um projeto para o país e para as cidades. O Lulismo colocou a esquerda no poder em nível federal, mas seus limites impedem que avance e cresça para além da figura do Lula. O que a esquerda tem a dizer sobre a democracia e a reforma do Estado? Como se pode confiar no compromisso democrático de um partido que se elege chamando o adversário de fascista e autoritário, e publica um manifesto assinado pela sua direção apoiando a eleição de Nicolas Maduro, três dias depois do pleito fraudado? A estratégia de Lula de equilibrar os grupos dentro do partido e fazer costuras com o centro e a direita no parlamento chegou ao limite do possível. Como será o pós-Lula? O que vai sobrar do PT e da esquerda?
5. As vitórias e as boas gestões do PT em prefeituras se deveram a implementação de políticas públicas inovadoras e à gestão competente, com equilíbrio fiscal e invertendo prioridades. Qual a posição do PT sobre o equilíbrio fiscal? Quando o partido vai assumir que este é um princípio necessário para a gestão pública, assim como o combate à corrupção? O discurso em favor dos pobres, quando desconectado de políticas concretas e factíveis, soa a populismo eleitoreiro, e isso fez com que grande parte do eleitorado se afastasse do PT;
6. O PT, junto com o PSB e setores do PDT, tem ainda potencial para ocupar o espaço da social-democracia no Brasil. Mas, para isso, ou o PT retoma seu compromisso democrático e republicano, deixa de lado as alianças de esquerda “puro sangue” e volta a dialogar com a sociedade civil, de forma ampla, sem hegemonismo e aparelhamento, ou sobrará muito pouco para contar uma bela história. Talvez já não seja mais possível, tendo em vista os vícios da máquina partidária e os benefícios que mantém com esta forma de fazer política. Talvez, por isso mesmo, o Brasil precise de uma nova forma política para o campo democrático e popular voltar à disputa política, para fazer a diferença na vida real das pessoas. Quem viver, verá.
*Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo é professor da Escola de Direito da PUCRS, e dos Programas de Pós-Graduação em Ciências Sociais e em Ciências Criminais da PUCRS e foi vice-presidente da UNE – União Nacional de Estudantes (1989 a 1991)
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