Destaque
A AUTORIDADE DO CONHECIMENTO ESTÁ EM MARCHA
A AUTORIDADE DO CONHECIMENTO ESTÁ EM MARCHA
Por MARCIA BARBOSA*
Desde a antiguidade, os governantes têm usado o conhecimento como instrumento de desenvolvimento econômico (agricultura, navegação, saúde, comunicação, etc.). No entanto, essa sinergia entre ciência e poder nem sempre foi confortável para os cientistas. São famosos os casos de perseguição a Galileu e Hipátia de Alexandria por revelarem verdades inconvenientes. No caso particular de Hipátia, havia ainda o agravante de que uma mulher ousava ser portadora do saber! Afinal, o conhecimento foi, por muito tempo, construído e moldado como um instrumento de homens brancos da elite. Esse comportamento elitista curiosamente emerge nas críticas do físico inglês James K. Maxwell ao trabalho seminal sobre estrutura molecular do também físico holandês Johannes D. van der Waals, pelo fato de ter sido escrito em holandês popular. Johannes D. van der Waals, filho de classes populares, adentrava assim um reino dominado pela elite.
Com o passar dos anos e a massificação do ensino, a produção de conhecimento foi se democratizando. Nas últimas décadas, um movimento crescente de inclusão tem promovido a participação protagonista de mulheres, negros e negras, bem como de pesquisadores e pesquisadoras do sul global. A democratização do conhecimento trouxe consigo um elemento disruptivo: parte dos cientistas passou a ficar mais independente dos sistemas político e econômico, ganhando maior liberdade para defender verdades inconvenientes.
Essa expansão diversa provocou uma reação que pode ser dividida em dois movimentos complementares. Para controlar quem tem acesso ao ensino de qualidade, surgiram as “faculdades fast food”, que ensinam habilidades técnicas específicas sem oferecer uma formação mais aprofundada. Paralelamente, para fortalecer essas instituições, particularmente no sul global, emergiu um movimento anti-acadêmico que ataca a universidade pública — no Brasil, responsável por produzir 90% do conhecimento científico.
Um segundo movimento é o de anti-ciência. O propósito é desacreditar a autoridade do conhecimento, deixando a ciência novamente como um instrumento do poder econômico e político. São movimentos que questionam as mudanças climáticas, vacinas, até sugerem o terraplanismo. Ironicamente, tanto os movimentos anti-academia quanto os anti-ciência utilizam justamente os instrumentos desenvolvidos pela academia: a internet e a inteligência artificial.
Como combater essa rede de mentiras? A universidade precisa se tornar radicalmente democrática. Quanto menor for a sua dependência do poder econômico e político, maior será o seu poder de trazer a verdade inconveniente. Essa democracia é criada por meio das ações afirmativas e se aprofunda nas relações igualitárias da universidade com a sociedade. A universidade precisa protagonizar debates e beber na diversidade de sua comunidade.
Neste sentido, a marcha universitária argentina do dia 2 de Outubro de 2024 representa esse exercício de democracia ao denunciar um governo que ataca as universidades públicas. Colegas argentinos não estão sozinhos nesta luta, a autoridade do conhecimento está em marcha.
*Professora do Instituto de Física da UFRGS
Foto: Pixabay
Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaositered@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.
Toque novamente para sair.