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As dificuldades da esquerda
As dificuldades da esquerda
De CELSO JAPIASSU *
Diante do relativo sucesso da extrema direita nas eleições para o Parlamento Europeu, as esquerdas procuram recuperar o terreno perdido. As propostas para organizar a sociedade em benefício da maioria de acordo com os ideais de solidariedade e do bem-estar social voltam à ordem do dia no programa das esquerdas. Mas antes há que planejar a estratégia capaz de unir os movimentos do mesmo campo e que competem entre si por maior espaço político. É o que se tenta fazer na França, onde se configura na Europa a maior ameaça trazida pela sombria vitória da extrema direita.
O Parlamento Europeu é um espaço político complexo. Diferentes grupos e partidos políticos interagem e procuram influenciar a tomada de decisões. As esquerdas têm importante papel e jogam o jogo em função das tendências políticas e das alianças que se formam.
Há pouco uma pesquisa da Euronews identificou a existência de condições políticas para a criação de um novo grupo de Esquerda no Parlamento Europeu. Este grupo poderia ser liderado pela figura icónica da esquerda alemã, Sahra Wagenknecht, e atrair apoio de partidos e movimentos de esquerda em toda a União Europeia. Sua agenda de segurança e proteção social poderia atrair votos de eleitores descontentes com a política tradicional e a crise económica, hoje praticamente capturados pela extrema direita. Mas muitos na esquerda tradicional desconfiam da coerência ideológica de Sahra Wagenknecht por causa dos valores conservadores que ela defende. Alguns chegam a chamar o seu movimento de “excrescência”.
Cooperação e alianças
No Parlamento Europeu as esquerdas têm influência em questões como a imigração, a guerra na Ucrânia e a política externa. Defendem uma política de apaziguamento com a Rússia e uma abordagem mais humanitária para a crise migratória. A proteção social e a defesa dos trabalhadores fazem parte da sua agenda.
Da cooperação e da formação de alianças depende o fortalecimento das esquerdas. Elas representam diferentes partidos e movimentos políticos, o que leva a divergências internas sobre questões como a política migratória e de asilo.
Há também a competição com a extrema-direita por votos e influência no terreno comum das questões como a segurança e a proteção social.
A esquerda chamada populista (representada na América Latina por Lula, Lopez Obrador, Gustavo Petro e outros líderes) tem dificuldade de integração em grupos existentes, como o Grupo da Esquerda no Parlamento Europeu (GUE/NGL). Há diferenças ideológicas e políticas.
A esquerda populista é um termo amplo que abrange diferentes partidos e movimentos políticos, o que pode levar a divergências internas sobre questões específicas. Em contraste, a extrema-direita é mais unida em sua agenda política.
Embora a esquerda populista tenha uma agenda de segurança e proteção social, sua influência em questões específicas da Europa, como a política migratória e de asilo, pode ser limitada se não houver uma cooperação eficaz com outros partidos e grupos políticos.
A esquerda populista enfrenta resistência e desconfiança por parte de outros partidos e grupos políticos, o que dificulta sua aceitação como um movimento legítimo no Parlamento Europeu.
São contradições que podem influenciar a capacidade da esquerda populista de exercer influência e de implementar suas políticas.
A esquerda populista tem caracterizado sua atuação por uma agenda de proteção social e defesa dos trabalhadores, enquanto a extrema-direita se concentra em questões de identidade, imigração e islamismo.
Embora ambas as forças políticas sejam contrárias à imigração, a esquerda defende uma abordagem mais humanitária e a proteção dos refugiados, enquanto a extrema-direita propõe restrições severas à imigração.
A esquerda é crítica à União Europeia, mas não é contrária à sua existência. Em contraste, a extrema-direita é frequentemente crítica à União Europeia e busca reduzir seu poder.
A França
A recente união das esquerdas na França é uma movimentação que pode ter importantes implicações para o futuro do país. Após as eleições europeias de 2024, em que a extrema-direita da União Nacional (Rassemblement National) obteve uma vitória expressiva, o presidente Emmanuel Macron, num movimento por todos considerado de alto risco, anunciou a dissolução do Parlamento e a convocação de eleições antecipadas para 30 de junho e 7 de julho. Essa jogada foi vista por muitos analistas como uma tentativa de polarizar o voto entre os candidatos de Macron e os da extrema-Direita. A esquerda francesa agiu com rapidez ao propor a união, liderada pela França Insubmissa (France Insoumise), defendendo a recomposição da NUPES (Nova União Popular Ecológica e Social – Nouvelle Union populaire écologique et sociale), a coalizão de esquerda que concorreu às eleições legislativas de 2022. Essa união teria como base “a clareza e a coerência que faltaram desde 2022” e rejeitaria qualquer aliança com o partido de Macron. Outros partidos de esquerda, como os socialistas e os verdes, também se mostraram favoráveis a essa união, reconhecendo a necessidade de uma frente unida para enfrentar a ameaça da extrema-direita. A proposta inclui uma agenda progressista, com medidas como o retorno da idade de reforma aos 60 anos, tetos de preços, aumento do salário-mínimo e indexação salarial à inflação.
Essa união da esquerda francesa anunciada pelos quatro principais partidos – ecologista, socialista, comunista e França Insubmissa – é vista como uma tentativa de barrar o avanço da extrema-direita e de se contrapor à política do governo Macron. Os partidos envolvidos terão que superar diferenças internas, inclusive um certo antagonismo pessoal entre seus líderes, e encontrar uma plataforma comum em um curto espaço de tempo, antes das eleições. O desfecho dessa disputa política na França terá implicações não apenas para o país, mas também para o equilíbrio de forças no Parlamento Europeu, onde a esquerda populista busca aumentar sua influência.
As principais dificuldades para a união das esquerdas na França são:
- Diferenças internas: Os partidos de esquerda têm histórias e agendas diferentes, o que pode levar a divergências internas e dificultar a formação de uma frente unida.
- Competição entre partidos: A França Insubmissa (FI) e o Partido Socialista (PS) têm histórias de competição eleitoral e teriam de superar essas diferenças para se unir.
- Reconhecimento da NUPES: A NUPES (Nova União Popular Ecológica e Social) foi a coalizão de esquerda que concorreu às eleições legislativas de 2022. A França Insubmissa apela à recomposição da NUPES, mas o PS pode resistir a essa ideia.
- Rejeição a alianças com Macron: A FI e outros partidos de esquerda rejeitam qualquer aliança política com o partido de Macron, que anunciou apoio a candidatos do PS.
- Pressão para a unidade: A pressão para a unidade eleitoral é alta, especialmente após a vitória da extrema-direita nas eleições europeias.
- Definição de uma plataforma comum: Os partidos de esquerda precisam definir uma plataforma política comum que possa atrair apoio de eleitores e superar as diferenças internas.
São esses os pontos que podem influenciar a união da esquerda francesa e o seu sucesso nas eleições.
A extrema direita na França faz proveito da divisão entre os partidos de esquerda para avançar suas próprias agendas políticas. Isso é especialmente verdadeiro após as eleições europeias, com o sucesso eleitoral da Reunião Nacional (RN), com mais de 31% dos votos. A divisão entre os partidos de esquerda tem sido explorada também por Emmanuel Macron, alegando que a extrema direita e a esquerda são dois blocos que “empobrecem o país” e que apenas o seu campo político tem um “projeto de governo coerente” para responder aos desafios da França.
A extrema direita tem também aproveitado a falta de unidade entre os partidos de esquerda para se apresentar como uma alternativa mais unida e coerente. O RN, por exemplo, apresenta-se como um partido que defende os interesses dos franceses e combate a imigração e a islamização. Além disso, a extrema direita tem tido o apoio de outros segmentos fortes que compartilham suas ideias, como a grande mídia e os círculos financeiros e empresariais.
*É autor de Poente (Editora Glaciar, Lisboa, 2022), Dezessete Poemas Noturnos (Alhambra, 1992), O Último Número (Alhambra, 1986), O Itinerário dos Emigrantes (Massao Ohno, 1980), A Região dos Mitos (Folhetim, 1975), A Legião dos Suicidas (Artenova, 1972), Processo Penal (Artenova, 1969) e Texto e a Palha (Edições MP, 1965).
Foto: Ricardo Stuckert)
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