?>

Destaque

Nova Frente Popular : a esquerda contra o neofascismo

Nova Frente Popular : a esquerda contra o neofascismo

Artigo por RED
24/06/2024 13:02 • Atualizado em 24/06/2024 13:23
Nova Frente Popular : a esquerda contra o neofascismo

Eleitores dizem experimentar o « novo » ao votar no partido de Marine Le Pen

Leneide Duarte Plon*, de Paris

Em 1936, quando Hitler já estava no poder há três anos como chanceler da Alemanha, a França viveu momentos de grande tensão e enfrentamentos entre a extrema-direita e a esquerda. Para afastar o que considerava o « perigo fascista », a « gauche » se uniu na Frente Popular (Front Populaire) que agregava comunistas e socialistas e governou o país por dois anos. O programa tinha como slogan « Pain, paix, liberté » e enfatizava a defesa de República e o antifascismo.

Dia 9 de junho, a França ficou em estado de choque quando Emmanuel Macron decidiu dissolver a Assemblée Nationale (Câmara dos deputados) e convocar novas eleições, ao constatar que nas eleições européias o Rassemblement National (RN) de Marine Le Pen arrebatara um eleitorado duas vezes superior a seu partido, que só tinha uma maioria relativa na Câmara desde sua reeleição em 2022, gerando graves impasses.

A esquerda (comunistas, socialistas, La France Insoumise (França Insubmissa) de Jean-Luc Mélenchon e os ecologistas) resolveu deixar de lado as divergências e se unir no que foi batizado de Nouveau Front Populaire, uma referência ao grande momento de união da esquerda de 1936 contra o fascismo.

Imediatamente, a guerra foi declarada. A direita tradicional (Les Républicains), o centro formado pelo partido de Macron (Renaissance) e o Front Nacional (aliado à extrema-extrema-direita de Reconquête, partido de Eric Zemmour) elegeram o Nouveau Front Populaire como alvo de todas as críticas e acusações, muitas vezes falsas. Até Macron e seu primeiro-ministro, Gabriel Attal, entraram no jogo, esquecendo que o grande perigo é a eleição de uma maioria de populistas e neofascistas que dará ao Rassemblement National a chave de Matignon, o palácio de onde governa o primeiro-ministro francês.

Como não lembrar da manchete de 1936 de um jornal de extrema-direita que dizia « Plutôt Hitler que le Front Populaire » (Antes Hitler que a Frente Popular) ? Para a extrema-direita, a direita republicana, o centro e alguns remanescentes do partido socialista o ódio que têm da esquerda melanchonista (La France Insoumise) supera a preocupação de evitar a maioria neofascista na Câmara dos Deputados, com tudo o que isso significa: privatização do forte audiovisual público, mudanças na política externa, repressão a migrantes e diminuição de programas sociais que incluem famílias estrangeiras pobres, ataques à liberdade de expressão, etc, etc.

Esquerda acusada de antissemitismo 

Por ter relativizado o crescimento do antissemitismo e ter condenado o ataque do Hamas de 7 de outubro sem, contudo, chamá-lo de « grupo terrorista », o partido de Jean-Luc Mélenchon, La France Insoumise, sofreu todo tipo de crítica, tornando-se o alvo de quase todas as forças políticas, do centro à extrema-direita. É preciso frisar que a mídia ajudou a construir o mito de um Jean-Luc Mélenchon « antissemita », o que ele nunca foi. O estigma foi criado por suas posições críticas à carnificina em Gaza e sua defesa de cessar-fogo imediato, como a maioria dos deputados da France Insoumise.

Entramos numa era neofascista na qual o Ocidente dá apoio incondicional ao governo de extrema-direita de Israel formado de supremacistas judeus e, na França, grande parte da mídia e dos políticos prepara um futuro governo Marine Le Pen ao diabolizar La France Insoumise, prenunciando uma futura coabitação de Macron com o Rassemblement National. Marine Le Pen teve a esperteza de transformar, pelo menos de fachada, o antissemitismo de seu pai em um filossemitismo, na realidade é o outro lado de sua islamofobia.

Perguntei recentemente em entrevista com o ex-editor-chefe do « Le Monde Diplomatique », Alain Grech : « O que está por trás da ideia de « guerra de civilização » como os neofascistas apresentam o atual conflito do Oriente Médio acusando o antissionismo de ser um antissemitismo dissimulado ».

Gresh foi claro: « O antissionismo é uma história judaica. Quem eram os antissionistas? Havia apenas judeus, o sionismo é uma história de judeus. A maior parte dos judeus era antissionista, eles não queriam um Estado. É uma ideologia, pode-se ser contra ou a favor. Pode-se discutir o significado do sionismo. O antissemitismo é um racismo, é ilegal. É um crime. »

Divisão da comunidade judaica

Na eleição legislativa de 30 de junho e 7 de julho – influenciada pela intervenção de políticos e da mídia que rotulam a France Insoumise de antissemita porque a campanha para a eleição do Parlamento europeu teve intervenções de candidatos pedindo o cessar-fogo imediato em Gaza e denunciando a « carnificina » e até mesmo o « genocídio » de palestinos – muitos judeus declararam voto no Rassemblement National, que tem um passado turvo de declarações antissemitas de seu fundador, Jean-Marie Le Pen. Na fundação do Front National (atual Rassemblement National) havia fascistas antissemitas, inclusive um ex-Waffen SS.

O mais ilustre dos judeus que se manifestaram, Serge Klarsfeld, respeitado advogado caçador de nazistas, declarou que no segundo turno, entre candidatos do partido de Marine Le Pen e do Front Populaire ele votaria pelo candidato lepenista porque o partido « defende Israel » e « é amigo dos judeus ».

Uma judia francesa entrevistada pelo jornal « Libération » declarou seu voto pelo RN dizendo que « eles, como nós, não gostam dos árabes ». Mais franca, impossível. Segundo o psicanalista Gérard Miller, em artigo publicado no « Le Monde » há alguns meses, os judeus franceses que votavam majoritariamente na esquerda hoje votam na extrema-direita de Marine Le Pen.

Alguns judeus de esquerda escreveram artigos e deram entrevistas dizendo-se chocados com o voto de Klarsfeld, considerado equivocado.

A verdade que sairá das urnas dia 7 de julho, segundo turno das eleições legislativas, pode levar o país a uma coabitação histórica e perigosa, com a extrema-direita majoritária na Câmara dos Deputados.

« Nesse caso, a Constituição dará todas as chaves do poder governamental ao Rassemblement National. Na França, os poderes do governo são grandes demais para serem confiados a quem poderia não respeitas os princípios da democracia liberal (o pluralismo, a tolerância e o espírito de abertura) além do Estado de direito », disse em entrevista ao « Le Monde » o professor de Direito Público, Denis Baranger.

*Jornalista

**Foto: Jean-Luc Mélenchon, líder do Partido França Insubmissa, candidato a Presidente da França em 2017; Pinterest

Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaositered@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

 

Toque novamente para sair.