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Histórias de um menino iorubá
Histórias de um menino iorubá
Por NUBIA SILVEIRA*
Não sei bem por que comecei a me interessar pela literatura africana. Talvez por ter lido o moçambicano Mia Couto e o angolano José Eduardo Agualusa e ter gostado muito de seus livros. Queria ir além dos escritores da África branca. Pedi sugestões a minha querida amiga, professora Jane Tutikian. Ela me apresentou a mulheres incríveis, que transmitem suas histórias e ideias com leveza e bom humor, mesmo nas horas tristes. Fiquei encantada com Chimamanda Ngozi Adichie, Paulina Chiziane e Buchi Emecheta. Em março do ano passado, me senti presenteada, quando o professor Luís Augusto Fischer ofereceu a oficina sobre narradoras africanas e afrodescendentes.
Conheci dez novas excelentes escritoras.
Mas aqui não vou falar de nenhuma destas mulheres. Escolhi sugerir para leitura um dos raros livros de Wole Soyinka, nigeriano de origem iorubá (e filho de Ogum), traduzidos para o português: Aké: os anos de infância, publicado em 1981, e considerada uma das doze melhores obras africanas do século passado. Soyinka foi o primeiro negro africano a receber o Nobel de Literatura (1986). É conhecido como dramaturgo (acabo de encontrar e comprar uma de suas peças – O Leão e a Joia), ensaísta, poeta, ativista e romancista, apesar de ele ressaltar que o romance não é a sua área.
Aké, um livro de memórias, recorda os primeiros onze anos de vida do autor, em Abeokuta, onde nasceu em 1934, na Nigéria colonizada pelos ingleses. Seu pai era diretor da escola existente na cidade e sua mãe, dona de uma loja, próxima à praça, situada entre a escola e a igreja. A narrativa de Wole é a de um menino que estranha o mundo dos adultos, já se mostra um militante pelos direitos das mulheres e um ser determinado a obter o que quer. A linguagem usada pelo escritor é leve, simples e emocionante.
Muitas de suas histórias nos fazem rir da audácia do menino. Aos três anos, pegou alguns livros do pai e tomou o rumo da escola. Entrou na sala de aula de sua irmã mais velha. Apossou-se de uma das carteiras como se pertencesse à turma. Queria estudar. Outra vez, sem que ninguém da família percebesse, ele saiu cantando e dançando atrás de uma banda. Só se deu conta que não sabia onde estava, quando o grupo se dispersou e ficou sozinho numa cidade desconhecida. Pior: não tinha ideia do seu endereço, nem dos nomes dos pais – chamava o pai de Ensaio e a mãe de Cristã Impetuosa. Teve sorte, um dos policiais se deu conta que ele era o filho do diretor da escola de Abeokuta.
Outra parte, fascinante e divertida, trata do levante das mulheres, que viviam do que vendiam em suas bancas no mercado da cidade ou em suas pequenas lojas, como a Cristã Impetuosa. As mulheres reclamavam das autoridades inglesas que pressionavam os proprietários rurais, dos quais cobravam altos impostos. Nesta refrega, o menino se tornou os olhos e os ouvidos das mulheres. Participava de todas as suas reuniões. Assim, testemunhou o surgimento da União das Mulheres de Egba. “O encontro do Grupo se estendeu até tarde”, conta o autor. “Muito antes, adormeci no banco da sala de jantar e acordei na manhã seguinte em uma cama no dormitório da Classe da Sra. Kuti. Na manhã seguinte, no café da manhã, ouvi pela primeira vez a expressão União das Mulheres de Egba.”
Fiquei apaixonada por Soyinka. Gostei ainda mais dele, ao ler algumas de suas entrevistas, em especial a concedida a Bolívar Torres, publicada em 27 de maio do ano passado, no Segundo Caderno de O Globo, referindo-se ao seu ativismo político: “Há pessoas que nunca aprendem a envelhecer. Eu sou uma delas”. Ele já foi perseguido pelos governos ditatoriais da Nigéria, preso por 28 meses (isolado numa cela escreveu, em papel higiênico, The Man Died) e condenado à morte por traição, quando estava fora da Nigéria, exilado em Londres.
Sugiro, com entusiasmo, a leitura de Aké: os anos de infância (Kapulana, 2020, 263 páginas).
*Nubia Silveira é jornalista.
Foto da capa: Divulgação.
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