O ouro é preto e feminino

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Rafaela Silva - Foto Gregory Bull - AP

Por EDELBERTO BEHS*

O ouro das medalhas conquistadas pelo Brasil nas Olimpíadas da França tem duas marcas: ele é preto e é feminino. Quanta emoção e orgulho ver Rebeca Andrade no pódio sendo reverenciada pelas outras medalhistas, prata e bronze, atletas estadunidenses em reconhecimento à performance da brasileira!

Pódio Olimpíadas 2024 – Rebeca Andrade sendo reverenciada no pódio por Simone Biles e Jordan Chiles – Foto Elsa/Getty Images.

Numa Olimpíada, os países enviam para o campo de disputas – este ano foram 48 modalidades – o melhor de seus quadros coletivos e individuais. É uma vitrina internacional. Nos tempos gregos, a Olimpíada significava a trégua de toda e qualquer hostilidade entre cidades e regiões, o que, infelizmente, não foi o caso em 2024.

As medalhas das mulheres é um tapa na cara de um país machista, misógino e racista. Por que será que o podium nas prisões brasileiras é preto? Negros e negras são pessoas vulnerabilizadas pela sociedade, que tem uma imagem estereotipada de negros como sendo perigosos e bandidos.

“Historicamente, pessoas negras são as maiores vítimas da violência no Brasil, aspecto que, infelizmente, se discute ano após ano nas edições do Atlas da Violência”, arrola a publicação. Pesquisa do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) constatou que 63% das abordagens policiais na cidade do Rio de Janeiro têm com alvo pessoas negras, contra 31% de pessoas brancas!

O Brasil é aquele país abençoado por Deus, explorado há séculos por uma elite egoísta, burra e aproveitadora, onde a cada dia são perpetrados quase 5 feminicídios, crime definido, pelo preceito legal, como homicídio cometido “contra a mulher por razões da condição do sexo feminino”.

Essa elite, que procura extrair do bem público benesses privadas, seja em negociatas, propinas, salários, cargos e funções, não é merecedora dessa alegria medalhista. Será que se deram conta que Rebeca é filha de Dona Rosa, que sozinha criou sete filhos recebendo salário de empregada doméstica?

“Sou mulher preta, guerreira que conquistou o mundo e quero que outras saibam que é possível”, foi a declaração da judoca Beatriz Rodrigues Souza depois de conquistar a medalha de ouro na categoria.

Beatriz Souza – Foto Pinterest.

Ou será que esse país sabe que Valdileia Martins, que teve que desistir da disputa do salto em altura por causa de lesão, é filha de assentados do Pontal do Tigre, em Querência do Norte, Paraná? E que ela aprendeu a saltar com vara de pesca e sacos com palha de arroz, seus primeiros equipamentos caseiros, inventados pelo seu Israel, seu pai?

Será que a elite nossa reconhece a trajetória de boa parte das jogadoras negras de futebol ou da equipe de vôlei, e a trilha de pedra que tiveram que enfrentar até alcançar um estádio, um ginásio esportivo, num país onde o futebol feminino nem chega aos pés do milionário escrete masculino?

Será que esse país, que festeja medalhas, seja de ouro, prata ou bronze – e foram 20 medalhas, o Brasil, no total de medalhas, na frente de muito país “bacana e branquela”-, se dá conta que dos 316 presídios femininos ou mistos instalados no Brasil apenas 51 têm berçários e dez contam com creches?

O Brasil é, historicamente, muito injusto com os construtores de sua riqueza, com quem há séculos vem carregando o piano, desde a escravatura. Elite que também não hesitou de explorar – e continua tirando suas terras ainda hoje, quando está em disputa o marco temporal – comunidades indígenas, os primeiros e originários habitantes das terras de Pindorama.

As medalhas são negras e femininas. Que sejam bem festejadas, embora elas não caibam a essa elite, que não as merecem!

*Edelberto Behs é Jornalista, Coordenador do Curso de Jornalismo da Unisinos durante o período de 2003 a 2020. Foi editor assistente de Geral no Diário do Sul, de Porto Alegre, assessor de imprensa da IECLB, assessor de imprensa do Consulado Geral da República Federal da Alemanha, em Porto Alegre, e editor do serviço em português da Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicação (ALC). 

Foto Gregory Bull (AP) – Rafaela Silva conquistou a primeira medalha de ouro para o Brasil.

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