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Religião nas Olimpíadas: diversidades em questão

Religião nas Olimpíadas: diversidades em questão

Esporte por RED
21/08/2024 07:16 • Atualizado em 20/08/2024 12:25
Religião nas Olimpíadas: diversidades em questão

Por EMERSON GIUMBELLI*

Nas Olímpiadas de 2024, a religião apareceu como tema em várias ocasiões. A mais retumbante foi na cerimônia de abertura, na parte em que teria sido feita uma referência à Última Ceia, com bailarinos/as e drag queens no lugar de Cristo e seus apóstolos. O diretor artístico da cerimônia, Thomas Jolly, retrucou: “A ideia era fazer um grande festival pagão ligado aos deuses do Olimpo… Olimpismo”.

Já na cerimônia de encerramento, assistimos Sifan Hassan, etíope naturalizada holandesa, receber a medalha de ouro pela vitória na maratona feminina. Hassan é muçulmana e fez questão de subir ao pódio portando um hijab, o lenço que cobre a cabeça. Se ela fosse uma atleta francesa, não poderia estar vestida desse modo devido a exigências das autoridades esportivas de seu país.

Polêmicas atingiram também atletas brasileiros. A skatista Rayssa Leal quase foi advertida por ter citado, usando a Língua Brasileira de Sinais, a frase “’Jesus é o caminho, a verdade e a vida”. A Regra 50 da Carta Olímpica proíbe qualquer tipo de manifestação ou propaganda política e religiosa durante os Jogos. Em entrevistas, Rayssa, assim como a ginasta Rebeca Andrade, a judoca Larissa Pimenta e o marchador Caio Bonfim, também medalhistas, fizeram agradecimentos que expõem sua religiosidade evangélica.

Manifestações como as de Rayssa, diante da interdição oficial, lançam debates sobre liberdade de expressão. Tais debates, por sua vez, alimentam, de um lado, a defesa de regras que estipulem limites “razoáveis” para partidarismos de diversos tipos e, de outro, argumentos que apontam “perseguições” desta ou daquela ideologia. Debates intermináveis…

Nesse quadro, gostaria de chamar a atenção para dois pontos. Até onde pude saber, não se repetiram cenas como aquelas que vimos em 2009. Após o jogo final da Copa das Confederações, realizada na África do Sul, os jogadores da seleção brasileira de futebol reuniram-se em um círculo no meio do campo e realizaram uma oração. Alguns jogadores vestiam camisetas com dizeres religiosos, em inglês (“I belong to Jesus”, “I Love Jesus”, etc). O ritual de oração coletiva já havia ocorrido na Copa do Mundo de 2002, após a partida final.

Nas Olímpiadas de Paris, como disse, não ocorreu esse tipo de manifestação por parte de atletas que representam o Brasil, talvez como um efeito das restrições oficiais. De todo modo, manifestações desse tipo em esportes coletivos, com a prática de um rito religioso, são lamentáveis. Pois sugerem que toda a equipe comunga uma mesma e única fé. Apaga-se assim a diversidade de pertencimentos e de identidades que existe (ou pode existir) em um coletivo.

O segundo ponto reitera a questão da diversidade. Nesse caso, vale lembrar, citando novamente o futebol, do exemplo de Paulo Henrique Sampaio Filho, atualmente no Atlético Mineiro. Selecionado para as Olimpíadas de Tóquio, Paulinho agradeceu a convocação com uma mensagem nas redes sociais: “Nunca foi sorte, sempre foi Exu”. Em campo, fez um dos gols na vitória sobre a Alemanha e comemorou com o gesto da flecha de Oxóssi, uma das divindades do candomblé. As manifestações provocaram ataques de intolerância religiosa e preconceito na internet, o que voltou a ocorrer em 2023 quando de sua participação em jogos da seleção nas Eliminatórias da Copa do Mundo.

Diante desse exemplo, cabe perguntar: por que parecem só ter ocorrido, no caso de atletas brasileiros, manifestações de religiosidade cristã durante as últimas Olimpíadas? Isso tende a reiterar a narrativa de que somos “um país cristão”. Há pelo menos dois problemas nessa narrativa. Primeiro, não somos apenas cristãos, como mostram as estatísticas e a paisagem religiosa. E deve-se sempre lembrar do número significativo de pessoas que não pautam suas ações com base somente na religião. Segundo, as pessoas que se identificam com o cristianismo não o entendem e não o praticam de uma só forma.

O imperativo da diversidade alcança ainda uma dimensão mais ampla. Mesmo se nos limitamos às expressões cristãs de atletas brasileiros, permanece o desafio de compreendermos a intersecção de vários planos. Estamos celebrando o fato de que as Olímpiadas de Paris destacaram atletas que são mulheres e negras. Qual a maneira mais adequada de ligarmos os pontos que conectam gênero, raça e religião no Brasil da atualidade?

*Emerson Giumbelli é professor do Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Foto da capa: Inspiração da abertura das Olimpíadas foi o quadro “Festa dos Deuses”, de Jan Harmensz van Bijlert. – (crédito: Reprodução/@Olympics no X %u2014 Jan Harmensz van Bijlert).

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