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Os soldados de aluguel
Os soldados de aluguel
Por CELSO JAPIASSÚ*
Eles existem desde que a guerra existe. Seu nome tem sempre conotação negativa mesmo diante da literatura e do cinema que tentam fazê-los heróis, como acontece com a glorificação mediática da Legião Estrangeira, os mercenários contratados internacionalmente pela França. Ou na romantização contida no livro “Cães de Guerra”, de Frederick Forsyth. Mercenários são soldados de aluguel, sem ideologia ou patriotismo e mais uma vez eles andaram na ordem do dia, com a sua presença na guerra da Ucrania por intermédio do Grupo Wagner, do Batalhão Azov ou da estadunidense Blackwater. Têm acontecido, na Ucrânia e outras guerras, ações militares criminosas que não são assumidas por nenhum dos lados. São, certamente, obra de mercenários.
Mercenários são diferentes dos voluntários. Um é contratado e pago para lutar por um país enquanto o outro escolhe um lado e se alista para ir à guerra.
Deixaram a clandestinidade. Hoje são funcionários de multinacionais como a Blackwater, DynaCorp International ou a Triple Canopy que, além de fornecerem soldados para as guerras travadas em qualquer parte do mundo, prestam serviços de segurança, guarda-costas ou de simples vigilância.
O professor Mamadou Alpha Diallo, professor de Relações Internacionais da Unila (Universidade Federal de Integração Latino-Americana) observa que mercenários sempre existiram na história e que a ideia de um exército mobilizado pelo Estado permanentemente veio muito mais tarde. Os estados contratavam combatentes e, depois da guerra, desmobilizava-os.
Um novo mercado
As companhias militares privadas, como são chamadas as empresas que oferecem mercenários, tiveram forte impulso durante e depois da Guerra Fria e com as guerras no Iraque e no Afeganistão. Além dos serviços de guerra e segurança, são também suspeitas de contratos para a realização de ações clandestinas, atentados, sabotagens e destruições. A guerra da Ucrânia abriu-lhes um novo e próspero mercado pela quantidade de dinheiro investido no conflito pela OTAN, Estados Unidos e União Europeia. Outros grandes mercados são representados pelos rotineiros golpes de estado na África e na América Latina.
Ser mercenário é ilegal em todos os países do mundo, mas com o aparecimento das empresas militares privadas, esses soldados a soldo passaram a ter uma atividade legalizada de prestação de serviços.
Essas empresas encaram a guerra como oportunidade de negócio. A mais conhecida das empresas de aluguel de mercenários é a tristemente famosa Blackwater, por conta do massacre que promoveu em 2007 no Iraque, quando foram mortos 17 civis e feridos outros 20 na Praça Nisour, no centro de Bagdá. Foi fundada em 1996 por Alfred Clark e Erik Prince, ambos ex-oficiais da força especial SEAL da Marinha americana, hoje milionários. Mudou várias vezes de nome (Xe Services, Academi) e opera hoje com o nome de Constellis (www.constellis.com). Pertence atualmente a um grupo de investidores privados e tem contrato de longo prazo com a CIA e o Departamento de Estado.
O Grupo Wagner foi fundado em 2014 e pertenceu ao magnata russo Yevgeny Prigozhin, morto num suspeito acidente aéreo em agosto de 2023. Seu comandante militar era Dmitry “Wagner” Valeryevich Utkin, que também morreu no mesmo acidente. O Grupo Wagner contava com uma força de 50 mil mercenários e esteve envolvido em eventos na Síria, Donetsk, Lugansk, Sudão, Irã, Venezuela, Moçambique e vários outros países e lugares em volta do mundo. Tinha forte ligação com o governo russo.
Dmitry Utkin foi acusado de ser neonazista e de ter cometido inúmeros crimes de guerra. O codinome “Wagner” é inspirado em Richard Wagner, compositor preferido de Adolf Hitler. Com a morte dos seus dois principais comandantes, o Grupo Wagner foi parcialmente absorvido pela Guarda Nacional Russa e o seu futuro permanece incerto.
Em 2020 foram reveladas conexões entre Constellis e o Grupo Wagner. Constellis atuou como subcontratada do Grupo Wagner em conflitos militares na Líbia e em Moçambique.
Privatização do Estado
O aparecimento das empresas militares privadas é fruto do neoliberalismo que adquiriu força depois das reformas de Margareth Tatcher na Inglaterra e as oportunidades que daí surgiram para o fortalecimento do capitalismo internacional. O desempenho eleitoral da direita política também contribuiu para a desvalorização das funções do Estado e a entronização das teorias privatistas.
O fim da União Soviética, as guerras localizadas, o surgimento ou renascimento de novas nações em processos muitas vezes conflituosos foram alguns dos fatores que contribuíram para o florescimento deste novo mercado. A violência deixou de ser monopólio do Estado, foi privatizada e transformada em um negócio que movimenta centenas de milhões de dólares. Junto com a indústria e o comércio de armas, transformou-se na poderosa economia universal da infâmia.
Foto da capa: Generative AI by Rahul Gupta/India Today.
*Celso Japiassú é poeta, articulista, jornalista e publicitário. Traballhou no Diário de Minas como repórter, na Última Hora como chefe de reportagem e no Correio de Minas como Chefe de Redação antes de se transferir para a publicidade, área em que se dedicou ao planejamento e criação de campanhas publicitárias. Colaborou com artigos em Carta Maior e atualmente em Fórum 21. Mora hoje no Porto, Portugal.
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