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HIPERCONECTADOS EM PERIGO
HIPERCONECTADOS EM PERIGO
Por LÉA MARIA AARÃO REIS*
Best-seller internacional, o livro A Geração Ansiosa chegou ao Brasil como um tsunami, um fenômeno editorial que vem repercutindo com força entre educadores, pesquisadores, psicólogos, psicanalistas e psiquiatras, pedagogos e pais e mães de crianças e adolescentes. Nesse livro do psicólogo, professor e pesquisador norte-americano Jonathan Haidt, uma frase do autor explica a curiosidade pelo seu trabalho e pode resumir, à maneira de uma apresentação, o quanto é importante o tema levantado por ele: “A superproteção e o uso excessivo de dispositivos digitais estão criando uma geração mais vulnerável emocionalmente e menos preparada para os desafios da vida adulta”, escreve Haidt.
Essa geração mais vulnerável emocionalmente, submetida ao uso indiscriminado das telas e alvo do livro The Anxious Generation, é a Geração Z, dos nascidos a partir de 1995, que cresceram inteiramente imersos na era digital. Antes deles, os Millennials vieram ao mundo entre 1981 e 1994 e chegaram a testemunhar a transição da era analógica para a digital.
Já a Geração X, nascida entre 1965 e 1980, só começou a abraçar a tecnologia da informação no fim da década de 80. Eram crianças que ainda brincavam de boneca e jogavam bola na rua e não em áreas de enormes condomínios fechados, ainda raros na época. Hoje, já adultos, dão importância ao significado das relações e interações pessoais e físicas.
Precedendo essas gerações, se alinham os Baby Boomers, nascidos entre 1946 e 1964, aqueles que chegaram durante a era distendida do pós-guerra.
As gerações Millennial e Z são consideradas as mais ansiosas nessa história, e os gatilhos principais e mais devastadores para jovens e adultos desses grupos têm relação com as fortes mudanças climáticas atuais, com uma polarização política agressiva, com o racismo expresso sem cerimônias, a falta de segurança nas cidades grandes, médias e pequenas e a instabilidade financeira.
Um índice elevado de desemprego e recorrentes mudanças no rumo da economia também são apontados por psicólogos e psicanalistas em recente entrevista da BBC Brasil como principais fatores para o alto número de indivíduos com transtornos de ansiedade, que trazem medo, preocupação e angústia.
Isso sem contar os quatro últimos anos de excepcionalidade das rotinas diárias e de convívio físico mais restrito, desde 2020, quando se iniciou a pandemia de covid-19 até hoje, com pequenos picos de contaminação massificada, exigindo cuidados permanentes. Para muitas crianças, foram anos de estresse contínuo, quando deviam cumprir as tarefas escolares em casa, isoladas umas das outras, e deixaram marcas. Uma delas, o hábito – ou vício – de permanecerem muitas horas diárias na frente de uma tela.
Esse quadro ficou ainda mais em destaque no último mês, com dois episódios de grande repercussão relacionados às tecnologias digitais. Um deles, o projeto de lei que está sendo preparado pelo Ministério da Educação e deve ser baixado em outubro, prevendo interditar o uso dos celulares dos alunos e alunas nas escolas públicas e particulares, nas salas de aula e, em alguns casos, nos horários de recreio, o que ainda está sendo discutido.
O segundo evento, trágico, foi o ataque terrorista no Líbano, com milhares de dispositivos pessoais, pagers e walkie-talkies que explodiram ao mesmo tempo nas mãos, nos bolsos e nas bolsas de populações em diferentes regiões daquele país, matando e mutilando mais de mil pessoas, entre elas crianças e adolescentes.
Também recente é o estudo do Canadian Journal of Psychiatry comprovando que, quanto maior o uso diário de telas, mais alto é o nível de ansiedade. Dentro desse quadro geral inquietante, ficou constatado nas pesquisas que as crianças são mais vulneráveis, e em especial as meninas, mais ainda do que os meninos.
Pré-adolescentes e adolescentes aparecem na liderança dos diagnósticos de transtornos de ansiedade no Brasil, país com o maior índice no mundo de pessoas com esse distúrbio, segundo a Organização Mundial da Saúde. Aqui, 18,6 milhões de indivíduos convivem com transtorno de ansiedade. São seguidos pelas populações do Paraguai, Noruega, Nova Zelândia e Austrália.
O livro de Jonathan Haidt, como se vê, é mais do que oportuno para esclarecer e discutir desarranjos psíquicos originados por ansiedade em crianças hiperconectadas. Dividido em quatro partes, ele demonstra como a infância foi reconfigurada e o desenvolvimento humano se transformou com o advento da internet. Um exemplo oferecido pelo autor: na rede, a maioridade da criança é de 13 anos, idade em que ela pode acessar praticamente toda a rede sem o conhecimento ou a autorização dos pais. Até mesmo se inscreverem em uma próxima futura viagem a Marte, escreve Haidt, sem que seus pais ou responsáveis tenham conhecimento do eventual contrato que os filhos e as filhas podem assinar com a empresa que se apresenta com a proposta inacreditável de conduzir crianças em uma viagem até Marte.
Na sua primeira parte, o livro mostra o aumento repentino do sentimento de sofrimento na infância e na pré-adolescência, desde o começo dos anos 2000. Na segunda parte, o tema geral é o declínio da infância baseada em brincadeiras, no hábito de brincar. Em seguida, as ações coletivas que poderiam e poderão garantir uma infância mais saudável, e, por fim, o que as escolas e os pais podem fazer nesse sentido.
A conclusão de Jonathan Haidt é a de que “a infância pode ser trazida de volta à Terra”, partindo da frase irônica que abre o seu livro: “Crescendo em Marte”. Ele argumenta que a base da infância migrou da brincadeira offline corporificada para aquela conectada e sem corpo físico. Mudança que, segundo o autor, leva a quatro prejuízos: privação social, privação de sono, fragmentação da atenção e dependência.
Corroborando com Haidt, professor na Universidade de Nova Iorque, que lecionou durante 16 anos na Universidade da Virgínia e pesquisa Psicologia nas áreas da Moral e da Política, o brasileiro Gerardo Maria de Araújo, por sua vez professor no Departamento de Ciências Neurológicas, Psiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Medicina de Rio Preto, a Famerp, também acredita que o uso excessivo de computadores e smartphones explica a alta incidência de ansiedade no Brasil. “As redes sociais geram uma série de cobranças às pessoas e, muitas vezes, os usuários começam a desejar se tornarem magros, por exemplo, ou desportistas, como é o influenciador que eles seguem”.
“Para as meninas”, escreve Haidt, “em geral há uma relação maior e mais consistente com a Internet. Quanto mais tempo uma menina passa nas redes, maiores as suas chances de serem atingidas por depressão. Meninas que dizem passar cinco horas ou mais por dia nas redes têm a probabilidade três vezes maior de depressão que aquelas que dizem não usar redes sociais”.
Já em relação aos meninos, a curva de depressão observada por pesquisadores do Millennium Cohort Study, da Grã-Bretanha, começa a subir quando eles se declaram usuários assíduos que passam mais de duas horas por dia conectados.
A Geração Ansiosa está longe de ser um manual de autoajuda. É resultado de cerca de 20 anos de pesquisas de uma equipe de especialistas e colegas de Haidt, e de entrevistas com crianças, pré-adolescentes e adolescentes. Fechando o volume de cerca de 500 páginas, nada menos que 26 são de registros de fontes consultadas.
Trata-se de uma leitura a fazer com calma, sem… ansiedade. É um trabalho sério, desenvolvido em linguagem objetiva, bem-humorada, destinada a “leigos”, sem os academicismos para elites restritas. Por isso o seu sucesso.
“Novas tecnologias vão desorganizar nossa vida mais rapidamente a cada ano. Junte-se a mim no After Babel para estudar o que está acontecendo, o que estão fazendo conosco e como permitir que as crianças floresçam em meio a essa confusão”, conclui o autor.
E ele ainda arrisca algumas sugestões para os pais: “Permitir a criação de perfis dos filhos nas redes sociais apenas aos 16 anos de idade; para crianças entre 6 e 12 anos não se recomenda mais do que duas horas de atividades diárias recreativas em tela. Após as aulas, é hora do brincar, livre. Procurar tornar o bairro (o condomínio ou a praça) onde vive a família mais ‘amigável’ para as crianças e suas brincadeiras; estimular um contato maior com a natureza e incluir as crianças nas tarefas domésticas da casa — muitos daqueles que pertencem à Geração Z e foram entrevistados, às vezes dizem que têm o sentimento de serem inúteis”.
E, por fim: “Junte-se a outros pais que valorizam a infância baseada no brincar”, sugere Jonathan Haidt.
*Jornalista
Foto: Divulgação
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